A prisão por motivos políticos do cineasta iraniano Jafar Panahi, em março, gerou uma onda de manifestações pelo mundo. A PUC-Rio não escapou da tendência. A universidade, a Associação Brasileira de Cineastas (ABRACI) e o Curso de Cinema do Departamento de Comunicação Social organizaram um ato pela libertação do diretor. Foram exibidos no campus três filmes de Panahi e houve um ato de solidariedade ao diretor. O evento foi transmitido ao vivo por este Portal PUC-Rio Digital.
Jafar Panahi é um consagrado cineasta iraniano que faz parte do Movimento Verde, grupo que luta pela democratização do país. No entanto, segundo a polícia local, Panahi foi preso sob a acusação de cometer "alguns crimes", os quais não foram posteriormente explicados.
É bastante conturbada a história recente da política iraniana. Desde a década de 1950, o país vive momentos de instabilidade. O governo do Xá Mohammad Reza Pahlevi deixou de lado as promessas de tornar o país mais aberto politicamente e mergulhou, progressivamente, o Irã em um sistema ditatorial. Ele continuou o processo de modernização do país, mas atacou com violência a oposição xiita e os defensores da democracia.
A volta do aiatolá Khomeini, após anos no exílio, fez o discurso nacionalista e a defesa dos ideais religiosos ganharem vigor. Em 1979, uma série de revoltas, protestos e greves anunciaram a insustentabilidade do governo de Reza Pahlevi. Sob o comando do aiatolá, a Revolução Iraniana teve início e pôs em prática um Estado contrário à intervenção Ocidental e orientado pela religião.
Em entrevista por e-mail ao Portal PUC-Rio Digital, o professor iraniano da Universidade de Oxford e especialista em assuntos do Oriente Médio Farhang Jahanpour, acredita que desde a Revolução há uma dicotomia na sociedade iraniana. Segundo ele, muitas pessoas que fizeram parte do movimento islâmico procuravam liberdade política, social, pessoal e também mais democracia e direitos humanos. No entanto, o encaminhamento dado à revolução deu muito poder aos clérigos e acabou colocando-os nos mais altos cargos do governo. De acordo com o professor Jahanpour, a mesma revolução que pretendia dar mais liberdade ao povo iraniano também deu início ao pior momento do país.
– Como resultado, o povo iraniano não conseguiu atingir seus direitos políticos e a democracia. Pelo contrário, perdeu todas as liberdades pessoais e sociais que tinha desfrutado sob a monarquia. De fato, o regime clerical provou ser mais ditatorial e mais corrupto que o regime anterior. Como se presume que representa Deus e a religião, sua forma de governo é muito mais dura e totalitária que qualquer outra – afirmou.
Em 1997, a eleição de Mohammad Khatami representou possíveis reformas que desmobilizariam os rigores que a cúpula religiosa mantinha no Irã. Mas o governo de Khatami não conseguiu alcançar as transformações desejadas pelos iranianos, o que culminou na eleição, em 2005, do ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad.
A vitória de Ahmadinejad significou o retorno de forças conservadoras ao governo iraniano. Segundo o Professor de Sociologia e Estudos do Oriente Médio e diretor da Sociedade e Cultura do Médio Oriente Moderno na Universidade de Leiden, na Holanda, Asef Bayat, as pessoas elegeram um candidato ultraconservador na esperança de trazer mudanças políticas, sociais e econômicas ao país. O governo reformista, como ficou conhecida a Presidência de Mohammad Khatami, era pressionado pela oposição e pelos conservadores, representados pelo Poder Judiciário, pelos militares, pela mídia estatal, pelos líderes do Conselho dos Guardiões (órgão que seleciona os candidatos que estão autorizados a concorrer às eleições presidenciais e parlamentares). Todos esses setores da política iraniana são controlados por aliados do atual líder religioso supremo, o aiatolá Ali Khamenei.
– Esses órgãos não-eleitos geraram crises constantes e dor de cabeça para o governo Khatami. O povo perdeu a esperança na reforma. No topo de tudo isso, Khatami centrou a atenção do seu governo na reforma política e deu pouca atenção às questões econômicas das classes mais baixas. Assim, muitas pessoas se abstiveram de votar nas eleições de 2005. Nesse contexto, Ahmadinejad chegou à corrida eleitoral com a promessa populista de distribuição da renda do petróleo para todos. Por isso venceu naquele ano.
Desde 2005, as tensões políticas se acirraram no Irã. No governo de Ahmadinejad, a repressão voltou a fazer parte do cotidiano. ONGs foram fechadas, estudantes, professores, mulheres e ativistas foram presos, e os protestos foram suprimidos. O programa nuclear iraniano, que ficou esquecido durante anos, foi reativado e está sob constante monitoramento. Os Estados Unidos e outros países alegam que o programa é apenas uma forma de esconder a real intenção de obter armas nucleares. O governo iraniano nega as acusações e insiste em exercer o direito à tecnologia nuclear para fins pacíficos.
Para o professor Farhang, o programa nuclear vem causando desconforto uma vez que sua abordagem é feita de maneira errada. Segundo ele, o Irã tem direito a manter o enriquecimento de urânio, assim como todos os demais países, porém outros setores merecem mais atenção nesse momento.
– O governo do presidente Mahmud Ahmadinejad tenta fazer com que a questão nuclear seja um elemento de orgulho nacional. Há certamente um grande apoio para o acesso do Irã à energia nuclear pacífica. No entanto, a maioria dos iranianos acredita que as políticas do atual governo têm sido muito provocativas e tornaram a situação ainda mais difícil. Embora muitos reformistas acreditem que é o direito do Irã enriquecer urânio e ter um Estado independente, eles acham que a situação econômica, os direitos políticos e as liberdades, a segurança nacional e suas relações com o resto do mundo são mais importantes que a energia nuclear – afirmou Farhang.
O país passou por outro momento conflituoso em 2009. As eleições para presidente tiveram um final conturbado. A disputa entre os candidatos Mir Hossein Mousavi, que tinha uma política de pretensões liberais, e o presidente Mahmoud Ahmadinejad, que buscava a reeleição, culminou em um momento de tensões. Apesar das pesquisas sugerirem uma acirrada disputa, o processo eletivo acabou apontando uma vitória esmagadora de Ahmadinejad, com mais de 60% dos votos, o que foi ratificado pelo aiatolá Khamenei. O anúncio do resultado gerou vários protestos e há denúncias de fraudes. A indignação alimentou o Movimento Verde, que vem adotando a tática de usar os dias importantes do calendário religioso para protestar contra o presidente. A reação violenta dos integrantes do grupo contra as forças do governo sugere que muitos estão se tornando destemidos em relação à repressão. Apesar disso, eles afirmam que mais de 70 pessoas do movimento já foram mortas e mais de 1000 estão presas.
As reivindicações do grupo vão além do problema nas eleições. Eles pretendem obter do governo o compromisso de respeitar os direitos humanos, de garantir a liberdade de imprensa, de expressão e reunião. Para Farhang, as principais exigências são a limitação dos poderes do clero, o retorno de cláusulas na Constituição que foram negligenciadas e o fim do Conselho dos Guardiões. Paralelamente, exigem que um grande número de presos políticos, que foram detidos desde a eleição, sejam liberados e os seus direitos restaurados.
O professor fez ainda uma análise sobre a atual situação no Irã. Segundo ele, o povo iraniano está radicalmente dividido. Farhang acredita que os conservadores estão a favor do regime clerical porque participam e se beneficiam dele. Uma outra parte da população se opõe a esse sistema e deseja substituí-lo por uma democracia onde haja separação entre a religião e o Estado. Há ainda outro grupo que está descontente com a situação, mas pretende reformar o sistema em vez de livrar-se dele completamente.
– Desde a última eleição presidencial, a divisão entre os defensores e os opositores do regime geral cresceu, e ambos os lados se tornaram muito mais radicalizados. Se as autoridades não tentarem resolver as diferenças de forma pacífica, existe a possibilidade de uma grande dose de caos e violência no futuro.
De acordo com Asef Bayat, há um impasse no país nesse momento. Há uma oposição generalizada, que é extremamente consciente de suas exigências e que não quer desistir da luta. Junto com isso, há ainda a militarização do regime que recorre à linguagem do populismo extremista, à religão e ao messianismo.
– Se esta situação continuar, o país vai estar em constante estado de emergência e vigilância cotidiana. Um segmento considerável da população é suscetível de permanecer ingovernável. Uma saída para este impasse é uma gradual abertura do espaço político, permitindo a livre expressão, liberdade de imprensa, organização e eleições livres e justas. Isso permitirá que a política retorne ao seu lugar de direito, onde as divergências podem ser tratadas por mecanismos pacíficos e canais democráticos – alerta Bayat.
Em relação a posição de defesa do Brasil ao programa nuclear iraniano, ambos os professores afirmam que é aceitável. Asef acredita que o país tem direito a manter estudos nesse campo e reafirma que o Irã não fez ataques contra outros países.
– Parece-me que a posição do Brasil é similar a de muitos países que estão fazendo a pergunta certa: por que o Ocidente preserva o direito de ter programa nuclear para si ou para seus amigos (como Israel), mas nega para países como o Irã? O Estado islâmico, apesar de ser profundamente autoritário e violar os direitos humanos, não atacou nenhum país, embora tenha mantido a retórica de ódio contra o Ocidente e Israel. Essas retóricas têm um consumo mais doméstico e ideológico do que representam uma ameaça real a qualquer nação estrangeira. O regime iraniano não é uma ameaça ao mundo, mas ao seu próprio povo – acrescenta Bayat.
O professor Farhang acrescenta que não há evidências de que o Irã esteja evoluindo para a militarização de seu programa nuclear. Segundo ele, os líderes ocidentais e as organizações de inteligência dizem que o Irã ainda está muito longe de produzir uma única bomba atômica. O professor afirma que esta repulsa pelo programa iraniano está ligada a interesses de países ocidentais, que pretendem manter seu monopólio na área.
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