“O Brasil não devia preocupar-se com terremotos, mas com fenômenos naturais que provocam enchentes e desmoronamentos”, alertava, há um mês, o professor de ecologia da PUC-Rio Achilles Chirol, em entrevista ao Portal. Nos primeiros meses do ano, temporais já mataram mais de 200 no Sul e Sudeste. Somada aos desastres em Angra, Ilha Grande, São Paulo e na Baixada Fluminense, a tragédia na Região Metropolitana do Rio expõe a fragilidade da infraestrutura e a urgência de obras e medidas para a redução do risco de catrástrofes como a que soterrou pelo menos 150 moradores do Morro do Bumba, quinta-feira passada, em Niterói. Para o especialista, tais ações devem ser acompanhadas de política voltada à preservação das matas e dos rios. Ele faz outra advertência: a remoção dos moradores de áreas de risco precisa ser amadurecida:
– Não basta partir para a realocação das pessoas. É necessário avaliar com cuidado pelo menos dois fatores básicos: para onde vão e em que condições.
O prefeito Eduardo Paes autorizou o uso da força policial na remoção dos moradores de áreas de risco. Especialistas alertam, no entanto, que o procedimento deve ser estudado caso a caso. Segundo Chirol, a conversão das promessas e bravatas em providências efetivas para afastar o perigo de tragédias do gênero exige uma mudança de visão:
– O primeiro passo, e talvez o mais importante, para diminuir as chances dessas é a mudança de visão do poder público: deixar de considerar esses fenômenos como acontecimentos excepcionais. E assim aperfeiçoar a rede de drenagem, recuperar rios, preservar matas. As matas têm um papel fundamental no controle de deslizamentos.
De acordo com meteorologistas, a frequência de temporais e ressacas tende a aumentar. Chirol também considera essencial a adoção de protocolos de conduta para tais fenômenos. O professor propõe treinamentos equivalentes ao realizado pela população japonesa em caso de terremoto:
– Da mesma forma que o Japão e a Califórnia se preparam para terremotos, o Rio tem de estar preparado para lidar com enchentes. Mesmo que se cumpram as promessas de melhoria da infraestrutura, o histórico de temporais nos obriga a estarmos preparados. É como se vivêssemos próximo a um vulcão: o fato de não entrar em erupção durante um tempo não significa que esteja extinto.
Temporais trágicos acompanham o Rio há décadas. Em 1966, deslizamentos deixaram 144 mortos. Em 1996 e 1998, a força da água provocou dramas semelhantes – seguidos de promessas igualmente recorrentes, jamais consumadas por sucessivas administrações públicas. Culminaram na cascata de transtorno e sofrimento desta semana: 229 mortos (até o início da tarde de segunda-feira); 50 mil desabrigados e desalojados; 150 soterrados, ou mais; e incontáveis danos menores, como a perda de compromissos e de receitas decorrente da impossibilidade de deslocamento numa cidade mergulhada no caos. Transtornos incompatíveis, por exemplo, com a responsabilidade de acolher a Copa 2014 e a Olimpíada 2016.