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Rio de Janeiro, 11 de março de 2025


Cidade

Aulas suspensas numa cidade mergulhada no caos

Bruno Alfano, Evandro Lima Rodrigues e Mauro Pimentel - Do Portal

06/04/2010

Mauro Pimentel

Devido aos transtornos causados pela chuvarada que assolou o Grande Rio entre a noite de segunda-feira e a manhã de terça, a PUC suspendeu as aulas até a próxima segunda-feira. A UFRJ e a UFF também só voltarão à rotina na segunda. Depois de dois dias suspensas, as aulas das escolas das redes municipal e estadual foram retomadas na quinta-feira. Embora a chuva tenha diminuído e moradores se esforcem para retomar a rotina, o Rio luta contra as marcas do maior temporal em 44 anos.

O governador Sérgio Cabral, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o de Niterói, Jorge Roberto Silveira, admitem a urgência de obras de infraestrutura. Para as ações emergenciais, o governo federal liberou R$ 300 milhões. Por decreto, Paes autorizou a utilização da força policial para retirar moradores das áreas de risco. Especialistas alertam que a remossão deve ser acompanhada de programas de reassentamento. O presidente Lula responsabilizou a falta de investimento de administrações anteriores pelo colapso.

Nesta segunda-feira a Região Metropolitana ainda luta contra os impactos das 15 horas seguidas de chuva, entre segunda e terça-feira. A Defesa Civil contabiliza, até o início da tarde, 229 mortes - a maioria em decorrência de deslizamentos de encostas - e 50 mil desabrigados no estado. Pelo menos 39 pessoas morreram e 150 estão soterradas na avalanche de terra que atingiu 60 casas no Morro do Bumba, em Niterói, na quarta-feira à noite. Os imóveis haviam sido erguidos sobre um lixão, com o incentivo do poder público. O prefeito Jorge Roberto Silveira admitiu: "Se soubesse do perigo, teria feito diferente. Mas quem simplesmente critica não conhece o Brasil real". 

Duzentos moradores de áreas de risco foram removidos, mas o perigo de deslizamento de terra se estende por grande parte das encostas da Região Metropolitana. Batalhões da PM e 18 escolas públicas transformaram-se em abrigos para os desabrigados. Toneladas de lixo e lama isolam comunidades do Rio e de Niterói. Quarenta bombeiros da Força Nacional de Segurança chegaram na quarta-feira ao Rio para ajudar no resgate e salvamento das vítimas da chuva. 

Pontos alagados e com acúmulo de terra ainda dificultam o deslocamento. O Alto da Boa Vista e a Grajaú-Jacarepaguá estão interditados. Esta via só será reaberta em 20 dias, para que sejam feitas obras de contenção de encostas. Na orla carioca, a ressaca cobriu de areia o calçadão e parte da Avenida Atlântica. O trânsito teve de ser desviado.

 Mauro Pimentel

Cascata de vítimas e transtornos

Na última segunda-feira, o Rio amanheceu imerso em transtornos causados pela combinação entre a força da chuva e as carências de infraestrutura. Nas Zona Sul, as águas invadiram as pistas da Lagoa e do Jardim Botânico. Na Tijuca, o Rio Maracanã transbordou e inundou diversas ruas. Os túneis Rebouças e Noel Rosa ficaram interditados. A Praça da Bandeira, ponto histórico de alagamento, transformou-se num grande lago. Dezenas de carros foram abandonados, lá e em outras áreas da cidade.

O presidente Lula, que iria inaugurar, na terça-feira, Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no Morro do Alemão, associou o número expressivo de mortes às ocupações irregulares. Responsabilizou também administrações anteriores pela falta de investimento em infraestrutura - especialmente incompatível com uma cidade que receberá a Copa do Mundo (2014) e a Olimpíada (2016).

“O maior temporal do Rio”, segundo Cabral, registrou o recorde de acúmulo de chuva em 24 horas dos últimos 44 anos: 278 milímetros, contra 245 milímetros em 1966. O governador reconhece, no entanto, que a tragédia decorre não só do alto índice pluviométrico, mas de problemas crônicos de infraestrutura. A chuva, com menos intensidade, segue até sexta-feira, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Na orla carioca, ondas de até cinco metros .

 A aventura de se deslocar pela cidade

 Mauro Pimentel

Os estragos da chuva eram eloquentes ao amanhecer de terça-feira. Os principais acessos à PUC-Rio estavam obstruídos pelas áreas alagadas na Zona Sul, especialmente nos bairros da Lagoa e do Jardim Botânico. Poucos alunos e funcionários conseguiam chegar à universidade nas primeiras horas da manhã. Na noite anterior, a estudante de Cinema Luiza Barreto já amargava o desafio de se locomover numa cidade à beira da tragédia. Levou 13 horas para chegar à casa dela, no Grajaú, um trajeto feito normalmente em duas horas. 

 - Só consegui chegar em casa às seis da manhã  - conta - Demorei umas três horas para passar pelo Estácio. Quando o ônibus chegou à Praça Afonso Pena (Tijuca) passava da meia-noite. Só saímos dali às cinco da manhã, com o dia nascendo.

Segundo Luiza, a rua estava movimentada, pois "muitos tentavam voltar para suas casas". O medo de assalto sucumbia ao drama compartilhado:

 - Nem fiquei com medo. Havia umas 10 pessoas no ônibus comigo e a rua tinha muita gente. O chato era ter que ficar ali sem comida, bebida, ruim para dormir. E, o pior, sem banheiro.

Pela manhã, os pilotis vazios ilustravam o dia incomum. A estudante Flávia Xavier conta como o temporal mudou sua rotina:

- A chuva ainda não deixou eu ir para a minha casa. Como estava com a mesma roupa desde segunda-feira, precisei comprar uma nova.

Marcella Wangler, aluna de Comunicação, também tentou chegar à universidade. Moradora da Barra, foi até São Conrado, onde um "nó no trânsito" a impedia de passar:

- Quando eu acordei, procurei na internet informações atualizadas sobre os estragos da chuva, mas só mostravam problemas que aconteceram na madrugada. Então, decidi ir para a PUC com uma amiga. Partimos no meu carro. Em São Conrado, até que o trânsito estava bom. Mas, depois deste local, quando chegamos na entrada da Gávea, era impossível continuar.  

O entorno do campus indicava o castigo imposto pela chuva à Zona Sul. Bolsões d'água bloquearam a rua Mário Ribeiro, sentido PUC, próximo ao campo de treinamento do Flamengo, e impediam a passagem de carros de passeio. Na Av. Padre Leonel Franca, quedas de barreiras e de árvores prejudicaram o tráfego daquela área, inclusive com reflexos na auto-estrada Lagoa-Barra. Com a queda de duas árvores na Visconde de Albuquerque, os motoristas buscaram alternativas. As opções eram limitadas pela concentração de alagamentos no Jardim Botânico.

A luta para preservar a rotina 

 Mauro Pimentel

Moradora da Taquara, na Zona Oeste, Maria Isaura Costa foi igualmente vencida pela chuva. A bordo do ônibus 754 (Sulacap-Barra da Tijuca), a diarista foi avisada pelo telefone que pontos alagados obstruíam a passagem dos veículos. Depois de ficar presa por 40 minutos em engarrafamento na Cidade de Deus, a senhora de 49 anos decidiu descer do coletivo e retornar para casa.

No ponto de ônibus, nova espera. Ao deduzir que os ônibus estavam impedidos de circular pela quantidade de água na pista, Maria Isaura voltou a pé. Reforçava a romaria dos que desistiam de aguardar pela condução.  

O que posso fazer?  resignou-se a senhora.

Outros, no entanto, aglomeravam-se nos pontos de ônibus agarrados à esperança de que o trânsito retomasse a normalidade. A persistência ganhava contornos heroicos, ou decisivos, como no caso da atendente de telemarketing Darlene Teixeira. Há cinco meses desempregada, ela contava com a vitória sobre a chuva para conseguir emprego:

Tenho uma entrevista e não vou desistir. Se perder esta oportunidade, não sei quando terei outra - justificava.