Nathalia Fernandes Gomes - Da sala de aula
29/03/2010É um dia como outro qualquer no bairro do Catete. Os passos fortes e rápidos de quem se desloca para o trabalho misturam-se às buzinas dos carros, freadas de ônibus, gritarias de comerciantes e algazarras de estudantes na porta do Colégio Zaccaria. A rotina dos moradores permanece, aparentemente, a mesma desde 1960, ano em que o bairro deixou de sediar a Presidência da República. Apesar da aparente semelhança, os que presenciaram os tempos áureos do Catete se entristecem a cada dia, devido à decadência do local. Problemas como falta de policiamento, deterioração do patrimônio público e sujeira nas ruas levam o bairro dos livros de História do Brasil para as páginas de jornais cariocas.
Localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro, o Catete é uma região de classe média com mais de 20 mil habitantes, muitos deles amantes fervorosos do local. Moradora do bairro há três décadas, Maria José Arruda Galvão, de 72 anos, é presidente e uma das fundadoras da Associação de Moradores e Amigos do Catete e Praia (AMACAP), que hoje fica em uma pequena vila, quase invisível, na Rua do Catete. Com apenas um telefone, uma mesa e cadeiras de ferro, a professora aposentada dedica horas de seu dia a atender reclamações de moradores e buscar soluções para os problemas do bairro. Tudo isso sem receber nada em troca.
- É muito amor (pelo Catete). Aqui era um lugar calmo, de muita paz. Hoje, nem os políticos olham para nós. Antes a gente reclamava e era atendido. Agora, reclamar e nada é a mesma coisa - critica a aposentada, que, apesar das mazelas, garante que não pretende se mudar.
As recordações não ficam apenas em livros e na memória dos moradores. Em 1999, o professor de física Jorge Costa, de 48 anos, criou o site Bairro do Catete, uma página que contém a história detalhada da região, além da biografia de moradores ilustres como Machado de Assis e a princesa Carlota Joaquina. Residente do local desde seu nascimento, Costa cresceu ouvindo histórias do bairro contadas por seus familiares e decidiu, em 1998, reuni-las no livro Pequena História do Catete. Daí surgiu a ideia do site, que já chegou a ter mais de um milhão de acessos por ano. Todo o conteúdo publicado é produzido e administrado por ele, sem ajuda de custo.
- Faço com muito prazer, sou apaixonado pelo Catete. Sempre soube de muitas histórias e os moradores e amigos pediram para que eu escrevesse um livro, para passar esse conhecimento adiante - conta.
Durante alguns meses o professor embarcou no universo de historiadores e jornalistas: entrevistou diversos moradores, foi atrás de documentos antigos, leu muitos livros e pesquisou o que falta no bairro, em termos de entretenimento e comércio. “Só não temos uma tabacaria e loja de carro importado. De resto, temos tudo”, afirma. Apesar de apaixonado, Jorge não fecha os olhos para a realidade e reconhece que o bairro está longe da perfeição. Para ele, o que há de pior no Catete são a sujeira e a depredação do patrimônio público.
- A Prefeitura colocou placas de bronze pelo bairro, explicando o que era cada lugar. Essas chapas foram roubadas. Logo depois, eu mandei fazer placas de acrílico e aparafusei uma por uma. Poucos meses depois já não havia mais nada. Roubar placas de bronze para vender, tudo bem. Agora, as de acrílico, que não têm valor comercial nenhum, isso é vandalismo - protesta.
Para o apaixonado pelo Catete, a decadência da região começou a partir das obras de construção do metrô, nos anos 70. A oferta de emprego atraiu milhares de migrantes para a cidade e o "caos nas ruas afastou os moradores locais".
- As ruas do bairro estavam muito esburacadas e as pessoas começaram a sair daqui. Quando o metrô ficou pronto, o bairro já tinha uma fama péssima. Nem a cidade nem o Catete estavam preparados para esta migração descomedida.
Símbolo do poder e da nobreza da época, o Palácio do Catete deixou de abrir as portas para políticos importantes e passou a receber visitantes interessados em reviver a história brasileira. Para os que buscam alguma tranquilidade imersa ao caos urbano, o jardim do atual Museu da República tornou-se um refúgio. “Recebemos cerca de três mil pessoas por dia. Além de trazer conhecimento, proporcionamos momentos de lazer”, conta a coordenadora do Departamento de Ação e Difusão Pedagógica do museu, Maria de Lourdes Teixeira.
O cair da noite no Catete desperta medo e euforia nos moradores. Desta vez, os passos fortes e rápidos dirigem-se para casa ou para bares e restaurantes. Uns buscam proteção; e outros, a boemia. Confirmam um sentimento dúbio, que mistura orgulho, descontentamento e nostalgia por este lugar.