"A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) nunca esteve tão globalizada", afirma James Goldgeier, professor de ciências políticas e assuntos internacionais da Unversidade George Washington, nos Estados Unidos. Junto com a afirmação, uma outra questão vem à tona: qual o futuro da organização? Engajado nesse estudo, o professor Goldgeier escreveu o relatório O Futuro da Otan, publicado em fevereiro deste ano como o 51ª relatório especial do Council on Foreign Relations (Conselho de Relações Internacionais), a influente organização civil americana que trata de assuntos ligados à política externa e internacional. No texto, Goldgeiger aborda a questão de como a Otan, uma instituição da Guerra Fria, pode se adaptar aos desafios do século XXI.
Criada em 1949 para proteger os Estados Unidos e a Europa de um possível ataque soviético, a Otan mantém sua aliança militar com base no Artigo V da organização, em que "as partes concordam que um ataque armado contra uma ou mais delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque contra todos". Atualmente, mais de 60 anos depois, as ameaças que os membros da aliança enfrentam mudaram consideravelmente. Um ataque na América do Norte ou na Europa pelo exército de um outro Estado é improvável. Em vez disso, a aliança tem de enfrentar uma série de outros desafios como o terrorismo, a proliferação nuclear, a pirataria e a atuação de hackers.
Hoje, 26 países integram o grupo. Entre eles, Estados Unidos, Canadá, França, Grã-Bretanha, Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália etc. Mas parte central do debate diz respeito ao envolvimento da Otan nos conflitos fora da Europa. A aliança atua agora em outras partes do mundo. Para isso, a organização vem aumentando seu alcance, tanto em termos geográficos como na ampliação de suas operações. Nos últimos dez anos, por exemplo, o grupo vem atuando no Afeganistão e treinando forças de segurança no Iraque.
Para o professor do Departamento de História da PUC-Rio e professor da Escola de Guerra Naval da Marinha brasileira Renato Petrocchi, o relatório faz uma análise interessante sobre o tema. Ele concorda com uma maior atuação do grupo e acredita que a defesa coletiva apresenta resultados positivos.
– Acho uma mudança necessária nesse momento. Concordo que deve haver uma ampliação do raio de atuação da aliança. Uma defesa coletiva é sim mais eficaz que um plano de defesa feita por poucos e para poucos – afirmou.
Goldgeier alega que a Otan, mesmo com o fim da Guerra Fria, ainda é importante para os Estados Unidos e a Europa. Para ele, no entanto, a organização deve ampliar sua visão de defesa coletiva. Isso significa reconhecer todas as ameaças que enfrentam hoje seus membros, tanto na esfera de segurança e territorial, quanto nos planos políticos e econômicos.
Para o autor, o alargamento do campo de atuação da Otan é necessário em função da nova política global que surgiu após a Guerra Fria. Nesse sentido, Goldgeier defende que a organização deve expandir sua aliança e incluir nações como a Austrália e o Japão. Ele também acredita que uma melhor relação da Otan com a Rússia será benéfica para ambos os lados. Porém, enquanto a aliança reconhece cada vez mais a necessidade de operar longe da Europa, seus membros limitam sua área de atuação pela exigência de que os participantes sejam norte-americanos ou europeus. Segundo o professor, esse argumento era válido quando as ameaças vinham das próprias regiões dos Estados-membros. Para ele, uma aliança que se vê apenas como transatlântica é um anacronismo do século XX.
– Argumentei há quatro anos que a Otan deveria abrir os seus membros para democracias de outras partes do mundo. Mas isso exigiria a alteração de alguns artigos do tratado, e isso é pouco provável que ocorra em breve. Muitos países europeus são contra o afastamento da organização de seu caráter do Atlântico Norte – afirmou Goldgeier, por email, ao Portal PUC-Rio Digital.
Segundo o professor Petrocchi, a recusa por mudanças está baseada na diferença cultural e de interesses entre os países membros. Para ele, o diálogo entre eles já é muito complicado, o que dificulta a implementação de novas regras.
A Otan tem sido uma peça importante na segurança da Europa durante seis décadas, mas a capacidade da aliança de manter sua posição central não está clara. Para os Estados Unidos, a organização é uma fonte de legitimidade para ações em locais como o Afeganistão. Para a Europa, é um veículo para projeção de poder. Embora sozinha não possa se defender contra todas as ameaças que enfrentam os Estados-membros, a Otan pode servir de pretexto para o grupo desenvolver laços com países não-europeus, necessário para prover a defesa comum.
– O relatório fala sobre a necessidade de a Otan se aproximar das grandes democracias e torná-las potenciais parceiras. A organização já atua globalmente, mas sua composição é regional. Isso dá menos legitimidade à aliança – afirmou o autor do texto.
A entrada do Brasil no grupo é um assunto discutível, mas Goldgeier acredita que essa é uma questão interna.
– Tal fato dependerá do próprio país. Se o Brasil acredita que precisa ser parte integrante de uma organização de defesa coletiva para melhorar a sua segurança, acho favorável a sua participação.
De acordo com Petrocchi, o Brasil deve se manter fora da Otan. Ele acredita que o grupo vem assumindo uma posição bélica exagerada, o que não condiz com seu objetivo de manter a paz.
– O Brasil tem uma posição de certa prudência em relação a um possível participação na aliança. A Otan, em vez de ser um organismo de defesa, tem exercido um papel belicista. A intervenção no Afeganistão mostra isso claramente. Eles já não usam métodos pacíficos para as ações em outros países. Os europeus não veem essa intervenção bélica de forma negativa. Para eles, essas ações são aceitáveis e legítimas. O Brasil já se distancia dessa interpretação. Em última instância, podemos ajudar na questão logística e na defesa marítima, embora o Brasil já atue no Atlântico Sul. Temos sido solicitados para cooperar no combate à pirataria, temos como exemplo a Operação Atalanta. Fazer mais do que isso seria um desvio das tradicionais funções da nossa Marinha – conclui.
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