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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Mundo

Legado de Zilda Arns, morta no terremoto do Haiti, é “essencial”

Clarissa Pains - Do Portal

14/01/2010

 Agência Brasil

Zilda Arns Neumann, coordenadora internacional da Pastoral da Criança, morreu no terremoto que assolou Porto Príncipe, capital do Haiti, na noite de terça-feira, 12, e fez mais de 100 mil vítimas. Reitor em exercício da PUC-Rio, Padre Francisco Ivern Simó destaca o legado do trabalho de Zilda, “uma mulher extraordinária”:

– A Pastoral da Criança, que ela fundou e nunca deixou de acompanhar, é importante para o Brasil inteiro. A partir de projetos simples, como instruir o uso de soro caseiro, contribuiu de forma substancial para reduzir a mortalidade infantil, principalmente no Nordeste.

O corpo de Zilda chegou à Brasília às 3h30 desta sexta-feira e será velado no Palácio das Araucárias, sede do governo do Paraná. O enterro está previsto para as 14h de sábado.

De acordo com o gabinete do senador Flávio José Arns (PSDB-PR), sobrinho de Zilda, ela viajou para o Haiti no domingo, 10 de janeiro, e, às 10h de quarta-feira, estava dentro de uma igreja dando uma palestra na Conferência Nacional dos Religiosos do Caribe quando a construção desabou. Na quinta-feira, 14, Zilda se encontraria com representantes de ONGs e, nesta sexta-feira, 15, com o arcebispo de Porto Príncipe. Voltaria ao Brasil amanhã, 16.

 César Duarte

As realizações impulsionadas por Zilda Arns estão registradas no livro Pastoral da Criança: 20 anos de vidas, publicado pela Editora PUC-Rio em 2003. Extraídas do ensaio do fotógrafo César Duarte na publicação, as fotos desta reportagem refletem o esforço para a erradicação da fome e da desnutrição infantis. Em edição bilíngue (português/inglês), ilustrada com diversas fotos, a obra conta a história da Pastoral, cujo trabalho é reconhecido nacional e internacionalmente. Seu modelo foi adotado em mais de 20 países. Um dos principais projetos coordenados por Zilda era o Alimentação Enriquecida. A iniciativa ensina  populações carentes a enriquecer a comida do dia a dia com alimentos disponíveis na respectiva região.

O caráter agregador de Zilda Arns é indicado já no prefácio do livro. Assinam a apresentação da obra textos escritos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Há depoimentos também do então presidente da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), Cardeal D. Geraldo Majella Agnelo, pela ex-representante da Unicef no Brasil Reiko Niimi e pelo jornalista Márcio Moreira Alves, morto em abril do ano passado.

A capacidade de agregar representantes de diversas áreas em torno de iniciativas solidárias, às vezes salvadoras, talvez seja a principal contribuição do legado de Zilda. "Uma pessoa com grande significado não só para a Igreja Católica, como para toda a sociedade brasileira", resume Padre Ivern.

 César Duarte

– A personalidade dela projetou a Pastoral, que, independente de sua vinculação com a Igreja, adquiriu importância para a saúde mundial – observa o reitor em exercício.

Símbolo de luta contra a mortalidade infantil

Fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança, coordenadora nacional da Pastoral da Pessoa Idosa e representante da CNBB, Zilda Arns Neumann, 75 anos, tornou-se o símbolo da luta contra a mortalidade infantil no país. Cinco filhos e dez netos, a médica e especialista em pediatria social desenvolveu técnicas de pré-natal e alimentação de recém nascidos e as levou a várias comunidades pobres do Brasil.

Com a implantação do projeto, cidades como Piraí, no estado do Rio, chegaram a registrar queda da mortalidade de 47 crianças em cada 1000 para zero. Isso gastando só R$ 1 por criança. O trabalho foi reconhecido pelo governo federal, que financia cerca de R$ 1,28 milhão. Premiada pela Comissão de Direitos Humanos Internacional, ela também foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz por três anos consecutivos.

César Duarte 

Até 2000, a catarinense nascida em Forquilha coordenava a instituição de sua casa, em Curitiba. No ano seguinte, começou a viajar a outros países, como Angola, Indonésia e, recentemente, Haiti, para treinar voluntários e divulgar técnicas contra desnutrição. Em 2004, Zilda Arns recebeu da CNBB outra missão: fundar, organizar e coordenar a Pastoral da Pessoa Idosa. Atualmente, mais de 129 mil idosos são acompanhados todos os meses por 14 mil voluntários.

O presidente Lula decretou luto oficial por três dias em memórioa de Zilda e dos 14 outros brasileiros mortos no Haiti.

Ajuda brasileira ao Haiti

O forte tremor que devastou a capital Porto Príncipe causou a morte de pelo menos 14 militares brasileiros, segundo o Exército. Até sexta-feira, 15, o governo brasileiro vai enviar 28 toneladas de alimentos para o Haiti, o país mais pobre das Américas. A Força Aérea Brasileira (FAB), que será responsável por trazer para o Brasil o corpo de Zilda Arns, também enviará oito aviões com os donativos.

Segundo o ministério de Relações Exteriores, foram enviadas 14 toneladas de alimentos na primeira remessa do socorro brasileiro às vitimas da tragégia. O Itamaraty anunciou que será enviada uma "ajuda humanitária" de US$ 15 milhões (mais de R$ 26 milhões).

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, viajou na quarta-feira, 13, para Porto Príncipe. Ele acompanhará os trabalhos de resgaste e socorro na capital do Haiti. O Brasil coordena uma missão de paz das Organizações das Nações Unidas no país. Segundo o Itamaraty, há 1.310 brasileiros no Haiti – dos 1.266 são militares das forças de paz.

O pior terremoto desde 1770

A devastação provocada no Haiti pelo terremoto de 7 graus na escala Richter, o maior tremor no país desde 1770, teve o epicentro a 15 quilômetros da capital Porto Príncipe e a 10 quilômetros de profundidade. O terremoto destruiu os prédios da ONU, do governo e inúmeros outros. Prejudicou as telecomunicações, o transporte, o abastecimento. Instalou o caos, retratado, por exemplo, na onda de saques, na luta por água e comida. As informações sobre vítimas ainda são desencontradas, mas estima-se que haja mais de 100 mil mortos.

Um alerta de tsunami chegou a ser enviado para outros países do Caribe, como Cuba e República Dominicana, mas foi suspenso ainda na noite de quarta-feira. Especialistas alertam para a reincidências de fortes terremotos na região, ao longo dos próximos anos.

O Haiti encontra-se no limite entre duas placas tectônicas, a do Caribe e a norte-americana, que se movimentam em sentidos e velocidades diferentes. Segundo especialistas, o atrito entre as duas placas é a principal causa da maioria dos terremotos.