Este ano, o Prêmio Nobel da Paz teve uma novidade: pela primeira vez um presidente foi laureado durante seu mandato. Mais do que isso, conseguiu este feito no seu primeiro ano no cargo. Em outubro, Barack Obama, o quadragésimo quarto presidente dos Estados Unidos, recebeu o prêmio. Não por ser o primeiro negro a ocupar a Casa Branca e fazer com que os americanos elegessem um presidente com uma política multilateral. Uma série de questões políticas e mudanças de postura determinaram a decisão dos cinco membros do Comitê do Nobel da Paz.
Enquanto para alguns este prêmio é uma forma de incentivo, para outros é uma surpresa tê-lo laureado tão cedo. O doutor e professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio Ricardo Ismael considera “prematura” esta decisão, pelo pouco tempo de Obama na presidência.
Já o professor Vladimyr Lombardo, também do Departamento de Sociologia e Política da universidade, acredita que o prêmio é uma forma de estimular o presidente a dar continuidade às propostas com que se comprometeu ao assumir o cargo.
– Não que tenha sido prematuro, mas vejo este prêmio como uma forma de incentivo a uma política externa menos militarizada. Além disso, ele conseguiu uma comunicação mais aberta com o mundo muçulmano e, com certeza, tem uma política mais aberta com os outros países. O governo Bush era impopular com a sociedade americana e com o mundo. Há quem diga que o Obama deveria agradecê-lo por ter recebido o prêmio.
Ismael não discorda totalmente. Acha, sim, que é uma maneira de valorizar essa nova postura.
– Houve uma mudança na inflexibilidade do governo Bush em relação aos outros países.
Entretanto, se coloca como o “advogado do diabo”, ao falar das atitudes que Obama teve até o momento, que foram muito mais internas do que externas.
- É prematuro dizer que ele fez mudanças visíveis. Obama não tem nem um ano de mandato e, apesar de suas propostas, todas ainda estão no âmbito do discurso. Como é o caso das tropas americanas no Iraque, a questão do Irã e o reconhecimento do estado da Palestina no Oriente Médio. Esses são temas importantíssimos e devem ser tratados de maneira cautelosa. Neste momento, há uma situação interna mais emergente.
Ismael ainda lembra o fato de personalidades que lutaram em prol da paz mundial nunca terem sido laureadas com o Prêmio Nobel da Paz. É o caso de Dom Hélder Câmara – que sempre foi criticado quando indicado - e Mahatma Gandhi.
Mas a discussão e a polêmica quanto ao prêmio vai muito além dos Pilotis ou das salas de reunião dos departamentos da PUC-Rio. No dia seguinte à escolha, os comentários tomaram conta dos chefes de Estado de muitos países. Os líderes das principais nações se manifestaram e o assunto tomou conta nos quatro cantos do mundo.
O presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, afirmou que o prêmio é um reflexo das “esperanças que ele gerou de um mundo sem armas nucleares”.
Em um comunicado, a assessoria de imprensa de Ban Ki-moon, secretário geral da ONU, parabeniza o presidente e assinala dizendo que Obama “personifica um novo espírito de diálogo sobre os problemas mundiais”.
Aqui no Brasil, o presidente Luiz Inácio lula da Silva elogiou a escolha do chefe de estado americano:
- É uma conquista de um presidente que anunciou medidas importantes para o desarmamento nuclear. Isso certamente fez com que os homens dessem o prêmio para ele. Acho que o mesmo está em boas mãos. Espero que a paz aconteça definitivamente no mundo e não tenhamos bomba nuclear.
No Afeganistão, apesar de o presidente Hamid Karzai afimar que Obama “é a pessoa certa para esta distinção”, um porta-voz dos talebans condenou a atribuição do Nobel ao presidente.
- Não percebemos nenhuma mudança de estratégia para paz, ele não fez nada pela paz no Afeganistão; não adotou nenhuma medida sequer para isso ou para tornar o país mais estável – declarou Zabihullah Mujahid, porta-voz dos talebans.
Em uma rara entrevista à imprensa, o presidente do Comitê do Prêmio Nobel da Paz, Thorbjoern Jagland, não se surpreendeu com as críticas que recebeu quanto à escolha e defendeu a mesma pelo fato de Obama ter conseguido estabelecer uma boa relação com o mundo muçulmano e ter “transformado” uma proposta do governo de George W. Bush sobre um escudo antimíssil no Leste Europeu, recriminada pela Rússia.
Uma estratégia que para muitos se tornou contradição
Dias depois do Nobel da Paz ser conferido ao presidente americano, a Casa Branca anunciou o envio de mais 13 mil soldados ao Afeganistão. Este fato foi alvo de críticas. Ricardo Ismael aponta o episódio como uma estratégia do governo para a retirada das tropas e estabilização do governo do Iraque.
- É muito difícil você ter essa cobrança em relação a um presidente que está em primeiro mandato. Ele foi eleito diante da crise mais grave depois da Segunda Guerra Mundial – de maneira que esta é a prioridade um. Se ele fracassasse no enfrentamento da crise, teria um problema muito sério de governabilidade nos Estados Unidos. A agenda interna tomou conta do seu primeiro governo.
Ismael lembra, ainda, que quanto à agenda externa, Obama tem um vice-presidente, Joe Biden, um especialista na política externa, e indicou Hilary Clinton para o Departamento de Estado, que também possui uma boa experiência. Ressalta não ser possível empreender mudanças rapidamente, porque os EUA se envolveram tanto em certas regiões que caso saia repentinamente, desestabilizará o governo, por exemplo, do Iraque.
- Ele tem que planejar esta retirada. Não é possível chegar e simplesmente sair. Porque pode chegar, por exemplo, a afundar o governo do Iraque e o Irã, que é vizinho do Iraque, pode passar a influenciar o Iraque também. E isso não é desejável nem para os norte-americanos nem para outras forças, que acham inconveniente o governo do Irã sair fortalecido.
O professor aponta esta estratégia, em relação à geopolítica internacional, como um ‘jogo de xadrez’ complexo. Afinal, com um pé no Afeganistão e outro no Iraque, os Estados Unidos enfrentam problemas não apenas no próprio Afeganistão, mas também no Paquistão. O clima de instabilidade nesta região é latente e os inúmeros conflitos existentes, como por exemplo, entre Israel e a Palestina, tornam cada jogada deste ‘jogo de xadrez’ um passo para se ter o ‘xeque-mate’, tanto para o bem quanto para o mal.
No último dia 22 de outubro, O Globo publicou uma reportagem onde Obama se mostra indeciso em relação ao anúncio da nova estratégia para a guerra que ocorre há oito anos no Afeganistão. A Casa Branca e o Pentágono se dividem quanto à decisão do pedido dos militares de enviar mais 40 mil soldados para a região.
Em entrevista à rede de TV NBC, o presidente norte-americano afirmou que acha possível ter uma estratégia formulada antes do segundo turno das eleições afegãs, mas não garante o anúncio.
- Nós podemos não anunciá-la. Afinal, a estratégia depende de quão bem estamos indo nos esforços de desenvolvimento civil.
O discurso feito para tentar dizer que o islamismo não é um ‘inimigo’, a tentativa de verificar se é possível conversar com autoridades do Irã, são atos que Ricardo Ismael aponta como artifícios para “desarmar os ânimos e impor uma nova agenda”. Todavia, ele afirma que não é fácil, considerando-se a existência de um legado do próprio governo Bush, e o fato de que, no Oriente Médio, os EUA sempre será visto com desconfiança por ser aliado de Israel. E conclui:
- Não será surpresa se possivelmente agora ou nos próximos meses ele aumentar o número de tropas americanas no Iraque, no sentido de consolidar a presença do próprio governo iraquiano. Isso para que o mesmo consiga enfrentar as resistências da oposição. Assim, quando os EUA, de fato, sairem, talvez haja um país sob o controle da Guarda Nacional”.
Discutível ou não, nunca houve um presidente em exercício que tenha sido laureado. Com exceção de Gorbachev que, em 1990, foi premiado pela contribuição para o fim da Guerra Fria. No entanto, ele concorreu sozinho ao prêmio.
Em 2002, o ex-presidente norte-americano, Jimmy Carter, foi agraciado com o prêmio pelos esforços para encontrar soluções pacíficas para conflitos internacionais, em prol da democracia e direitos humanos, e pela promoção do desenvolvimento econômico e social.
Em 2007, Al Gore, vice-presidente durante a gestão de Bill Clinton, foi premiado, junto com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, pelo empenho na obtenção e dispersão de importantes conclusões sobre as mudanças climáticas e pelo estabelecimento de atitudes necessárias para reagir sobre tais mudanças.
Quem foi Alfred Nobel?
Os agraciados com o Prêmio Nobel devem o sucesso e a glória ao inventor e filantropo Alfred Nobel, nascido em 1833, em Estocolmo, Suécia. Filho de um casal de engenheiros descendentes de Olof Rudbeck, um dos mais conhecidos gênios da tecnologia no país, no século XVII, aos nove anos emigrou para Rússia, onde recebeu educação ministrada por tutores particulares no campo das ciências humanas e naturais.
Nobel tornou-se milionário devido as suas numerosas descobertas na área de explosivos, dentre elas, a mais conhecida foi a dinamite (1866).
Com empresas e laboratórios em mais de 20 países e mais de 350 patentes, Alfred Nobel não era apenas inventor de explosivos e dono de um império industrial. Escreveu poesias e dramas e quase chegou a se tornar escritor. Idealista e consciente dos perigos de suas invenções, sempre defendeu movimentos a favor da paz.
Nobel morreu de um ataque cardíaco em sua casa, em San Remo, na Itália, em 10 de dezembro de 1896. Pouco menos de um ano antes de sua morte, assinou seu testamento no Clube Sueco-Norueguês de Paris, deixando sua fortuna para uma fundação que deveria financiar, anualmente, cinco grandes prêmios internacionais. Dentre eles, quatro deveriam ser dedicados àqueles que se destacassem na descoberta nos campos da Física, Química, Medicina e Literatura. Como legado, Nobel também especificou um prêmio para quem mais se dedicasse em prol da paz e da amizade entre as nações.
Em seu testamento, constava o seguinte trecho: "O todo de meu patrimônio restante deverá ser administrado da seguinte forma: o capital investido, por meus executores, deverá constituir um fundo, cujo lucro deverá ser anualmente distribuído na forma de prêmios para aqueles que, durante o ano anterior, tiverem conferido os maiores benefícios para a humanidade. (...) É meu desejo expresso que, em entregando os prêmios, não deve ser dada consideração para a nacionalidade dos candidatos, mas sim que o mais digno de todos deve receber o prêmio, seja escandinavo ou não".
A partir de 1901, ocorreu no Conservatório Real de Estocolmo a primeira cerimônia de premiação nos campos da física química, literatura e medicina. O Prêmio Nobel da Paz foi entregue em Oslo, onde até hoje é realizado o evento, para o sueco Jean Henri Dunant - fundador da Cruz Vermelha Internacional e promotor das Convenções de Genebra - e para o francês Frédéric Passy - fundador e presidente da Sociedade Francesa para a Paz. Somente em 1969, foi acrescentado um prêmio destinado às Ciências Econômicas.
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