Influenciado pelo neo-realismo italiano e pela nouvelle vague francesa, surgiu no fim dos anos 50 o Cinema Novo no Brasil. O movimento apostou mais no conteúdo do que na forma e elevou o cinema nacional a uma nova dimensão. “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, assim definiu Glauber Rocha. As temáticas eram sobre a realidade do país, os filmes eram feitos com baixo orçamento e o objetivo era romper com a linguagem cinematográfica da época.
O início dos anos 60 deflagrou o Cinema Novo. Deus e o Diabo na Terra do Sol, Vidas Secas e Cinco Vezes Favela firmaram os conceitos do movimento. Os dois primeiros filmes, respectivamente de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, tratavam dos conflitos do sertão brasileiro, da dificuldade de viver diante da pobreza e da seca que afligem o nordestino. Em Cinco Vezes Favela, são apresentadas por cinco diretores histórias sobre o cotidiano das favelas cariocas: Zé da Cachorra, Couro de Gato, Escola de Samba Alegria de Viver, Um Favelado e Pedreira de São Diego. Grandes nomes do cinema atual, como Cacá Diegues e Domingos de Oliveira, começaram com esse projeto.
Os anos se passaram e o envolvimento de Cacá Diegues com jovens de comunidades do Rio de Janeiro o fez repensar o filme de 1962. O crescimento da democratização cultural através de cursos populares e da facilidade de produzir filmes incentivaram o diretor a realizar um novo projeto. Uma nova versão de Cinco vezes Favela seria produzida, com a visão do próprio morador. Os jovens escolheram suas histórias e, após muitas aulas, a equipe técnica foi decidida. Nesta entrevista, Cacá Dieguyes revela os bastidores do novo desafio.
ENTREVISTA: Cacá Diegues
– O que o motivou a fazer uma releitura de Cinco Vezes Favela?
– Há mais de dez anos, comecei a dar aulas e fazer palestras sobre audiovisual em várias comunidades do Rio de Janeiro. Ajudei mesmo a fundar o curso de uma delas, a CUFA (Central Única de Favelas), sediada na Cidade de Deus. Foram tantos e tão talentosos os jovens cineastas que conheci nesses encontros, que imaginei que estava na hora de fazer um filme, no mesmo formato daquele que foi um dos pilares fundadores do Cinema Novo. Só que agora escrito, dirigido e totalmente realizado por eles mesmos, esses jovens cineastas de favelas cariocas.
– Qual é a diferença entre a proposta de 1962 e a de 2009?
– A mesma diferença do Brasil daquela época para o Brasil de hoje. O cinema brasileiro avançou, o Brasil se modernizou, mas alguns de seus problemas sociais e cruciais permaneceram insolúveis. Mas agora são eles mesmos que vão falar sobre suas vidas, e não cinco bem intencionados jovens universitários de classe média, como foi em 1962.
– Como foi o processo de seleção das histórias do filme?
– Há dois anos, organizamos cinco oficinas de roteiro com o patrocínio da Globo Filmes. Cada uma delas se deu numa comunidade carioca, com o apoio de uma organização local: a CUFA em Cidade de Deus, o Nós do Morro no Vidigal, o AfroReggae em Parada de Lucas, o Observatório de Favelas na Maré e o Cinemaneiro/Cidadela na Lapa. Cada uma delas teve uma média de 50 alunos, todos moradores de cada uma dessas comunidades. Os alunos apresentavam seus argumentos e depois votavam para escolher um. Esse escolhido foi coletivamente desenvolvido como roteiro, pela respectiva oficina.
– Quais são as maiores deficiências do cinema brasileiro atualmente?
– O cinema brasileiro está vivendo um momento de crescimento, diversidade e muita qualidade. Falta muito para que consideremos esta uma economia estável e permanente na vida do país, mas o talento e a competência das novas gerações de cineastas têm feito nossos filmes se destacarem junto ao público e à crítica. Alguns deles já são hoje conhecidos internacionalmente, com filmes cultuados no mundo inteiro.
– Quais são seus conselhos básicos para um cineasta iniciante?
– Todo cineasta precisa de obsessão e paciência, as virtudes essenciais para quem quer fazer cinema. E ser sincero – a sinceridade é indispensável ao bom filme.
* Texto produzido em sala de aula para a disciplina Comunicação Impressa, ministrada pela professora Suely Caldas.