Bianca Baptista, Bruna Santamarina e Luigi Ferrarese - Do Portal
24/09/2009O apoio ao retorno a Honduras do presidente deposto em junho deste ano, Manuel Zelaya, desde segunda-feira abrigado na embaixada brasileira na capital Tegucigalpa, desperta versões e interpretações variadas, não raramente conflitantes ou antagônicas. Para parte dos analistas, representa uma boa oportunidade para o Brasil dar um salto em responsabilidade diplomática nos cenários políticos mundial e latino-americano. Para outros, caracteriza uma posição inadequada, especialmente pelo risco de a embaixada transformar-se em palanque para Zelaya. A professora Sonia de Camargo, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio (IRI), avalia positivamente a atuação brasileira. Para ela, uma recusa ao pedido de abrigo seria incoerente com a tradição nacional de buscar sempre o caminho da negociação.
– Seria impossível que um presidente deposto por um golpe militar não encontrasse abrigo em uma embaixada de seu próprio país. Mas, imediatamente após a chegada de Zelaya, o governo brasileiro se comunicou com a OEA (Organização dos Estados Americanos), com o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), com todas as instituições multilaterais para que elas fossem os atores principais dessa negociação.
Segundo o professor do Departamento de História da PUC-Rio Maurício Parada, o fato de Zelaya ter escolhido a embaixada brasileira na capital hondurenha para se abrigar é um sinal de reconhecimento ao destaque do país na comunidade internacional.
– O Brasil não estaria obrigatoriamente no centro dessas decisões. A ida de Zelaya para a Embaixada não foi, em tese, uma posição que o país tomou. No entanto, acredito que foi escolhido pelo presidente deposto, pois é de intermédio confiável. O Brasil demonstra equilíbrio, negociando com países de esquerda, como a Venezuela, de Hugo Chávez, e com o outro extremo, os Estados Unidos.
Marcelo Valença, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, concorda. Para ele, a escolha do presidente refugiado pela Embaixada brasileira foi “sábia”, uma vez que o país possui grande peso de influência na América Latina. O professor afirma, ainda, que deve haver uma solução pacífica para o impasse. Porém, no desenrolar do caso, é esperado que haja tensão.
– O governo não deve comandar uma invasão à Embaixada, mas nada impede que a população, exaltada e contra o presidente deposto, cometa mais atos hostis.
Arthur Ituassú, professor de Jornalismo Internacional da PUC-Rio, tem ressalvas à posição brasileira. Segundo ele, Manuel Zelaya pode não retomar o posto de chefe de Estado:
– Se o Brasil continuar a defender a causa sozinho e não houver uma mobilização interna e externa para o restabelecimento do governo, uma nova eleição ocorrerá. Com o apoio dos hondurenhos, o mundo vai legitimizar o novo governo. Caso isso aconteça, será mais um equívoco cometido pelo Brasil ao ter tomado a dianteira de uma situação.
Maurício Parada, contudo, avalia a posição brasileira como uma confirmação da tendência consensual do continente em manter a ordem democrática. O professor acredita que, caso o presidente deposto obtenha sucesso em sua missão de retomar o governo em que foi eleito, demonstrará o fortalecimento da democracia e atuará como um freio à possibilidade de futuros golpes.
– Roberto Micheletti, que assumiu o governo com a saída de Zelaya, não está disposto a negociar a sua volta. Há, no entanto, muita pressão internacional. A tensão do momento nos permite pensar que a possibilidade de invasão à Embaixada brasileira é iminente. Basta um conflito grave na porta da sede para que a crise mude seu rumo.
Para o professor de História da UFRJ Luciano Mesquita, o protagonismo brasileiro no caso pode ser avaliado como sinal de um novo equilíbrio de forças no continente:
– Entendo que o principal significado é o da busca da consolidação do Brasil junto a outros atores políticos nacionais das Américas como um árbitro de questões que envolvam os países da região, uma vez que o governo Obama nos Estados Unidos sinaliza um recuo no seu papel de atuação hegemônica, dando assim espaço para outros países entrarem em cena.
O professor Maurício Parada lembrou ainda que a OEA tem responsabilidade na administração de boa parte da crise em Honduras. Os Estados Unidos, assim como o próprio Brasil, também assumem o papel de negociadores e influenciam as decisões. Maurício ressaltou que a posição de Zelaya de voltar ao país foi unilateral. Para o historiador, ele poderia ter construído uma volta mais diplomática e menos traumática. No entanto, o presidente deposto se baseou numa avaliação política do caso, já que as eleições à presidência de Honduras devem ocorrer em novembro.
Entenda a crise hondurenha
Manuel Zelaya, presidente eleito de Honduras desde 2006, foi deposto em 28 de junho deste. Obrigado a deixar o país, partiu para a Costa Rica. Zelaya pretendia, pela convocação de um referendo popular, alterar as cláusulas das próximas eleições, para permitir que concorresse a um novo mandato.
– Mesmo com todas as culpabilidades que se possa fazer ao Zelaya, haveria meios legais de se afastar um presidente que efetivamente demonstrasse ser corrupto ou ter atitudes indignas de seu posto. Mas se utilizaram da força, os militares foram armados às ruas. Houve um golpe de Estado, ele teve que fugir – argumenta Sonia de Camargo.
Quem assumiu o governo, com o apoio de setores conservadores, foi Roberto Micheletti, presidente do Congresso e inimigo político de Zelaya. Deflagrou-se uma crise política em Honduras, com manifestações de rua e embates entre partidários e opositores de Zelaya.
Sustentada pela desaprovação da comunidade internacional à manobra política em Honduras, a OEA suspendeu o país temporariamente do bloco, não reconhecendo a legitimidade do novo governo. A exemplo do presidente americano, Barack Obama, e da União Europeia, o Brasil condenou a atitude dos militares.
O governo interino tem ordem de prisão contra Zelaya e prometia prendê-lo caso ele voltasse a Honduras. Regressando ao país na tarde da última segunda-feira, 21, Zelaya surpreendeu Micheletti e a comunidade internacional. Desde então, está abrigado na embaixada brasileira da na capital hondurenha, Tegucigalpa, acompanhado da família e de simpatizantes.
A concessão do abrigo brasileiro a Zelaya carrega versões controversas. Enquanto o presidente Lula e a cúpula diplomática afirmam que não participaram da articulação da volta do presidente deposto a Honduras, Zelaya declarou que havia consultado o Brasil antes de "escolher" a embaixada brasileira. Ele pretende retomar a presidência e encerrar o mandato, que vai até janeiro do ano que vem.
Micheletti pediu ao governo brasileiro que entregue Zelaya à Justiça hondurenha e responsabiliza o Brasil por qualquer ato de violência que aconteça próximo à sede diplomática. Policiais e soldados mantêm um anel de segurança em um perímetro de três quilômetros ao redor da embaixada.
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