Luísa Côrtes Fonseca - Da sala de aula
10/11/2009O modelo socialista, segundo militantes brasileiros, aponta para uma sociedade perseverante, solidária, participativa, ecologicamente equilibrada e democrática. Esta seria a receita para o país romper com o capitalismo, 20 anos depois da queda do Muro de Berlim. Entretanto, as questões sobre as possibilidades de existência do socialismo são dolorosas para aqueles que viram esta utopia ruir, seja no governo soviético de Josef Stálin, seja nos Massacre da Praça da Paz Celestial, na China. Ao pensarem sobre o modelo socialista idealizado e ao reconhecerem os erros históricos, os militantes de partidos socialistas e comunistas brasileiros vivem uma mistura de sentimentos, como nostalgia, rancor e esperança.
“Para mim é um grau de desinformação muito grande alguém afirmar que houve mudanças no socialismo após a queda do Muro de Berlim”, afirma o ex-deputado federal e dirigente do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) Milton Temer. Ele mostra-se ofendido ao ser questionado sobre as transformações que o modelo socialista passou ao longo dos vinte anos do fim da barreira entre a Alemanha Oriental e Ocidental. Temer reconhece, entretanto, que os atuais simpatizantes do antigo modelo soviético enfrentam barreiras para manter a sua ideologia na sociedade comandada pelo capitalismo. Um dos principais problemas apontados é a dificuldade de encontrar referências, já que o ideal socialista sobreviveu no imaginário dos militantes, não no mundo concreto.
Para o deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ), a escassez de referências não é o maior problema. Porém, as dificuldades de encontrar no passado um modelo socialista bem-sucedido também preocupa Alencar: “Nós presenciamos apenas um tipo de socialismo: autoritário, burocrático, centralizado, desvirtuado. Ele foi chamado de socialismo real, efetivamente praticado em muitos países do Leste Europeu e na própria Alemanha Oriental, mas não é o modelo ideal”.
Outra dificuldade para os socialistas brasileiros é lidar com o consumo excessivo do capitalismo. Segundo Pedro Martins, 23 anos, militante do PCdoB, “os jovens não conseguem entender uma pessoa que deixa de lado o consumo de roupas caras, tecnologias, entre outras mil opções consumistas. Assim, fica difícil a aceitação”. Além disso, Pedro diz que sofre "estranhamento" das pessoas de sua idade, por seu interesse pelo socialismo. “Todos estão acomodados com a exploração e com a injustiça capitalista. Acham que socialismo é uma loucura impossível”, completa.
As dificuldades de inserção e de encontrar referências não são as barreiras mais graves aos socialistas no Brasil, avalia o cientista político do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Marcus Figueiredo. Segundo ele, os militantes socialistas precisam, para alcançar o poder, se organizar em partidos: “Aí começam os problemas: para você alcançar o poder é preciso fazer alianças e concessões políticas. O Partido dos Trabalhadores e o Partido Comunista do Brasil fizeram e são acusados por muitos, principalmente os radicais, de traidores. Já o PSOL e o PSTU não fazem concessões, mas também não conseguem expressividade de votos”, observa o cientista político.
Como dirigente do PSOL, Milton Temer confirma a tese do cientista político Marcus Figueiredo quando acusa o PT de traição aos ideais socialistas: “No Brasil ninguém se assume de direita, mas o que vemos no governo Lula é o conservadorismo”. As críticas dos socialistas radicais também são voltadas para os representantes do PCdoB. “Não dá para acreditar que uma comunista como a Jandira Feghali esteja no governo de Eduardo Paes”, alfineta a militante do PSTU Lívia Ferreira.
As críticas e divergências entre os próprios membros dos partidos socialistas e comunistas brasileiros expressam a falta de unidade entre os idealizadores de um mesmo projeto. No Brasil capitalista, resta aos sonhadores refletir sobre o modelo que desabou, construir o socialismo por meio da reflexão e escapar da barreira da intolerância.
* Texto produzido em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pelo professor Arthur Dapieve.
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