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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Mundo

O muro que ainda não caiu

Marcela Maciel - Da sala de aula

10/11/2009

 GHDI

É fato o que se estuda nos livros de história: há vinte anos, o maior símbolo da Guerra Fria foi posto ao chão. Tanto que, até hoje, pedaços do Muro de Berlim são vendidos como souvenirs para turistas que visitam a cidade. Mas, mesmo duas décadas depois, a separação entre as Alemanhas Oriental e Ocidental persiste na cabeça e na vida do povo germânico.

O governo da República Federal da Alemanha (RFA) ergueu o muro em 1961 para controlar a fuga de cidadãos República Democrática Alemã (RDA), comunista, para o lado ocidental da cidade e do país, capitalista. Muitos morreram tentando atravessar a fronteira. Manifestações pressionavam pelo afrouxamento do regime, meses antes do inimaginável. Tanto que, em fevereiro de 1989, o chefe de governo da Alemanha Oriental, Erich Honecke, declarou que o muro permaneceria em pé por mais 50 ou 100 anos. Nove meses depois, 41 anos após construção, em 9 de novembro, o conselho dos ministros liberou a passagem para os dois lados da cidade. Caía assim o maior símbolo da Guerra Fria. O país só se reunificou em outubro de 1990.

A estudante brasileira Debora Dantas mal completara dois anos em 1989. Atualmente, ela está em intercâmbio pelo país para estudar. Em sua passagem pela capital alemã, ficou impressionada em como o Muro ainda faz parte da vida das pessoas. “Não houve uma conversa sequer que eu não tenha ouvido falar do muro. E não é conversa de velho. Conversei com gente da nossa idade e eles ainda falam muito nisso.”

Debora observou também uma tendência de “reviver o passado”. Na época da Guerra Fria, a comunidade queria que o Muro caísse. “Mas, depois que caiu, eles acham que era melhor quando ele estava lá.” Algo que pode ser comprovado por uma pesquisa do Instituto Emnid, de 2007: um a cada cinco alemães são favoráveis à reconstrução do muro.

Gabrielle Thiecker, especialista em História Contemporânea da Faculdade Porto-Alegrense (FAPA), fundamenta essa posição no artigo “A Reunificação Alemã: da euforia à frustração”. O sentimento de conquista de liberdade se transformou em frustração, principalmente no aspecto econômico. A Alemanha Ocidental, voltada para o desenvolvimento da economia, recuperou-se do caos instalado pela Segunda Guerra Mundial. Enquanto isso, a Alemanha Oriental era menos industrializada e precisou pagar indenizações à União Soviética (URSS). “Depois da queda do Muro, o leste alemão precisou se adaptar ao modelo econômico ocidental, principalmente no ramo industrial.” A renda per capita da Alemanha Ocidental era três vezes maior que a dos habitantes do lado oriental. Desde a separação, os estados da antiga RDA registram índice de desemprego duas vezes maior do que o lado ocidental.

A mesma pesquisa do Emnid mostra que, apesar de 75% da população se declarar feliz com a reunificação, 74% dos ex-orientais se consideram cidadãos de segunda classe. Eugenia Koeler, professora de alemão, conta também sobre a postura dos "wessis" (como são chamados pejorativamente os alemães ex-ocidentais) frente aos "ossis" (os ex-orientais, termo também pejorativo) após a reunificação. “Parecia ser quase sempre uma postura de superioridade intelectual, financeira e cultural frente aos irmãos mais pobres”.

A dificuldade enfrentada pelos ex-ocidentais fez com que houvesse grande movimento na fronteira, que não existia mais. Entre 1991 e 2004, os Estados do leste perderam 900 mil habitantes: 2,18 milhões que migraram para o oeste não foram compensados e, com isso, 1,28 milhão fizeram o caminho de volta. Eugenia conta que nem todos podiam pagar os custos desta liberdade, pois havia muitos desempregados, e mesmo os que tinham algum emprego ganhavam muito pouco, o que causava conflitos sociais.

Hoje, a Alemanha passa por outro problema estrutural na sociedade. O sentimento de xenofobia cresceu nos últimos anos, refletido pelo avanço recente no leste alemão do Partido Nacional Democrático, de tendência neonazista. Os imigrantes representavam mais de 8% da população, segundo o Escritório Federal de Estatísticas da Alemanha. A maioria vem da Turquia e chegou para a reconstrução do país após a Segunda Guerra. Há quem diga que, se o muro ainda existisse, essa invasão estrangeira não aconteceria. “Eles falam muito que, depois que a Alemanha se tornou um "Estado social", tem uma proliferação de estrangeiros vagabundos que só vem pra viver à custa do governo”, explica a estudante Debora, ao contar das conversas que ouviu em sua estadia na Europa.

A cada ano o Estado ainda transfere cerca de 30 bilhões de euros do Oeste para o Leste, vindos de impostos, como informa a rede de notícias Deutsche Welle. O ministro da Construção e do Desenvolvimento Urbano para o Leste alemão, Wolfgang Tiefensee, calcula ainda serem necessários, no mínimo, mais dez anos até a região poder se manter sem as injeções financeiras estatais, de acordo com o último relatório anual sobre a reunificação, em outubro de 1989. A professora Eugenia Koeler comenta a importância do processo de reunificação. “A reintegração das duas Alemanhas significa uma exigência necessária ao sistema político, financeiro e social da nova Alemanha em construção, bem como a solidariedade entre os ‘irmãos’”. O próprio Tiefensee afirmou no relatório: “Muito se alcançou – há muito a fazer”.


* Matéria produzida em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pela professora Carla Rodrigues.

 

Leia também:

- A primeira geração da Alemanha reunificada (Ana Terra Athayde)
- Desafios para manter aceso o sonho socialista (Luísa Côrtes Fonseca)