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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Mundo

Caso Paula Oliveira expõe riscos na imprensa

Ana de Almeida Bastos - Da sala de aula

10/08/2009

 Divulgação

O título do blog de Ricardo Noblat anunciava em primeira mão, no dia 11 de fevereiro: “Brasileira torturada na Suíça aborta gêmeos”. A história da pernambucana Paula Oliveira, de 26 anos, supostamente agredida por skinheads, próxima a uma estação ferroviária, estarreceu o público duplamente: pela gravidade, pelo caráter nazista do crime; e por ter sido constatado que Paula havia mentido. Duas semanas após a publicação da notícia, a advogada confessou à polícia suíça ser autora dos ferimentos na própria pele e, de acordo com as investigações, a brasileira também não estava grávida.

O caso Paula Oliveira entrou para história da imprensa como mais uma “barriga” jornalística, termo da profissão que significa publicar um fato falso sem a intenção de enganar o público. A publicação da notícia no blog do jornalista Ricardo Noblat desencadeou uma série de novas barrigas, em diversos veículos informativos. O equívoco provocou mal-estar entre Brasil e Suíça, cuja imprensa criticou severamente o jornalismo brasileiro. Artigo do Neue Zürcher Zeitung, um dos jornais de maior prestígio na Europa, acusou a imprensa brasileira de ter “passado dos limites”. O 20 Minuten, jornal de maior tiragem da Suíça alemã, distribuído gratuitamente, publicou um artigo chamado “Lula da Silva ‘caranguejeia’ para trás”, no qual comenta a reação do governo brasileiro, que tentava se redimir após a notícia de que Paula não estava grávida ter vindo à tona.

A notícia de que Paula teria sido agredida por neonazistas na Suíça chegou até Noblat por meio do pai de Paula, o advogado Paulo Oliveira, secretário parlamentar do deputado federal Roberto Magalhães (DEM-PE) e ex-governador de Pernambuco. Noblat explica como apurou a matéria:

- Além do Paulo, conversei com a mulher dele, a irmã da Paula, a própria Paula, uma amiga de Paula que dividira o apartamento com ela durante cinco anos no Recife e a consulesa-geral do Brasil em Zurique. Por meio da consulesa, tentei chegar à polícia. Fui desestimulado pela própria diplomata, que me contou que o processo corria em segredo de Justiça e que nem ela, em nome do governo brasileiro, conseguira informações.

A professora de Relações Internacionais da PUC-RJ, Ana Tereza Lehmann, considera que a cobertura do caso foi, em geral, mal apurada:

- As primeiras notícias divulgadas não foram questionadas. A cobertura brasileira mostrou-se pré-estabelecida e mal apurada, até pelo fato de Paula ser brasileira. Temos a tendência de ficar do lado do que é nosso. Este tipo de equívoco pode causar prejuízo à imagem do Brasil. O governo suíço falou em retaliações, que se consumaram. Mas o dano à imagem brasileira lá fora já está feito.

Já para o jornalista Ernesto Rodrigues, ex-editor-executivo da Rede Globo e professor da PUC-Rio, não houve erro na cobertura jornalística:

- É muito fácil fazer profecia do passado. Depois que descobriram que o caso é uma fraude, falam que foi irresponsabilidade da imprensa. Não acho que houve negligência ou preguiça de apurar. Paula Oliveira passava credibilidade: tinha a vida estabelecida, nenhum antecedente criminal, judicial, estava regularmente na Suíça, morava com um suíço. Como editor, tenho certeza de que 90% dos jornalistas que conheço, tendo na mão, naquela noite, apenas o que foi dito no blog do Noblat, publicariam a notícia.

João Batista Natali, jornalista há 39 anos, freelancer na Secretaria de Redação da Folha de S. Paulo, acredita que "todos erraram no caso":

- Uma notícia é uma narrativa e está sempre associada a um contexto infinito de outras narrativas nas quais ela implicitamente se apoia. No caso da Paula Oliveira, o contexto narrativo estava receptível à existência de episódios de racismo na Europa. Quando tudo se encaixa, é preciso ter certa desconfiança. A Globo mergulhou de cabeça na versão da imigrante brasileira e ao mesmo tempo mergulharam também o Estadão, a Folha, a Record, a Rádio Sucupira e toda a mídia brasileira.

Para Carlos Castilho, jornalista há 35 anos, o erro da imprensa brasileira foi dar dimensão nacional à notícia sem ter certeza da veracidade dos fatos: “A imprensa embarcou na informação do blog do Noblat e induziu figuras públicas, como o presidente, a dar declarações sem saber o conteúdo real dos acontecimentos”.

Noblat lembra que “examinar a história pelo retrovisor é fácil”, mas reconhece que poderia ter submetido as fotos de Paula mutilada a peritos. Ele acrescenta:

- Esta história não foi bem contada até aqui. Só o será depois que Paula voltar ao Brasil e for entrevistada.