Internet transforma jornalismo internacional
Ana de Almeida Bastos
15/06/2009
A matéria-prima continua sendo a mesma: o mundo; mas o processo de investigação do jornalista de internacional foi transformado pela tecnologia. A internet tornou as fronteiras geográficas mais tênues e o jornalista de internacional passou a ter a possibilidade de apurar o mundo sem se levantar da cadeira da redação. Em contrapartida, a mesma tecnologia, que inaugurou uma nova maneira de apurar os fatos, trouxe à tona novas dificuldades: o trabalho dos correspondentes tornou-se raro e o excesso de versões pode confundir.
Para o jornalista Ernesto Rodrigues, que atuou durante três anos como chefe da Sucursal da Rede Globo em Londres, a web tornou o jornalismo internacional mais viável economicamente: “Todos os serviços em telecomunicações eram caros: telex, despacho de material e, no caso da televisão, você ainda tinha que comprar espaço para fazer geração de satélite, o que só as emissoras endinheiradas podiam fazer. Hoje, você consegue cobrir um acontecimento internacional com uma banda larga poderosa e um equipamento para mandar o seu material.”
Segundo o jornalista Carlos Castilho, ex-editor internacional do Jornal do Brasil e de vários telejornais da Rede Globo, ao mesmo tempo em que a internet facilitou o trabalho de apuração, ela gerou um novo desafio: “Contextualizar corretamente as informações recebidas do exterior é atualmente a principal dificuldade do jornalista de ‘Inter’. O material nos chega com um resumo sumaríssimo de causas, consequências, prejudicados e beneficiados, o que nos leva muitas vezes a errar no foco ou na relevância. As fontes diretas, antes da internet, eram inacessíveis. Depois da web, o problema passou a ser a avalanche de versões contraditórias”.
Repórter da Secretaria de Redação da Folha de S. Paulo e autor da obra “Jornalismo Internacional”, João Batista Natali, que também atuou na folha como editor do caderno Mundo e correspondente na França por oito anos, explica como a internet possibilitou fazer jornalismo internacional sem correspondente: “Há 30 anos seria impossível fazer um bom jornalismo internacional sem correspondente. Mas hoje, a questão está mais temperada. A internet suprimiu fronteiras geográficas. Se a Reuters cita uma informação obtida com exclusividade pelo Guardian, eu vou ao site do Guardian e vejo como ele a tratou. E se o mesmo texto cita um especialista, eu vou ao site da instituição em que esse especialista trabalha e mando a ele um e-mail, com uma ou duas perguntas, ou leio os dois últimos textos acadêmicos que ele produziu”. Entretanto, o jornalista ressalta que o papel do correspondente ainda é de extrema importância: “O correspondente caça pautas que possam ser anguladas do ponto de vista brasileiro e ele tem a cultura da empresa para a qual trabalha. Um texto de correspondente é infinitamente mais enquadrado nessa cultura que o material enviado pelas agências noticiosas”, diz Natali.
Manter um correspondente no exterior é economicamente inviável para a maioria dos veículos, pois as coberturas internacionais contextualizadas e customizadas são muito caras: “É muito difícil manter um correspondente lá fora. Verba no sentido de salário está muito difícil. Até porque hoje, a internet substituiu muito. Hoje você tem acesso a grandes jornais, você pode até ver imagens na CNN pela internet. Então as empresas resolvem não gastar, porque elas têm material, as agências de notícias mandam material por pacote. Não sobra dinheiro para investir num correspondente”, completa Natali.
O jornalista explica as desvantagens de não poder contar com o foco do correspondente: “A cobertura fica muito parecida com a das grandes redes, da CNN ou dos escritórios de agências de notícias que fornecem o pacote de informações, como a Reuters, a Associated Press... O que acontece é que você tem qualidade, você tem cobertura, mas não tem o olhar brasileiro, o olhar do nosso país. Nada vai substituir o olhar do correspondente”.