A decisão do governo de defender a candidatura do egípcio Farouk Hosni para a direção-geral da Unesco, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) para educação, ciência e cultura, em vez dos brasileiros Márcio Barbosa, diretor-adjunto da organização e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), levanta polêmica. Para alguns, o apoio a Hosni na eleição de outubro representa um equívoco técnico e político. Para outros, como Alexandra de Mello Silva, professora do departamento de Relações Internacionais da PUC-Rio e especialista em política externa brasileira, indica coerência na condução das estratégias diplomáticas:
– Se Barbosa assumir, ele deixará de representar o Brasil para representar a organização. Neste caso, não existe o compromisso do governo apoiá-lo – pondera a professora – É possível que exista uma articulação por trás da decisão de apoiar Hosni, uma intenção de que o Egito fique ao lado do Brasil no futuro. Paralelamente, nosso país vem buscando uma aproximação com o mundo árabe e islâmico e uma maior relevância no entorno do Oriente Médio.
Para Alexandra, a diplomacia nacional mantém-se no mesmo compasso há dois governos. A imagem brasileira e as articulações externas são influenciadas pela popularidade do presidente Lula, a quem o presidente americano, Barack Obama, chamou de "o cara".
Já para Carlos Frederico Gama, também professor do departamento de Relações Internacionais, alguns posicionamentos adotados pelo governo brasileiro podem parecer incompreensíveis quando a política externa não é analisada integralmente.
- A decisão de escolher quem apoiar nunca é casual, ela faz parte de negociações integradas. O Brasil busca diferentes alianças, que muitas vezes são "casadas". Por exemplo, temos o apoio de diversos estados de Ásia e África na busca por uma eventual cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Temos, também, negociações políticas e econômicas importantes com o chamado "Terceiro Mundo" e, em determinados foros, como a Unesco e o Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Enquanto Lula busca no exterior a consolidação de parcerias com o Oriente, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, justifica a opção por Hosni como uma tentativa de aproximação com os governos árabes. Amorim afirmou, entretanto, que a decisão não teve a ver com duas apostas centrais no jogo internacional: as candidaturas da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie ao cargo de juiz do Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC) – disputa perdida para o mexicano Ricardo Ramirez – e do Rio de Janeiro às Olimpíadas de 2016. O Comitê Olímpico Internacional divulgará a sede olímpica em outubro deste ano.
No fim de maio, o Itamaraty sofreu um duro golpe no plano das negociações internacionais: Ellen Gracie perdeu para Ramirez a vaga deixada por Luís Olavo Baptista na OMC. O ex-conselheiro do Ministério da Economia do México foi apoiado por China e Estados Unidos.
Chineses e americanos também apoiam Barbosa para o comando da Unesco. O brasileiro conta ainda com a preferência de Índia, México, Argentina, França, China e Rússia. Os EUA são contra a candidatura de Hosni devido ao discurso antissemita, no qual o egípcio sugeriu a queima de livros israelenses.
O Senado enviou ao presidente Lula um pedido para que intervenha na decisão do Itamaraty e apoiasse a candidatura de Cristovam Buarque.
Perdas e ganhos recentes da diplomacia brasileira:
- Fracasso de Doha: Depois de oito anos, a Rodada de Doha, série de negociações em torno da liberação do comércio mundial, foi interrompida no ano passado. A paralisação representou uma derrota significativa para as pretensões nacionais. O governo brasileiro apostava forte na possbilidade de as negociações multilaterais serem estimuladas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A derrota impõe ao Planalto a busca de novos caminhos e a reintegração de acordos bilaterais na pauta comercial.
- Brasileiros barrados na Espanha: Nos dois primeiros meses de 2008, cerca de mil brasileiros foram barrados em aeroportos da Espanha. O governo brasileiro respondeu com a política da reciprocidade: espanhóis barrados em aeroportos do Brasil.
- Gás boliviano: Ao cumprir promessa de campanha e nacionalizar as reservas de hidrocarbonetos, em 2007, o presidente da Bolívia, Evo Morales, quebrou contratos e ameaçou expulsar a Petrobras do país. Para alguns especialistas, a diplomacia brasileira deveria ter endurecido o jogo.
- Mahmud Ahmadinejad: Considerado um perigo à comunidade internacional, especialmente pela conduta antissionista e armamentista, o presidente do Irã seria recebido pelo Itamaraty em março. Para surpresa, e provavelmente alívio, da diplomacia brasileira, Ahmadinejad cancelou a visita às vésperas de embarcar para o Brasil.
- Ele é o cara: Ao cumprimentar o presidente Lula em reunão do G 20 (grupo dos países mais desenvolvidos e em desenvolvimento), há cerca de dois meses, em Londres, o presidente americano, Barack Obana, pôs o colega brasileiro no pedestal: "Ele é o cara", disse Obama.
- Repúdio ao retrocesso em Honduras: Em compasso com a comunidade internacional, o Itamaraty classificou "de atentado à democracia" o golpe militar que expulsou o presidente de Honduras no dia 28 de junho. O Brasil segue a decisão mundial de não reconhecer o novo governo.
Liderança e influência digital de Papa Francisco ampliam número de fiéis
Ida de Obama a Cuba e Argentina indica guinada dos EUA
Nick Davies: "Hoje escolhemos o assunto que vai vender e que é mais barato de cobrir"
"Benefícios da redução do protecionismo argentino na economia brasileira não virão no curto prazo"
"De longe, compreendi a magnitude dos fatos"
Combate ao terror exige coalizão contra EI e políticas integradoras