Ana Paula Pinho Graça - Da sala de aula
16/03/2009Alice Cavalcanti nasceu em Botafogo há 83 anos e sempre viveu lá, mais precisamente na Rua Capitão Salomão, uma das transversais da Rua Voluntários da Pátria. Presenciou, ano após ano, a evolução do bairro, de lugarejo tranqüilo a mais um exemplo do caos urbano. Antigamente, segundo ela, as crianças brincavam nas ruas sem medo e as casas não tinham grades: “Botafogo era um bairro maravilhoso que acabou ficando uma porcaria. Agora, não dá nem para sair de casa sem se preocupar.” Uma das reclamações de Dona Alice é o trânsito intenso bem em frente a sua casa. Ela mora há 45 anos na Rua Paulino Fernandes, esquina com Mena Barreto: “Isso aqui de noite fica uma buzinada. Eu, que moro no primeiro andar, não consigo dormir com tanto barulho. O trânsito é péssimo”, reclama.
Dentre todos os problemas de saturação urbana e violência, o trânsito é o principal alvo de reclamações, tanto dos moradores quanto dos milhares de motoristas que sofrem todos os dias com o tráfego do bairro. As estatísticas recentes da prefeitura mostram um movimento médio de 65 mil carros pelas duas principais ruas de Botafogo, a São Clemente e a Voluntários da Pátria. É um número grande, ainda mais considerando que essas vias possuem três pistas de sentido único.
O taxista Josinaldo de Oliveira passa todos os dias pelo bairro e está cansado de ficar preso no trânsito. “O pior período é o da manhã, principalmente das 7h às 10h. Quando chega o meio-dia, piora de novo porque é horário escolar, engarrafa tudo e o pessoal ainda para em fila dupla”, diz Josivaldo. Ele ressalta que o trajeto de ida e volta da PUC, passando por Botafogo, deveria levar até 20 minutos. Contudo, pode levar mais de 50, dependendo do horário. Botafogo é considerado um bairro de passagem e a melhor opção de conexão entre o Centro, a Zona Sul e a Barra da Tijuca. Por isso, o grande fluxo de automóveis todos os dias. O problema é que não foi planejado para essa demanda.
Pablo Davis, estudante de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio, pesquisa problemas e soluções para o bairro. Ele explica a saturação das ruas: “Botafogo é um bairro de serviço para a Zona Sul inteira, só que as vias de acesso são as mesmas há 100 anos. Por isso, a infra-estrutura não comporta a quantidade de carros que hoje passa pelas ruas principais. Sem contar a falta de racionalização das linhas de ônibus, que acaba por saturar as vias com um número excessivo de coletivos. O trânsito, consequentemente, não flui como deveria. As ciclovias, por exemplo, podem ser uma boa solução para amenizar o problema da região”. A saída mais viável para o trânsito, na opinião da Doutora em Engenharia de Transportes pela UFRJ Cláudia Mont’Alvão é a melhoria do transporte público. “É preciso pensar em uma solução no sentido de integrar o sistema de transportes para que as pessoas se sintam motivadas a usar o transporte público. O que está faltando é um transporte público com preço bom e qualidade de serviço, para convencer as pessoas a deixarem o carro na garagem”, afirma a engenheira, também professora do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio.
O taxista Josivaldo também acredita que o trânsito melhoraria muito se os motoristas começassem a usar os meios de transporte públicos. “Todo mundo vem de carro para Botafogo, mas onde você vai estacionar? Não tem estacionamento. Vai ficar rodando, rodando, e o que acontece? Vai parar em fila dupla. Aí acontece isso, engarrafa tudo. Sair de carro é quando você vai para longe, uma viagem distante. Eu dirijo não é porque gosto, mas porque preciso.”
O trânsito não faz mal apenas para o motorista. O pedestre igualmente sofre com os efeitos colaterais da grande concentração de carros. A poluição do ar e a sonora prejudicam quem mora ou passa diariamente pelo bairro. A configuração dos prédios, cada vez mais altos e com menos espaços entre eles, também colabora para a falta de circulação de ar puro na região. Para a presidente da Associação de Moradores de Botafogo, Regina Lúcia Chiaradia, os piores problemas não são o transporte público ou o trânsito. “Botafogo é muito bem servido de transporte. A população não reclama tanto em relação a isso, nem quanto à questão do trânsito, porque sabe que é um problema do corredor da Barra. Quem fica parado em Botafogo fica parado no Humaitá, no Jardim Botânico, na Lagoa.” Para ela, a grande questão é mesmo a saturação do bairro. “Botafogo está tão saturado que não tem mais condição de manter seus moradores na calçada, metade dos pedestres tem que andar na rua. Não tem área de lazer, não tem pólos culturais, o que nos salva são os cinemas.”
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