Letícia Simões - Do Portal
13/11/2007O que estaria pensando Philip Alston, relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, ao ouvir tantas histórias sobre truculência policial, grupos de extermínio e recentes chacinas no Rio de Janeiro? Ele parecia desconfortável à mesa. O australiano – alto, olhos azuis, terno bem cortado, um grande relógio no pulso esquerdo – cruzava os braços, passava a mão pelos cabelos brancos e, às vezes, comentava algo com o colega William Abresch, professor de Direito da Universidade de Nova York.
A cena aconteceu na semana passada. Alston esteve na PUC-Rio na manhã da quarta-feira 7 de novembro, para dar ouvidos a diferentes organizações sociais, que escreveram o “Relatório da sociedade civil para o relator especial das Nações Unidas para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais”. O Centro de Defesa de Direitos Humanos de Petrópolis, o Grupo Tortura Nunca Mais e o Observatório de Favelas são algumas das instituições que assinam o documento – e que estiveram representadas no encontro, no auditório 300-F, na Ala Frings do Edifício da Amizade.
Complexo do Alemão, Batalhão de Operações Especiais, Baixada Fluminense – os assuntos tratados no encontro foram pesados. Seria “extermínio” uma palavra muito forte? As organizações acreditam que este é o termo exato: o Rio é o estado do Brasil com o maior número de pessoas mortas pela ação da polícia. No primeiro semestre desse ano, foram 694 mortes. Acredita-se que no fim de 2007 o número chegue a 1.300. Pesquisas revelam que os negros cariocas têm o dobro de chance de morrer em relação aos brancos; os moradores da Zona Norte, 18 vezes mais. Da controversa operação policial feita em junho, no Complexo do Alemão, as organizações ouviram relatos alarmantes: crianças com armas apontadas para suas cabeças, escolas sem aulas devido à ocupação, bombas de pimenta atiradas em casas, tortura praticada por policiais.
No intervalo da reunião, entre um café e outro, Philip Alston conversou com o Portal PUC-Rio Digital, num raro momento em que falou com alguém – àquela altura jornalistas da grande mídia permaneciam barrados do lado de fora da sala. Ele disse que o abuso dos direitos humanos ocorre em vários países, mas as execuções e o extermínio em massa são problemas apenas do Terceiro Mundo. “Os policiais brasileiros realmente acreditam, em seus corações, que têm que matar aquelas pessoas para garantir a paz”, disse. Recentemente, ele conta, esteve nas Filipinas, onde também foi relator. Disse ter voltado de lá com a impressão de que os governantes não sabem o que ocorre em seus países: “Quando apresentei os relatos, as pessoas responsáveis disseram não entender como a situação havia chegado naquele ponto”.
O objetivo do encontro na PUC-Rio era dar ao relator da ONU algumas propostas para que ele as encaminhasse aos governantes brasileiros. Entre elas, o fim do uso de carros blindados, uma reforma na política de segurança pública e o aumento da remuneração dos policiais. Alston disse que a tarefa de um relator às vezes soa estranha: é ouvir atrocidades, repassá-las, sugerir propostas para o governo e... tentar não ser ignorado. Na sua visão, a expressão “guerra contra o crime”, utilizada no relatório brasileiro, lembra muito a “war against terror”, dita por George Bush depois do 11 de Setembro. “No Brasil, o crime e o medo são muito presentes. O país precisa é de segurança humana – não apenas para os bandidos, mas para todos”, observou.
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