Marina Ferreira e Luisa Oliveira - Do Portal
16/03/2016“No jornalismo não existe objetividade. Escolhemos o assunto que vai vender mais e que é mais barato de cobrir. As histórias publicadas hoje em dia são muitas vezes desinteressantes, e a nova geração de jornalistas têm que mudar isso”, convocou o jornalista britânico Nick Davies, 63 anos, a jovens profissionais quando esteve no Brasil, em novembro, para o Festival Piauí-GloboNews de Jornalismo. Davies construiu uma carreira marcada por reportagens emblemáticas na imprensa de seu país. Seu último livro, Vale-Tudo da Notícia, baseado no grande esquema de corrupção envolvendo jornalistas do Reino Unido, acaba de ser lançado no Brasil, pela Intrínseca. Também foi responsável por revelar a dimensão do escândalo WikiLeaks, e entrevistou o criador do site, Julian Assange, que divulgou arquivos sigilosos do governo norte-americano para o jornal The Guardian, do qual é correspondente.
Com 35 anos de carreira e premiado pelo British Press Awards, que já tem cinco livros publicados, Davies falou à reportagem do Portal, na ocasião, sobre o jornalismo atual, e a influência do digital na produção de conteúdo:
– A internet está destruindo o modelo de negócios que tínhamos desde a Revolução Industrial. Leva nossos leitores, anunciantes e nossas principais fontes de receita. Com as empresas jornalísticas encolhendo e com receitas menores, deixamos de realizar bem nosso trabalho, deixamos de ter tempo para ir atrás de grandes reportagens, para apurar informações, para evitar que a publicidade interfira no conteúdo.
O escritor apela para que os novos jornalistas mudem o contexto atual, um dos seus maiores desapontamentos. Davies ainda comentou sobre a “ilusão” dos repórteres e a relação com as fontes:
– Nós, jornalistas, temos a ilusão de que se falarmos sobre as coisas ruins que acontecem no mundo, elas vão acabar, se extinguir, e não é bem assim. O fato é que um jornalista só pode querer três coisas de suas fontes: dinheiro, emprego, ou a notícia.
Outro fator também observado por Davies foi a redução do quadro de jornalistas na imprensa e o aumento de assessores, o que dificulta, a seu ver, a produção de reportagens:
– No Reino Unido, o número de publicitários e assessores de imprensa cresceu, enquanto o de jornalistas diminuiu. Hoje em dia, para falar com qualquer personagem, esbarramos em um assessor de imprensa, e eles muitas vezes decidem o foco que nossa matéria vai ter, seu conteúdo e até as fotos que vão ser usadas. Eles decidem a versão que será veiculada sobre o fato. Com cada vez mais jornalistas perdendo emprego, a verdade em si é posta em risco, sobrando apenas as versões.
À plateia, ele relatou que os traumas que sofreu quando criança influenciaram sua forma de fazer jornalismo, tendo como prioridade reportagens em defesa de inocentes:
– Tive uma infância com pais violentos. Quando comecei a trabalhar como jornalista, foquei meus esforços em matérias que buscassem impedir o abuso de poder e que defendessem os inocentes. Outro amigo jornalista cresceu em meio a um segredo de família, cresceu odiando qualquer tipo de sigilo e, na profissão, só fez matérias querendo desvendar segredos de políticos.
Davies se tornou mais conhecido após a publicação da “história mais estranha” que já contou: o escândalo de grampos, suborno e tráfico de influência envolvendo um dos principais tabloides do Reino Unido, o News of The World, responsável por divulgar furos sobre a realeza britânica. O esquema de corrupção envolvia boa parte da imprensa do Reino Unido e alcançava os mais altos escalões de poder. Entre os casos, repórteres que usaram prostitutas para colher informações, detetives grampeando linhas telefônicas nos postes e revirando lixos das celebridades, hospitais vazando prontuários médicos, editores chantageando políticos com intrigas sexuais, além de episódios de assédio moral, chantagem e invasão de privacidade. Entre fontes que partem da própria mídia a magnatas como Rupert Murdoch, dono do News of The World, o jornalista descortina a relação entre a imprensa, a Scotland Yard, e o governo britânico.
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