Mariana Casagrande e Tainá Moraes - aplicativo - Do Portal
11/01/2016A eleição de Mauricio Macri insinua implicações práticas e simbólicas mais extensas do que o fim dos 12 anos da era Kirchner – protagonizados, entre outros traços, pelo protecionismo econômico. Somadas à derrota parlamentar imposta pela oposição venezuelana ao presidente Nicolás Maduro, sucessor de Chávez (morto em 2013), as urnas argentinas ecoam novos ventos políticos na região, onde perde força a corrente bolivariana com a qual se afinavam, em 2009, 17 governos de centro-esquerda no continente, inclusive o Brasil do presidente Lula. O enfraquecimento do bolivarianismo e o suposto desalinho ideológico entre a novo mandatário da Casa Rosada e o governo de Dilma Rousseff, tradicionalmente simpático às partituras chavistas, não representa uma ameaça às relações econômicas do bloco. Pelo contrário, analistas preveem uma oxigenação dos laços comerciais. Asssim promete Macri, cuja "remodelagem da política externa" pretende restabelecer o Brasil como "principal parceiro econômico". Descompassos ideológicos, observam os especialistas, revelam-se frágeis diante do pragmatismo de debelar as crises econômicas tanto lá quanto cá.
O professor de Economia da PUC-Rio Paulo Levy lembra que a Argentina tem passado por um período de forte desequilíbrio fiscal e cambial. A instabilidade reforçou a tradição da ex-presidente Cristina Kirchner de recorrer intensivamente a mecanismos de bloqueio comercial entre os dois países, o que tem dificultado, em especial, a exportação de manufaturados brasileiros. Para Levy, a perspectiva de alívio dessas restricões tende a inaugurar uma nova fase nas relações econômicas:
– A redução das medidas protecionistas, que parece ser parte da nova postura do governo argentino, pode ter um efeito positivo aos produtores brasileiros. Porém, não é efeito de curto prazo – ressalva – A expectativa é de que, em função da necessidade de corrigir desequilíbrios acumulados ao longo dos últimos anos na economia, a Argentina passe por um período de aceleração do crescimento, que poderia afetar a demanda em geral de produtos argentinos e brasileiros.
O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Mauro Laviola, acrescenta que “a grande desvantagem para o Brasil é a relação da Argentina com a China, que desloca nossas correntes de comércio para lá”. As exportações brasileiras para o país vizinho caíram 34% no ano passado. As parcerias comerciais da Argentina com a China chegam a 11 bilhões de dólares – e parte do acordo de swap é usada para financiar compras provenientes daquele país, deslocando as exportações brasileiras. “Essa situação vai ser o ponto-chave para um novo entendimento, a partir de 2016, entre os governos argentino e brasileiro”, acredita Laviola.
De acordo com o professor de Relações Internacionais na Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernando Roberto Almeida, a troca de poder na Argentina pode ajudar a recuperar a economia verde-amarela assombara pela inflação de dois dígitos, pela escalada de desemprego e pelo fantasma em à beira da depressão. Um dos setores beneficiados "deve ser o automotivo", prevê o analista:
– Carros e peças de automóveis são as principais trocas que fazemos com a Argentina. Como este é um setor que gera muitos empregos, a nova perspectiva comercial torna-se importantíssima”, acredita Fernando.
Apesar da intenção declarada por Macri de arrefecer o protecionismo e revitalizar os laços comerciais com o Brasil, especialistas ponderam que as circunstâncias econômicas do vizinho e do bloco continental sugerem moderação com as previsões comerciais. Mesmo que empresários estejam confiantes nas mudanças decorrentes das urnas portenhas, o vice-presidente AEB ressalva que a Argentina "ainda não tem condições de manter excelentes relações com o comércio externo por conta da evidente falta de dólares do país". Descontada a protocolar empolgação do novo presidente, os argentinos estão asfixiados por uma inflação que, embora não reconhecida oficialmente, mas beira os 25% ao ano, pela defasagem cambial de quase 50% e pelo crédito internacional corroído pelos credores “abutres”. Ainda de acordo com Laviola, Macri precisa renegociar as dívidas externas para recuperar o crédito e a confiança dos investidores.
Divergências ideológicas e políticas, como em torno da participação da Venezuela no Mercosul, à qual Macri se opõe, não representam obstáculos ao interesse comum de estreitar os laços comerciais, avaliam analistas. Para Almeida, a queda de braço deve esfriar, até porque, argumenta o professor, "se o abuso de poder (no governo Maduro) for confirmado, o país será suspenso do Mercosul, como prevê a claúsula dirigida a país que tenha abolido o regime democrático". Dicordâncias entre linhas políticas mais à esquerda e mais à direita caminham para sucumbir à necessidade de Brasil e Argentina alavancarem a economia:
– Desde o governo Fernando Henrique, o Brasil vinha adotando, junto à Argentina, uma postura chamada de paciência estratégica. Ou seja, nos interessa que a Argentina se recupere e se torne um parceiro ativo, devido à base econômica comercial muito forte que eles apresentam. Um país em crise como a Argentina não nos interessa –afirma Almeida. Ele completa:
– O Kirchneirismo adotou a postura neodesenvolvimentista por conta dos danos que o país sofreu após o regime liberalista dos anos 90. Hoje, já é possível enxergar maior troca comercial entre Brasil e Argentina.
Se quanto às perspectivas econômicas decorrentes dos novos ventos políticos os analistras se mostram quase unânimes ao projetar uma oxigenação das relações comerciais no médio prazo, as perspectivas políticas insinuam-se difusas. Na avaliação de Almeida, o enfraquecimento da esquerda na América do Sul não significa o fim da corrente bolivariana. Segundo ele, existe um cansaço das populações, "porque, principalmente no Brasil, o consumo interno foi ativado, mas a estrutura de apoio às famílias que se tornaram consumidoras não foi desenvolvida". Ele pondera:
– É comum um projeto que fique muito tempo no poder enfrentar desgastes. Mas não há uma mudança para a direita. Na Argentina, a diferença de votos foi de apenas 2,8%: 51,4% para Macri contra 48,6%.
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