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Rio de Janeiro, 23 de novembro de 2024


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"Gostamos de gente, e de contar histórias"

Luisa Oliveira - aplicativo

23/10/2015

Entre as muitas mudanças por que passa a produção jornalística com a expansão da internet no mundo, o jornalista Luciano Garrido, chefe de reportagem do jornal Extra, ressalta um grande efeito colateral: a falta de checagem das informações. Ele ressalta que muitos acreditam de imediato no que é publicado, mesmo quando não há a confirmação do fato – o que pode resultar em erros graves:

– Hoje ninguém mais pega o telefone e liga para as fontes para apurar; os jornalistas se limitam a ler o que está na internet, e fazem um Frankenstein: costuram as informações e jogam no ar. É preciso ter zelo pela apuração, fonte principal do trabalho jornalístico, ter cuidado com o que é publicado. Um erro pode destruir vidas, trazer problemas sérios para as pessoas, para a sociedade – afirmou Garrido, em palestra a estudantes de Comunicação Social da PUC-Rio, na última terça-feira, 20, a convite dos professores José Eudes Alencar e Giovanni Faria.

Ele lembrou que estava na redação na manhã em que o avião que transportava o presidenciável Eduardo Campos (PSB) caiu em Santos (SP), em agosto de 2014.

– O primeiro veículo a dar a notícia da morte foi o site de um jornal pequeno do Nordeste. Estamparam aquilo no ar sem ter, de fato, uma confirmação. O nosso pessoal do online do Extra estava enlouquecido para republicar a notícia, dando o crédito ao jornal, mas a gente não tinha confirmação. Eu sou contrário a isso porque, caso o veículo esteja errado, eu erro com ele, e acabo pagando por aquele erro. A direção concordou e não deixou que publicassem.

Para Garrido, furos de reportagem são a ambição de qualquer veículo, desde que siga a regra de ter pelo menos três fontes confirmando a informação:

– Furo é legal, mas precisa de confirmação. A fonte pode dar o caminho indicando para onde você deve ir e apurar, ou ela pode ser o próprio caminho. É preciso confiar nas pessoas, mas sempre desconfiando. É o nosso papel. É como um manual: precisamos sempre ter, no mínimo, três fontes.

Rádio e internet

Para Garrido, que atuou por 24 anos em rádio (12 na CBN, oito na Rádio Globo, três na Tupi e um na Rádio JB) e há quatro está no jornal, o rádio é o meio que melhor se adapta às transformações na maneira de consumir notícias, desde a criação da TV, por ter a vantagem de formato mais informal e mais próxima do público:

– Falavam muito “Ih, o rádio vai deixar de existir!”. Hoje, o que a televisão faz é rádio, a única diferença é que eles trabalham com a imagem. A internet se tornou um canal a mais para as emissoras se comunicarem. Na verdade, elas só replicam a programação no digital. Não vejo o rádio sofrendo com essa mudança. Pelo contrário, acredito que ele está até mais integrado. As pessoas querem consumir informação rápida, o básico. Rádio é muito simples de fazer, você tem que dar o impacto para o ouvinte na primeira frase. A internet é uma linguagem muito próxima do rádio. Ainda não se acertaram, mas estão em adaptação.

Sempre respondendo a perguntas da plateia, Garrido comentou sobre a busca por independência jornalística em um mercado com ainda poucas opções de mercado fora dos grandes grupos de mídia:

– Se o profissional quer continuar na comunicação, tem que seguir as cartilhas desses veículos. Sua independência vai até onde chega o interesse do patrão. Talvez não se tenha a independência porque dependemos dos interesses da empresa. Mas, se conseguir o respeito no mercado, sendo um jornalista correto, com boa apuração, já se tem um grande passo. Mas independência, na essência da palavra, acho que não há.

O jornalista contou um episódio numa cobertura se lembra de um momento em que viveu na época do governo Brizola, entre 1991 e 1994:

 – Nunca tive uma ordem clara de “vamos censurar fulano”; só o Brizola. Eu trabalhava na Rádio Globo, cobria o Palácio Guanabara (sede do governo estadual) e chegavam ordens para não falar de Brizola nem na rádio, nem no jornal nem na TV Globo. Mas todos os repórteres iam para a coletiva, para escutar o que Brizola tinha a dizer, e fazíamos um relatório reproduzindo para a chefia. Então, não era independente. Era engraçado porque Roberto Marinho se dividia entre divulgar e proibir. E Brizola era tão esperto que dava um jeito, ele sabia mexer com a notícia, com a informação.

Jornalismo humano

 Reprodução Garrido lembrou, no entanto, que veículos do mesmo grupo têm autonomia de cobertura, citando como exemplo o caso do médico Jaime Gold, morto a facadas quando pedalava na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas, em maio. Enquanto O Globo deu destaque em sua primeira página ao crime da Lagoa, o Extra deu como manchete "Só não esqueçam de Gilson e Wanderson", destacando a morte de dois jovens mortos por policiais no Morro do Dendê, Ilha do Governador, Zona Norte.

– Brincamos na redação assim: do túnel para cá (Zona Sul) é O Globo; do túnel para lá é o Extra. O meu leitor não está na Zona Sul na maioria, está do outro lado. Então, trouxemos aquela notícia pelo ponto de vista da sociedade: “O que é que a sociedade fez por aqueles garotos?”.

A capa causou polêmica:

– Corremos o risco. Podemos apanhar ou sermos aplaudidos. Levamos muita paulada com a capa do caso Jaime Gold. Teve quem aplaudiu, mas houve muita reclamação pelo WhatsApp, Facebook, que acabou provocando uma polêmica grande em cima do que fizemos.

Garrido reforça o olhar social do jornal, estimulado pelo diretor de redação, Otávio Guedes:

– No Extra, a gente tem um diretor de redação que é brilhante, o Otávio Guedes. Ele é genial, e tem uma preocupação social muito forte. O Extra, na verdade, é um jornal que tem maior liberdade para fazer isso. O Globo já é mais pesado, tem um uso político maior, então sempre é observado. Nós não. Temos um jornalismo mais solto, voltado para essas questões.

Reprodução  Uma das capas do Extra de temática social, “Do tronco ao poste”, comparando a morte de um homem por espancamento, amarrado a um poste em São Luiz do Maranhão, ao açoite dos escravos, 200 anos antes – ganhou, na última segunda-feira, 19, o prêmio Exon, antigo Esso, o mais importante do país.

O jornalista ressalta que a busca por personagens e histórias particulares se tornou constante nas publicações:

– O Extra tem uma característica diferente: a gente gosta de gente. Sempre focamos em alguém, é a nossa prioridade. É uma orientação editorial: vamos destacar alguma figura. É mostrar o indivíduo que viveu aquela situação. O objetivo é: vamos contar histórias. A gente gosta de contar histórias. E jornalismo é isso, né? É contar histórias.

Assista à palestra de Luciano Garrido.