Maria Clara Parente e Marina Ferreira - aplicativo - Do Portal
17/10/2015Em tempos de crise migratória na Europa, países abrem suas fronteiras, e questões sobre segurança internacional entram em pauta. O painel sobre a Agenda Mundial de Segurança reuniu consultores, professores e especialistas em segurança internacional para o papel das organizações não-governamentais na solução de conflitos, dentro da XII Conferência de Segurança Internacional do Forte de Copacabana, que no último dia 8 debateu, no Hotel Windsor, políticas de segurança, com foco no Brasil.
Professor no Centro de Estudos de Defesa Hemisférica na Universidade de Defesa Nacional nos Estados Unidos, Salvador Raza afirmou que os conflitos no mundo atual são extremamente adaptativos: “Os países cobrem o problema de um lado, mas ele se fortalece e ataca de outro”. Para Raza, que desenvolve projetos de segurança e defesa institucional em diversos países, as organizações podem ajudar a concretizar vontades políticas, bem como dar assistência aos países em busca de soluções próprias. Raza foi categórico ao afirmar que muitos países se abstêm de procurar soluções para os conflitos mundiais, esperando que eles se resolvam sozinhos: “O caminho que muitas nações escolhem é o de ter mais armas nos conflitos, para que as pessoas se matem ou matem o inimigo, dando fim ao problema mais cedo ou mais tarde”.
Antônio Jorge Ramalho, assessor especial do Ministério da Defesa e professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, lembrou que líderes com visões políticas opostas se unem em torno da ONU para resolver questões: “Obama e Putin tiveram que se unir para discutir o programa nuclear da Síria, mostrando a importância da organização para a resolução de problemas de escala mundial”.
Já para Alex Ellis, embaixador do Reino Unido no Brasil desde julho de 2013, as organizações não são “tão eficazes assim” e muitas vezes impedem a promoção da paz: “Organizações são boas para diplomatas, mas não substituem vontade política”. Sobre conflitos duradouros, como a Guerra do Iraque, ele apontou a desproporcionalidade da reação: “O ataque contra as Torres Gêmeas foi relativamente pequeno, operado com umas vinte pessoas e com 4 mil mortos. Já a resposta dos Estados Unidos foi um exagero, com centenas de milhares de mortos no Iraque, aparato militar e humano gigantesco. Acho que os americanos não veem problema em serem incoerentes”.
Raza pontua que um dos maiores problemas de segurança atualmente é que os “bad guys respondem muito mais rápido e com muito mais dinheiro que os países e as organizações que tentam promover a paz”. Por isso, afirma, as estratégias de segurança são importantes e têm que ser otimizadas.
Brasil e o Conselho de Segurança da ONU
Em entrevista ao Portal PUC-Rio, Antônio Jorge Ramalho afirmou que o Conselho de Segurança da ONU “não deve funcionar como um órgão que legitima a força, e sim como um órgão político capaz de solucionar crises, a chamada Diplomacia Preventiva”.
Ramalho lembra que o Brasil, como membro rotativo do Conselho, já atuou ativamente, como na votação que pressionava o Irã a interromper seu programa nuclear – na época, 2010, o Brasil votou contra as sanções ao país. Para o professor, se o Brasil passasse a compor o quadro permanente do Conselho, sua postura teria que ser mais afirmativa:
– Em algumas circunstâncias, o Brasil terá que tomar posições que não tomaria hoje, o que poderia levar a mudanças na política externa brasileira. Uma coisa é dar opiniões sem tem que votar. O grande desafio é a diplomacia se posicionar cada vez mais.
Estado Islâmico e o sentimento de nação
O professor Kai Michael Kenkel, do Departamento de Relações Internacionais da PUC-Rio, vê o Estado Islâmico como uma grande ameaça por ir contra o sistema que vigora nas grandes potências: “O que está sendo contestado é a própria forma de organização política do sistema internacional a soberania do “bem-estar social, well fair state. Ele não representa só uma ameaça à Síria, ao Irã, mas ao sistema como um todo”.
“A lei do resto do país não pode vigorar nas fronteiras”
Sobre a segurança na fronteira brasileira, Ramalho fala de uma cooperação entre os países fronteiriços, principalmente no Norte do país, onde as fronteiras são transpassadas sem muito controle: “Os problemas que temos nas fronteiras são comuns entre os países. As pessoas as atravessam como se não existissem, policiais passam armados em uma perseguição, entregam bandidos à polícia dos outros países. Se fosse seguir a burocracia necessária, ele teria que parar na fronteira e pedir autorização, mas ignoram essa lei para combater o crime de forma mais eficaz. Se não houvesse essa espécie de cooperação, as pessoas cometeriam crimes em outros países e retornariam tranquilamente ao seu país”.
O professor também citou o projeto Sisfron, que monitora áreas especiais onde a tecnologia é usada para controlar crimes transfronteiriços. Ele explica que não há uma tentativa de antecipar agressões de países vizinhos, mas sim de perceber a fronteira como uma região que merece uma atenção redobrada:
– A fronteira da Amazônia é três vezes maior do que a do México com os Estados Unidos. Com todos os recursos e arsenal tecnológico e com a cooperação dos mexicanos, eles não conseguem controlá-la, então não pode haver a ilusão de que vamos conseguir controlar a nossa tão facilmente.
Também em entrevista ao Portal, o general de Divisão e subchefe de Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, Décio Luís Schons, afirmou que a segurança nas fronteiras é uma atribuição das Polícias Federais e Estaduais, junto com as Forças Armadas, e que a falta de recursos combinadas ao território extenso são grandes entraves: “São mais de 15 mil quilômetros de fronteira seca. Mesmo se tivéssemos pessoas uma ao lado da outra, não protegeríamos sua totalidade. Devemos usar meios tecnológicos para fazê-lo. Essas tecnologias são caras, por isso projetos como o Sisfron e o Agatá estão sofrendo muitos cortes com a crise econômica que o país enfrenta”.
O tráfico internacional de drogas
Para Sophie Jouineau, que chefiou o Diretório de Assuntos Estratégicos do Ministério da Defesa francês e é consultora em América Latina, o tráfico internacional de drogas é o maior problema de segurança da América do Sul. “O que mata mais na América Latina, cria a maior vergonha para os cidadãos e destrói mais vidas é o tráfico de drogas.”
Para a especialista, as ações políticas combativas da Colômbia deveriam servir de exemplo para líderes mundiais:
– O governo colombiano fez tanto que os traficantes do país, que já foram os maiores do planeta, perderam lugar e poder para os mexicanos. O México agora domina o tráfico nas Américas, e quem sabe na Europa também. A Colômbia tem sido muito eficiente em atacar as organizações de tráfico de drogas, e se esses traficantes não virem mais o país como um bom lugar para trabalhar, eles saem de lá. Esse sucesso pode trazer consequências para os países vizinhos, por isso é preciso políticas coletivas para combatê-lo.
Segundo Sophie, o Brasil é um país importante porque tem uma população grande que representaria uma potência comercial para o tráfico. “Com uma população de 200 milhões de pessoas, existem muitos potenciais consumidores, novos clientes”.
– Quando se pensa em crimes transnacionais, precisa-se de parceiros. No ano que vem, na Sessão Especial sobre Drogas da Assembleia Geral da ONU (Ungass), essas questões entrarão em discussão. Os países têm tentado reações militares, políticas, e nada tem dado certo, eles não têm conseguido frear o crescimento do consumo nem da produção.
Para Sophie Jouineau, o contrabando de drogas é um problema mundial, como a mudança climática:
– Todo problema que vai além das fronteiras tem que ser atacado junto com os vizinhos, criando parcerias em prol de um mesmo interesse. Você pode discordar deles em vários níveis, mas o tom deve ser propositivo. Cada vez mais percebemos que o mundo é um só, então as políticas de segurança têm que ser coletivas e colaborativas.
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