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Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 2024


Cidade

"Favela só é zona de guerra no discurso da mídia"

Davi Raposo - aplicativo - Do Portal

12/05/2015

 Paula Bastos Araripe

“As políticas de segurança pública e o discurso da mídia tradicional têm criado um imaginário popular de que as favelas são zonas de guerra”, afirma Andrea Mayr, professora da Queen’s University of Belfast, Irlanda. A pesquisadora britânica, cujo campo de pesquisa é a abordagem da violência pela mídia, faz estudo de campo na Favela da Maré, no Rio, e tem se aprofundado na cobertura de casos de assassinatos em favelas. Para Andrea – que nesta quinta-feira estará no seminário Photojournalism and Media Activism in the Favelas of Rio de Janeiro, às 13h, na 102K –, a internet e sobretudo as redes sociais têm se tornado importantes ferramentas para que comunidades marginalizadas possam mostrar o seu lado da história.

Em entrevista ao Portal, na segunda-feira, quando participou do debate “Mídia, o discurso do medo e a leitura da sociedade” na sala 102K, a professora Andrea Mayr falou sobre a Justiça no Brasil, o debate sobre a redução da maioridade penal e o poder das redes sociais para os moradores das favelas.

Portal PUC-Rio Digital: A descrença no sistema judiciário faz com que a população apoie medidas violentas e emergenciais de combate ao crime. Qual poderia ser uma solução viável para o problema de criminalidade no Brasil?
Andrea:
Existe criminalidade em qualquer lugar do mundo, mesmo na Inglaterra. Mas a mídia faz bastante julgamento sobre os crimes, o foco é sempre no infrator e no que ele fez. No Brasil funciona do mesmo modo: ‘Bandido bom é bandido morto’ é uma máxima aqui. A diferença é que na Inglaterra existe um sistema social que funciona, enquanto o sistema predominante aqui é a desigualdade entre classes. Isso explicaria por que o Brasil tem níveis de violência muito mais elevados do que os países do Hemisfério Norte. Se retirassem as pessoas da zona da pobreza, talvez não existisse envolvimento tão grande dessa classe na criminalidade. Tratar do problema do “vagabundo” de forma individual e pontual também não ajuda. Nisso, a mídia peca constantemente.

Portal: Como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil pode se relacionar com os problemas de criminalidade em favelas?
Andrea:
O projeto é horrível. Acredito que nas favelas o tráfico de drogas vai recrutar pessoas cada vez mais novas. Agora que os jovens com 16 anos poderão ser presos, vão chamar os com 14 anos ou até menos. É uma medida perigosíssima.

Portal: Qual o papel das redes sociais como forma de visibilidade do que acontece dentro das favelas?
Andrea:
A internet se tornou uma ferramenta muito importante em comunidades marginalizadas para receber maior visibilidade. Então quando há uma violação de direitos humanos dentro de uma favela, hoje um morador com um smartphone pode tirar fotos e começar campanhas nas redes sociais. Com adesão suficiente, o movimento pode ‘viralizar’ e se tornar global. O problema, no entanto, é que esses movimentos podem escolher pessoas em detrimento de outras. É o caso do dançarino DG, que viralizou e foi parar na TV, e o do jovem com problemas mentais Edilson da Silva dos Santos. Ambos moravam no Pavão-Pavãozinho, foram mortos pela PM, mas do segundo ninguém falou. Outro ponto é que esses movimentos de internet têm um curto espaço de duração. As pessoas se tornam ícones por um período, depois desaparecem e a realidade não muda. Os protestos online são bons, mas os protestos off-line deveriam ser mais incentivados.

Portal: Os protestos online não são uma oportunidade para as pessoas das comunidades mostrarem outra versão da história?
Andrea:
Sim, definitivamente. Inclusive para mostrar coisas positivas sobre a favela. Não apenas violência e guerra, mas movimentos culturais e artísticos. A visão que a mídia passa da favela é muito negativa. Deveríamos parar de falar desses aspectos ruins e tratar do organismo funcional que é uma comunidade carente. Por falta de um Estado eficiente dentro das favelas, elas se tornaram algo fantástico e criativo. As 130 mil pessoas da Maré deveriam ser levadas em consideração pela mídia.

Portal: Como o ‘olhar estrangeiro’ sobre a realidade das comunidades brasileiras influencia novas perspectivas para velhos problemas?
Andrea:
Acho que minha visão como estrangeira foi observar o tratamento que dão aos pobres nas favelas deste país. Existem UPPs em diversas favelas, e certamente elas tiveram um ponto benéfico, que foi a queda da mortalidade dentro das comunidades, além da redução de baixas de oficiais de polícia nos últimos anos. Por outro lado, o projeto perdeu muita credibilidade com a morte do pedreiro Amarildo, do dançarino DG, além de outros que nunca saberemos. Não posso dizer, portanto, que as UPPs são negativas, mas posso afirmar que seria bem mais eficiente se a Polícia Militar agisse corretamente. A falta de integração entre a força policial e um projeto social é o que enfraquece a medida.