O debate sobre a desmilitarização da Polícia Militar, com o deputado estadual Flávio Bolsonaro, do Partido Progressista, e o candidato a governador pelo PSOL em 2014, Tarcísio Motta, reuniu na quarta-feira 25 cerca de 1.800 pessoas no Ginásio da PUC-Rio. Militantes e simpatizantes dos dois políticos se manifestaram durante todo o encontro, a cada pronunciamento dos convidados. “Vamos tentar manter o silêncio, gente, por favor, tem gente que quer ouvir o debate”, pedia insistentemente o mediador, Matheus Tavares, do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da PUC, que na abertura advertira que a intenção era debater ideias e que qualquer agressão verbal ou física seria repudiada pela organização.
Em seu discurso de abertura, Tarcísio criticou a naturalização da violência, e lembrou crimes como o desaparecimento do pedreiro Amarildo Dias de Souza, da auxiliar Claudia Silva e do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, ambos baleados:
– Não é natural o número de homicídios e a violência que temos. O clima de guerra gerado pela militarização da segurança faz com que tenhamos a polícia que mais mata e mais morre. O confronto, o melhor armamento e a ocupação militar das favelas não são a saída para a questão da insegurança. Uma sociedade com mais polícia e presídios não garante mais direitos, e muito menos mais liberdade. Esse debate é sobre o modelo de sociedade que queremos.
Quando foi dada a palavra a Flávio Bolsonaro, vaias e ovações dificultaram a compreensão do discurso. “A esquerda é mais barulhenta, mas nem sempre é a maioria”, provocou o deputado, com um sorriso discreto. Bolsonaro iniciou sua fala com a pergunta: “Alguém aqui gostaria de morar na Venezuela?”. O deputado rebateu o argumento de Tarcísio sobre a eficácia da desmilitarização para a segurança pública:
– Se a desmilitarização resolvesse, nossa polícia civil seria um exemplo de instituição a ser seguido, um exemplo de boa relação entre seus integrantes. A Polícia Militar existe há mais de 200 anos: se fosse um problema, já teria sido resolvido. Se, em algum momento a PM for desmilitarizada, fujam! Mas não vão para Havana, não, porque lá tem gente fugindo de Cuba.
Dizendo acreditar que o projeto de desmilitarização da PM “passa pelo plano de poder da esquerda e do PT”, Bolsonaro citou o Projeto de Emenda Constitucional (PEC 51/2013) de desmilitarização da Polícia Militar, que tramita no Senado, proposta pelo senador petista Lindbergh Farias:
– A grande armadilha dessa PEC é a centralização de todas as diretrizes federais que essas polícias seguiriam, lideradas pelo PT. Teríamos polícias subordinadas à União, e, com as Forças Armadas lideradas pelo PT, quebra-se a última resistência para a implantação da eternização de poder da esquerda.
E em meio a vaias de parte do público, Bolsonaro rebateu:
– Todo mundo reclama, critica, mas na hora que está sofrendo algum perigo de vida disca 190 – e a plateia se dividiu em vaias e aplausos.
Ainda sobre o processo de desmilitarização da PM, Bolsonaro defendeu o armamento de civis em legítima defesa – contrariando o Estatuto do Desarmamento:
– O cidadão de bem, desarmado, é mais uma constatação de que a polícia não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, e o marginal só respeita o que lhe dá medo: traficantes não podem ser combatidos com flores. Parece que se alguém cochichar lições sobre direitos humanos no ouvido de um PM, ele vai se deparar com um marginal com um fuzil na mão e dizer: “Toma essa Constituição”. E o bandido vai se entregar e responder: “Eu tenho direito de cidadão” – ironizou, defendendo a importância de se debater o tema.
Tarcísio introduziu sua réplica em tom de brincadeira:
– Além de torcer para o Vasco da Gama, eu posso concordar contigo num outro detalhe, Flávio – ao concordar com o deputado sobre a necessidade de um olhar mais amplo sobre a desmilitarização. E acrescentou: – Não é desmilitarização da PM, é a desmilitarização da política de segurança, é a desmilitarização do Estado, é desmilitarização da vida – argumentou.
Tarcísio comentou ainda sobre o que considera um malefício proporcionado pelo aumento da militarização, e citou a ocupação militar do Complexo da Maré:
– Há a proposta de que policiais ocupem vagas nos conselhos escolares, para controlar a frequência dos alunos. Isso é militarização da vida. A gente confunde segurança pública com polícia, e favela com problema de segurança pública – criticou.
Legalização das drogas
Após quase 50 minutos de debate tumultuado pelas manifestações da plateia, o mediador iniciou uma rodada de perguntas feitas pelo público aos debatedores. A primeira foi para o deputado Flávio Bolsonaro, a respeito da descriminalização das drogas. O deputado se posicionou contra a legalização de drogas ilícitas, e defendeu que a regulamentação legal dessas substâncias poderia acarretar em um aumento do número de dependentes, bem como sobrecarregar o sistema de saúde pública.
Tarcísio retrucou chamando a atenção do deputado Bolsonaro para a diferença entre “liberação” e “legalização”, que defende:
– Liberadas as drogas estão hoje, porque não há controle do Estado. Eu não sou a favor da liberação das drogas, eu sou a favor da legalização das drogas! – exclamou Tarcísio.
Unificação das polícias
A segunda pergunta sugeriu a possibilidade de unificação das polícias civil e militar como forma de reduzir os gastos públicos. Bolsonaro afirmou que não concorda com os reajustes nas verbas dos ministérios e defendeu menor interferência do Estado na vida privada:
– Tinha que haver uma participação menor do governo na vida do cidadão, a redução da carga tributária e um fomento à livre concorrência para que pudessem ser produzidos mais empregos e menos pessoas dependentes de bolsas assistencialistas. O incentivo do Estado hoje é para a indenização da pobreza e da miséria.
Sobre a ideia da unificação, Tarcísio disse ser uma proposta a ser discutida, e apresentou dado do Relatório da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania de 2014 que aponta um gasto de quase R$ 60 bilhões com o cumprimento de medidas socioeducativas e investimentos públicos em segurança. Para Tarcísio, a unificação das polícias na lógica civil teria inegável impacto positivo sobre a elucidação dos homicídios:
– É preciso investir no combate ao tráfico de armas. A CPI das Armas, mostrou que 85% das armas apreendidas são de fabricação nacional, não vêm do estrangeiro, o problema está aqui. Muitas vezes são homens de preto, pretos, matando pretos, e morrendo, como diz Marcelo Freixo. Daqueles que morreram assassinados ano passado, 77% são jovens e negros – argumentou, citando Relatório Final da CPI do Tráfico de Armas e o Datasus de 2012 do Ministério da Saúde.
A terceira e última pergunta do público foi sobre a lógica militarizada e como ela pode expor mulheres, negros, pobres e a população LGBT à violação diária de seus direitos.
Tarcísio manifestou seu desejo de convidar uma mulher para responder por ele, argumentando que ele, como homem criado em uma sociedade machista, não poderia ser capaz de sentir o que uma mulher sente quando violada em seus direitos políticos, e foi ovacionado por integrantes do Coletivo de Mulheres da PUC-Rio.
Tumulto na plateia
Nesse momento, uma discussão irrompeu na plateia, entre uma militante do PSOL e um simpatizante de Bolsonaro. Alexa de Oliveira, aluna de Ciências Políticas na Uni-Rio, que vaiava e gritava durante todo o debate, reagiu quando pessoas à sua volta pediram que fizesse silêncio: “Assim eu não escuto nada, para de falar, não dá pra ter democracia assim!”, queixou-se uma jovem da fila da frente. Impaciente, um estudante de terno não identificado se levantou e, com o dedo em riste, gritou para que as duas ficassem quietas. Sentindo-se agredida, a militante do PSOL o acusou de machista, iniciando uma discussão mais acalorada.
Grande parte do público que lotava o ginásio deslocou sua atenção para o conflito. Seguranças da PUC foram ao local controlar o empurra-empurra. Bolsonaro e Tarcício pediram que o público acalmasse os ânimos, para que fosse possível retomar o debate: “Calma, gente, se não a foto que vai aparecer amanhã é essa aí, e não a do debate que estamos fazendo. Vamos respeitar a fala do deputado Bolsonaro”, interviu Tarcísio.
O manifestante que havia se envolvido no tumulto foi empurrado por outro, o que gerou nova exaltação do público e exigiu mais trabalho dos seguranças. O debate foi interrompido por cerca de 10 minutos.
Ao final, Tarcísio fez um discurso esperançoso, remetendo ao momento político brasileiro das Diretas Já, movimento que defendia eleições presidenciais diretas, e comparando com a conjuntura política atual:
– O mundo pode ser diferente do que a gente vive. Independentemente do conteúdo político, quando se olham as fotos da manifestação do dia 15 de março, não se vê alegria, nem sorriso. Quando olhamos para as fotos de 1984, das Diretas Já, víamos pessoas com esperança de que as coisas podiam mudar. É claro que muitas daquelas hoje estão decepcionadas com o que se vê. Vocês são uma geração que vive a política em tempos de desesperança total – refletiu.
Flávio Bolsonaro contestou as vaias do público e foi ovacionado ao pedir respeito à diferença política:
– Ouvir a verdade às vezes incomoda. Agradeço ao DCE pelo convite, por estarem conduzindo o diretório de forma isenta, apartidária e respeitando a todos. Antes de chamar alguém de autoritário e fascista, pergunte se você não está sendo autoritário e fascista nas suas posturas. Às vezes, é difícil olhar para o próprio umbigo. Como candidato com 160 mil votos para deputado estadual, um dos mais votados do Estado do Rio, acho que não é um adjetivo que combina. Respeitem a opinião diversa, e uma salva de palmas para a democracia.
Parte do público já estava deixando o ginásio quando um grupo de alunos irrompeu o grito: “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar!”.
Lotação no ginásio
No último sábado, dia 21 de março, o DCE da PUC-Rio divulgou a realização do debate, que em menos de 24 horas teve mais de 2 mil pessoas confirmadas. Na terça, véspera do encontro, a página alcançou mais de 10 mil confirmações de presença – o que levou o DCE a transferir o evento do Auditório Padre Anchieta para o ginásio. Segundo o vice-presidente do DCE, Pedro Duarte Jr, a capacidade do ginásio permitida pela PUC era de 1.800 pessoas, e logo que acabassem as pulseiras, que estavam sendo entregues para controle do público, não seria mais permitida a entrada. Fora a pulseira, quem assistiu ao debate deveria levar 1 quilo de alimento não perecível.
Sem poder entrar, mais de 100 pessoas, entre professores e alunos, acompanharam o debate com os ouvidos colados às fendas da parede vazada, e foram vistas pulseiras sendo passadas por quem estava dentro para quem havia ficado do lado de fora.
– Pessoas que estavam na varanda do ginásio atiravam mochilas com suas pulseiras para que outras pessoas pudessem entrar. Mas já tínhamos chegado a um limite, e por isso tentamos coibir essa ação – esclareceu o vice-presidente do DCE.
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