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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


País

Manifestações suscitam reflexões sobre democracia

Marina Ferreira* - aplicativo - Do Portal

24/03/2015

 Arte de Davi Raposo

As manifestações deste março de 2015, em todas as capitais do país, trouxeram à tona a insatisfação popular com o Governo Federal e a corrupção no país. Com a volta da democracia completando 30 anos na sequência de uma eleição acirrada, e pelo escândalo de corrupção investigado na Operação Lava Jato, pedidos de “Impeachment Já” ou de “Intervenção Militar” são vistos por historiadores, cientistas políticos e especialistas em direito como uma oportunidade de refletir sobre a nossa história e política.

Avaliando as manifestações como “positivas para a democracia”, o jornalista e professor Álvaro Caldas, integrante da Comissão da Verdade do Estado do Rio acredita que certos radicalismos presentes nas ruas são preocupantes por repetirem discursos retrógrados:

– Eu participei de várias manifestações, passeatas, inclusive da Passeata dos 100 mil, fui militante político, preso e torturado durante a ditadura. Antes do Golpe Militar de 1964 houve uma pressão semelhante a que está havendo hoje, como a Marcha da Família com Deus pela Democracia. As faixas carregadas naquela época eram as mesmas que estavam na marcha de São Paulo este ano. O “Fora João Goulart” virou o “Fora Dilma”, e ambos clamavam por intervenção militar.  Editora PUC-Rio Essa semelhança é perigosa, porque parece que nada mudou, as pessoas estão com os mesmos ideais, e faixas parecidas que desrespeitam o processo democrático. Manifestações são positivas, mas é preciso que todos se respeitem e tenham conhecimento de que, acima de qualquer divergência política, está a democracia.

Também para a professora de História da PUC-Rio Larissa Costard Soares, há uma “revisão incorreta do passado”.

– Há uma distorção total da nossa história, do regime militar. Dizer que não houve corrupção naquela época é um equívoco, houve casos na construção de obras como a Ponte Rio-Niterói e a Transamazônica, por exemplo. E o milagre econômico foi uma farsa, durou alguns anos e depois foi um desastre, com muita abertura para o capital estrangeiro, dependência econômica. Aí você disfarça essa história com “não, nem foi tão ruim assim”. Mas o que me deixa preocupada é: que tipo de mentalidade é essa em que os direitos humanos valem tão pouco, que gente morta e torturada é “excesso”? É absurdo – afirma.

O professor de Direito Eleitoral da PUC-Rio Adolfo Borges Filho lembra que uma intervenção militar é totalmente inviável, já que a Constituição estabelece claramente o papel das Forças Armadas (artigo 142) e não permite esse tipo de retrocesso. O cenário muda em relação a um possível impeachment:

– O impeachment faz parte do próprio regime democrático e decorre da soberania popular. No cenário político vigente, por exemplo, diante dos casos de corrupção envolvendo a Petrobras, a presidente poderia estar sujeita ao processo de impeachment se praticasse atos que atentassem contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário ou do Ministério Público (art. 85, inciso II), o que até o momento não se configura, já que investigações estão sendo realizadas normalmente.

Nicolau Galvão  O envolvimento de políticos do PT e aliados do governo no esquema de corrupção na Petrobras enfatizou o caráter anti-petista dos protestos, em que sobressaiu o discurso contra corrupção. Para o cientista político Cesar Romero Jacob, mesmo que não existisse o chamado “Petrolão”, a tensão nas ruas se evidenciaria pelo próprio contexto em que foram realizadas as eleições de 2014, e pela conduta da presidente Dilma Rousseff depois de reeleita:

– Quando um político ganha por uma margem muito pequena, como aconteceu com Fernando Collor em 1989 e aconteceu com Dilma ano passado, com uma diferença de apenas quatro pontos percentuais, é natural que o eleitorado do candidato perdedor queira um terceiro turno, e essa demanda existiu nos dois casos.

Caldas também enfatiza o aflorado contexto político de pós-eleição, alimentando a corrente pro-impeachment:

– Nós estamos vivendo um contexto político muito radicalizador. Os perdedores não se conformaram com a derrota, então começaram a apostar numa linha de pressão, pressão do Congresso, da mídia. A mídia brasileira é muito alinhada ao PSDB, com o que é oposto ao PT e Dilma em geral. A pressão da mídia foi fundamental para que a manifestação fosse do tamanho que foi, apesar das contradições no número de pessoas que havia na Avenida Paulista.

Romero Jacob acrescenta que outro ponto crucial que deslegitima um presidente eleito é vencer com uma plataforma política e governar com outra, já que perde o apoio do seu eleitorado e acaba por não convencer o do adversário: "Isso é exatamente o que acontece agora com a presidente Dilma, ao implantar as medidas de austeridade fiscal que ela negou serem necessárias na época das eleições". O cientista político lembra que a ambição de permanecer no cargo por oito anos se reflete na crise econômica, já que medidas impopulares são empurradas para depois da reeleição – o que já ocorrera no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, em 1998. (leia mais em Crise política impõe agenda de negociações e troca da polarização pelo diálogo)

Em seus últimos discursos, a presidente Dilma tem justificado que só foi possível assegurar os empregos por meio de políticas patrocinadas pelo Estado – comprometendo os bons níveis de responsabilidade fiscal. Seu governo facilitou empréstimos e reduziu o IPI dos carros, medidas que promoviam a sensação de o Brasil estar fora da crise econômica internacional. Para Romero Jacob, a marolinha, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apelidava a crise, está se tornando um tsunami:

– Um estado deficitário precisa adotar medidas de austeridade e tranquilizar o mercado ao quitar suas dívidas, mesmo que assim ganhe a hostilidade nas ruas. Se a presidente Dilma não atender ao mercado, a economia pode ser afetada negativamente por agências de classificação de risco, os investidores podem tirar seus capitais do país e a crise se tornaria ainda mais grave e duradoura. Se Dilma continuar ou se houver impeachment, o quadro continua o mesmo, porque as medidas de austeridade fiscal permanecem e elas necessariamente corroem a popularidade de qualquer governante, seja ele quem for.

 Paula Bastos Araripe As medidas de austeridade tomadas até agora incluem o aumento dos impostos, a redução do Orçamento (R$ 1,9 bilhão a menos por mês) e restrições na concessão do seguro-desemprego, entre outros. Essa deterioração econômica e a perda do poder de compra também são apontados pela advogada e professora de Comunicação Social da PUC-Rio Leise Taveira como grandes motivadores das manifestações:

– Neste momento, o grande protagonista não é a direita, a esquerda, nem os partidos políticos: é o descontentamento da população. Ligamos nos jornais e vemos cada vez mais desdobramentos da Lava Jato, fazemos compras e os preços estão cada vez mais altos. O brasileiro não está mais vendo a concretização dos seus desejos, e isso desencadeia a revolta da população.

Graças ao regime democrático em vigor no Brasil é possível a existência de marchas contra o governo e a pluralidade de reflexões sobre o assunto. Muitos que pedem intervenção das Forças Armadas desconhecem que na época em que eles estavam no poder esses direitos não eram assegurados pela Constituição, e toda dissonância era respondida com repressão:

– A ideia de liberdade de expressão é fundamental para a democracia, bem como o direito de manifestar descontentamento, inclusive em relação ao próprio governo. Esses e uma série de outros valores estão garantidos na Constituição, e grande parte da população desconhece o seu conteúdo. Como projeto para o futuro, talvez a própria organização dos poderes pudesse incluir o estudo da Constituição nas salas de aula como parte da reforma curricular do ensino fundamental – sugere a professora de Teoria Política da PUC-Rio Alessandra Maia.

Confira a fotogaleria da manifestação em Copacabana no último dia 15 de março.

* Colaborou Luisa Oliveira.