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20/03/2015Antigo aliado de governo petistas, o ministro da Educação, Cid Gomes (PROS-CE), caiu em desgraça ironicamente ao parafrasear o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando que o Congresso tem “300 achacadores”. Em debate com professores e reitores de universidades federais paraenses, em 27 de fevereiro (ouça o áudio), Cid reagiu à eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara, durante palestra na Universidade Federal do Pará: “Eu acho que a direção da Câmara atualmente será um problema grave para o Brasil. A força política mais comprometida e identificada com esse esforço que ampliou a oferta de ensino superior no Brasil, e que tem compromissos sociais, que reduziu a miséria, todas essas pessoas estiveram contra a eleição de quem foi eleito lá. Mas as coisas são assim. Tem lá uns 400 deputados, 300 deputados que, quanto pior, melhor para eles. Eles querem é que o governo esteja frágil, porque é a forma de eles achacarem mais, tomarem mais, tirarem mais dele, aprovarem as emendas impositivas... É uma guerra, tá certo? É uma guerra”, afirmou o ex-deputado e ex-governador do Ceará, ao ser cobrado sobre o corte de verbas destinadas às instituições federais de ensino.
O episódio, que após uma fracassada tentativa de pedido de desculpas públicas culminou com a demissão do ministro (leia mais no quadro abaixo), remete a uma semelhante de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1993, dez anos antes de se eleger. O então presidente do Partido dos Trabalhadores estava em sua segunda campanha à Presidência da República. Em discurso em Ariquemes (RO), Lula explicitou seu descontentamento com a corrupção no Congresso e o descaso da classe política quanto às suas obrigações públicas: “Há no Congresso uma minoria que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”. No dia seguinte, o líder do PT completou que, para identificar os picaretas bastava "acompanhar as votações do Congresso, como a que decidiu sobre a duração do mandato do ex-presidente José Sarney [em 1988]”.
Naquele ano de 1993, foi descoberto um esquema de desvio de pelo menos R$ 100 milhões em recursos públicos por meio de uma série de emendas parlamentares de deputados federais da Comissão de Orçamento de Congresso, que levou à criação da CPI do Orçamento. Foram investigados 37 deputados – todos sem grande expressão nacional, apelidados de “anões” –, e pedida a cassação de 18, dos quais seis foram de fato destituídos dos cargos.
A crise política e a afirmação de Lula levaram Herbert Vianna, da banda Paralamas do Sucesso, a escrever a música Luiz Inácio (300 picaretas). Assim como reagira à fala de Lula, que foi processado, o então presidente da Câmara dos Deputados, Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), pediu providências e conseguiu proibir a veiculação da música em rádios, apesar do fim da censura no país. A canção só seria lançada no álbum Vamo Batê Lata, de 1996.
– Herbert achava a letra um pouco panfletária ou óbvia, mas conseguiu retratar o momento de maneira muito feliz. Na época houve um gesto extremado e até agressivo para impedir que tocássemos a música num show em Brasília, e foi o estopim para que ela ganhasse a visibilidade de que precisava, o efeito foi o contrário. No dia seguinte, saímos no jornal. Só que a quadrilha aumentou – lamenta o paralama João Barone, baterista do grupo.
Barone: “Temos um problema sério, um eterno sebastianismo brasileiro”
Para o paralama, a corrupção é um dos grandes males da sociedade, e as recentes manifestações são prova de que ainda há possibilidade de mudança:
– Desde as Diretas Já, o golpe final contra o regime ditatorial, e depois o impeachment do Collor, é possível identificar que temos um problema sério no Brasil: um eterno sebastianismo, como se alguém fosse chegar para salvar a pátria. É impossível acabar com a corrupção, com o tráfico, e tudo é feito sob as barbas dos presidentes. Quando Lula foi eleito, havia a esperança de que isso poderia acontecer, e agora voltamos a ter algumas demonstrações de que é possível mudar. É só todo mundo fazer o seu papel, e o dos políticos precisa passar por uma profunda reavaliação, bem como a forma como bancamos as estruturas políticas, que deveriam servir à população, já que pagamos impostos escorchantes. É preciso o resgate do bom político – avalia.
No início da semana, o Instituto Datafolha divulgou pesquisa em a gestão da presidente foi considerada ruim ou péssima por 62% dos brasileiros, e sua popularidade, que já foi de 59% em 2011, caiu a 13%, o menor desde Collor. Barone acredita que a insatisfação com o governo Dilma, apesar dos avanços no plano social, evidencia que o momento econômico e político que o país viveu no governo Lula não existe mais:
– O quadro geral é de surpresa, porque se criou uma grande fachada para toda a crise com os arcaicos mecanismos da política atual. De tanto esconder a sujeira debaixo do tapete, uma hora se vai tropeçar. É o que está acontecendo agora. Viemos surfando a “marola” nos últimos anos, até nos depararmos com a irrefutável realidade que vivemos. Houve a demonstração da insatisfação geral em 2013, mas, por conta das melhorias sociais, ficou aquela fácil opção de culpar a classe média e as elites pelos erros de um governo populista; mas não é só isso: hoje vemos como os índices de insatisfação com a Dilma estão aumentando – afirma Barone.
Sobre o debate a respeito de um possível pedido de impeachment da presidente, defende:
– Parece que estamos numa partida de futebol e o juiz marcou um pênalti indevido, e a torcida xinga a mãe do juiz. O processo de impeachment a essa altura do campeonato só vai atrasar o país, causar mais transtorno. Precisa-se de um pacto a favor do Brasil; não podemos desligar os aparelhos da UTI da nossa política. É possível começar a quebrar esse ciclo vicioso, esse toma-lá-dá-cá. Os políticos precisam lembrar que é o povo que viabiliza o trabalho deles! – indigna-se Barone: – O governo poderia tentar um investimento na mudança, mas esbarra na própria estrutura arcaica dos coronéis, blindados.
O trio, que em 2003 foi recebido pelo presidente Lula no Palácio do Planalto, não toca a música em shows desde 2005 – quando se iniciou a queda de braço entre o governo petista e o Congresso Nacional, deflagrada com o esquema de corrupção do Mensalão – caracterizou a corrupção da política brasileira como “variações do mesmo tema sem sair do tom”, e Barone avalia que “talvez ainda estejamos na mesma música”.
Entenda o caso Esta semana, os “300 picaretas com anel de doutor” da letra dos Paralamas e do discurso de Lula foram o principal assunto no país, chegando a ficar em terceiro lugar nos trending topics (assuntos mais comentados) do Twitter, na tarde de quarta-feira, dia 18, após um acalorado pronunciamento na Câmara dos Deputados, em um momento de fragmentação das bases aliadas à Dilma no Congresso. Cobrado pelo planalto e pela base aliada por suas declarações em Belém, Cid Gomes foi chamado à Câmara para pedir desculpas publicamente, mas surpreendeu ao reafirmar sua posição em plenário, e acabou forçado a entregar o cargo. Cid acusou não só o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), mas também a maioria dos parlamentares de sangrarem os recursos públicos: “Tenho profundo respeito pelo Legislativo, pelo Parlamento. Isso não quer dizer que concorde com a postura de alguns, de vários, de muitos que, mesmo estando no governo, os seus partidos participando do governo, tenham postura de oportunismo”, exultou Cid Gomes. E, apontando para a mesa-diretora onde estava o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, provocou: “Eu fui acusado de “mal-educado”, o ministro da Educação é mal-educado. Eu prefiro ser acusado por ele de mal educado, do que (ser) como ele, acusado de achaque”. Um dia antes, Cunha pedira o arquivamento da investigação do Supremo Tribunal Federal sobre o esquema de corrupção envolvendo executivos da Petrobras, políticos e empreiteiras descoberto pela Operação Lava Jato, na qual Cunha estaria envolvido, de acordo com as delações. O deputado foi eleito pela primeira vez em 2003, e está no quarto mandato. Ex-ministro também sofreu investigação O ex-ministro Cid Gomes também já sofreu investigação por irregularidades na campanha e por suposto desvio de recursos públicos, por mais de uma vez. Em 2013, o Tribunal Superior Eleitoral acusa Cid Gomes, quando governador, por uso indevido de verbas para propaganda eleitoral. |
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