Juliana Reigosa - aplicativo - Do Portal
17/11/2014Fact-checking é a bola da vez no jornalismo. Mais do que redundar um dos princípios deste ofício (checagem dos fatos, numa tradução simples), o novo rótulo da indústria da notícia consolida uma tendência nas redações mundo afora: páginas eletrônicas dedicadas a verificar informações emitidas por figuras públicas, classificando-as com etiquetas – verdadeira, falsa, contraditória, exagerada, entre outras. No Brasil, um dos pioneiros é o blog Preto no Branco, d'O Globo. Idealizada pela jornalista Cristina Tardáguila, a página verificou o discurso dos candidatos durante a recente campanha eleitoral, entre 6 de agosto e 26 de outubro. Somou, no período, 2,5 milhões de visualizações. Iniciativas do gênero revelam-se fundamentais para melhorar a representação política e a democracia, acredita Cristina. A fundadora e editora do blog conversou com o Portal na quarta-feira passada, após apresentar um balanço do Preto no Branco aos alunos de Comunicação da PUC-Rio.
"Essa é a mãe do blog", sintetizou o jornalista e professor da PUC-Rio Chico Otávio, ao apresentar Cristina a estudantes e acadêmicos reunidos pelo interesse comum de conhecer bastidores do caso. Segundo o repórter, que acumula sete prêmios Esso, esse trabalho de verificar discursos de candidatos "deu alegria ao jornalismo e insatisfação aos políticos".
Apontado pelo portal Comunique-se como uma das "grandes inovações" da cobertura eleitoral, o Preto no Branco produz, na opinião de Cristina, o resgate de um compromisso elementar do jornalismo que se revela, contudo, diluído no pendor imediatista das produções noticiosas: a checagem dos fatos. Significa "tirar o jornalista do campo de apenas ouvir fatos e amplificá-los para a massa, mas torná-lo também um questionador da informação obtida". O fact-checking, diz a editora, sustenta-se no princípio democrático da checagem:
– Nossas checagens sempre vão aonde os cidadãos comuns também conseguiriam checar. Tiram o repórter da posição de dono da verdade. Qual é a leitura tradicional do jornal? O leitor acredita em 100% no que está lendo. No blog, se a pessoa duvidar da informação, pode checá-la por meio do link disponibilizado. Além de colocarmos a frase do candidato exatamente como é, comprovamos com o vídeo. É você ensinar o cidadão a checar como jornalista.
A busca dos avanços democráticos num mundo cada vez mais virtualizado e fragmentado torna a verificação dos fatos talvez ainda mais importante. Assim pensam, pelo menos, os organizadores e participantes das 87 iniciativas de fact-checking no planeta, a maioria com viés político-eleitoral (leia mais abaixo). Representam, no campo político, um passo adiante em relação às eleições presidenciais de 2010, já caracterizadas pela intensificação do uso das redes sociais por candidatos. Na campanha deste ano, destacaram-se ações digitais da sociedade civil, com a intenção de contribuir para o aprimoramento do ambiente democrático-eleitoral.
O jornalista Arthur Ituassu, coordenador de Jornalismo do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital (CEADD), idealizou a página eletrônica O Que Fez Seu Deputado para ajudar o eleitor a escolher o candidato à Câmara. A iniciativa do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio (COMP) apresenta uma radiografia da produtividade dos 46 deputados federais do Rio entre 2011 e 2014. Ituassu pondera, no artigo Repolitizando a representação: Uma teoria para iniciativas digitais em prol dos processos político-representativos no Brasil, que ações digitais em prol da representação "não devem procurar resolver a natureza paradoxal do sistema representativo". Devem ser avaliadas a partir de sua atuação nos campos da informação, participação, deliberação e vinculação política. Em outras palavras, avaliadas pela capacidade de trocar uma "cultura da apatia" por uma "cultura da participação":
– Ao produzirmos iniciativas com esse viés, favorecemos, de certa forma, a cultura da participação política, que é muito forte na internet e está sendo apontada em vários estudos como uma contribuição para os regimes democráticos. Durante muito tempo, houve uma discussão na ciência política relativa à apatia do cidadão e de seu descolamento de questões políticas, por meio do distanciamento da esfera política e da cidadania, ou seja, em relação às barreiras colocadas para que o cidadão não participe dos processos decisórios. Hoje há um potencial de mudar essa cultura da apatia por uma cultura da participação, com a comunicação política online – observa Ituassu.
Neste rumo, Cristina Tartáguila qualifica o blog Preto no Branco como uma “gotinha do oceano” que, durante as eleições, tentou mudar o panorama político nacional ao ajudar o eleitor a ter um voto consciente, engajando, principalmente, os jovens:
– O projeto serviu para engajar um público jovem, que acompanhou as eleições por meio das redes sociais. Não sei se acompanhariam o noticiário político sem esse projeto. O engajamento jovem é positivo para a democracia porque esta é a geração que vai ser candidata ou gestora daqui a alguns anos.
Dos 288 discursos de candidatos checados até o primeiro turno, mais da metade era falsa
Cristina avalia que esta "gotinha" contribuiu para o avanço democrático ao estimular um alinhamento entre a retórica a e prática. Dos 288 discursos checados até o primeiro turno – emitidos por candidatos à Presidência e ao governo de cinco estados brasileiros (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Rio Grande do Sul), mais o Distrito Federal –, nem a metade (48%) se revelou verdadeira. Já no segundo turno, das 86 checagens feitas, 55 (64%) eram verdadeiras, constata levantamento d'O Globo.
– Os presidenciáveis, diante do fact-checking feito, melhoraram a performance. O número de discursos falsos, exagerados, insustentáveis e contraditórios foi caindo, enquanto o de verdadeiros foi aumentando. Ou seja, em nosso pequeno esforço de ajuste e pressão aos candidatos, para que sejam corretos, conseguimos melhorar e filtrar um pouco o discurso – avalia a jornalista. Ela lembra que o blog abriu espaço para réplica e tréplica, como se fosse um debate político:
– Em algumas vezes trocamos as etiquetas e, em outras, não. Nestas, publicávamos a réplica. Na tréplica, explicávamos o motivo de mantermos a posição – explica.
Quem planeja entrar no ramo de fact-checking com viés político-eleitoral precisa, segundo Cristina, "estar preparado", porque a informação será usada por vários lados (jornalistas, leitores, políticos):
– Diversas vezes usaram nossas checagens e fizeram montagens em cima. Tem que estar disposto a ser ferramenta de militância política, tanto do PT, quanto do PSB, como do PSDB, por exemplo.
A grande inspiração do Preto no Branco foi a página eletrônica argentina Chequeado, considerada o primeiro caso de fact-checking na América Latina. A diretora do Chequeado, Laura Zommer, participará do Festival Piauí de Jornalismo, em São Paulo, nos dias 15 e 16, ao lado de Cristina. A brasileira ficou encantada com o projeto argentino no ano passado, quando participou do Prêmio Gabriel García Márquez, na Colômbia, e resolveu importar a ideia.
– No começo, era um projeto que dava medo, até por causa da questão da independência em um jornal de destaque. No fim, não só tínhamos virado a menina dos olhos d'O Globo, como deixado de ser um blog pequeno e tornado coluna de papel, com direito a página 3 [importante editorialmente] no impresso e prêmio – orgulha-se Cristina.
O êxito é comprovado com números. O Preto no Branco foi o segundo blog mais lido d'O Globo ao longo da campanha eleitoral (perdeu para o Page Not Found, com 6 milhões de visualizações). Também esteve no Twitter, por meio de propagações na conta @OGloboPolitica (acompanha a cobertura política feita no jornal). Dos 20 tuítes mais populares da história da conta, 15 são do blog idealizado por Cristina. Além disso, 87,5% dos retuítes foram neutros (usuários apenas repassaram o link para outras pessoas, sem comentar); 8,2%, “positivos” (usuários passaram os tuítes para frente, com comentários positivos); e só 4,3% foram “negativos”.
A visibilidade rendeu o que a editora considera uma conquista ainda maior do que o prêmio recebido: ajustes em campanhas eleitorais e consulta de temas no blog por candidatos, para servirem de pauta em debates da televisão. “Alguns temas, como a transferência da sobra de energia entre as regiões (programa da presidente Dilma Rousseff) e as vagas de emprego (programa do tucano Aécio Neves), foram retirados de programas dos candidatos, por terem se verificado falsos”, ressalta Cristina. Ele lembra que outros pontos aqueceram os debates:
– Nossas checagens também foram usadas por candidatos no debate político. A declaração de Marina (Silva, candidata à Presidência pelo PSB) de que havia votado a favor da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi usada contra ela (na checagem, verificou-se que era uma informação falsa). A frase de Dilma de que o orçamento da União é de 5 trilhões de reais foi usada contra a candidata (o orçamento é de R$ 2,48 trilhões). A mudança de posição de Aécio também foi uma das armas usadas pelos adversários (a declaração do candidato quanto ao fator previdenciário foi considerada contraditória) – lembra.
Em relação ao futuro do blog, a editora adianta que pensa em ampliar as pautas do Preto no Branco:
– As novidades do blog não deverão vir antes de janeiro, mas já estão sendo planejadas. Tenho total interesse em continuar, e o jornal me dá sinais de que também quer continuar. Vamos decidir qual será o novo foco e pensar em algo com mais fôlego. Por exemplo, nossos textos não vão ser de apenas três, quatro linhas. A campanha eleitoral já acabou. Apesar de o viés político continuar em pauta, ele não será o único. Vem coisa boa por aí – garante Cristina.
Fact-checking no mundo As oito iniciativas de checagem selecionadas abaixo ilustram a perspectiva de a tecnologia digital e as mídias sociais fermentarem uma melhor representação democrática: FactCheck.org – Considerado o primeiro desta geração de fact-checking, foi o criado em 2003, pelo jornalista Brooks Jachson, ex-Wall Street Journal e CNN. PolitiFact.com - Nascido em 2007, ganhou o Prêmio Pulitzer, o Oscar do jornalismo, em 2009 pela cobertura das eleições americanas no ano seguinte. Virou quase uma franquia de fact-checking, desdobrando-se para estados daquele país: PolitiFact Texas, PolitiFact Florida e PolitiFact Virginia, entre outros. Pagella Politica - Não é feito por jornalistas, mas por economistas e advogados. Desenvolve uma página dedicada à União Europeia, em especial ao Parlamento Europeu. Como a cobertura da imprensa é regionalizada (por exemplo, o italiano lê o Corriere della Sera; o francês, o Le Monde; e o espanhol, o El País), faltam checagens do bloco. A este propósito se lança o Pagella Politica. Les Décodeurs - Mais discreto, é um blog político do jornal francês Le Monde. Foi idealizado pelo jornalista Nabil Wakim, em 2009. AfricaCheck - Idealizado pela Fundação AFP, nasceu em junho de 2012, numa parceria com o Departamento de Jornalismo da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo. A equipe do se dedica a ampla checagem sobre fatos importantes relativos à África, mas encontra dificuldades diante da escassez de informações no banco de dados do continente africano. Iran Media Fact Check - A equipe não está em Teerã, capital do Irã, mas no Quebec, no Canadá. Confirma a ausência de imposições geográficas para se fazer fact-checking, pois a informação vem de múltiplas partes. Chequeado – Criado em 2009, foi o pioneiro, na América Latina, desse gênero de monitoramento de declarações dos políticos, confrontando-as com informações de banco de dados oficiais e de redes sociais. Inspirado nos sites americanos Fact Check e Politifact, no inglês Chanel 4 News e no francês Les Décodeurs, influenciou a criação de iniciativas semelhantes na região. Uma vaquinha virtual ajudar o Chequeado a se manter, e mostra que ainda há consumidores que pagam por notícias de qualidade. O maior projeto feito pela equipe argentina foi a checagem ao vivo do discurso de reeleição da presidente Cristina Kirchner, em março de 2014. A ação tornou o Chequeado finalista do Prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo. Truco! – Blog brasileiro de fact-checking, lançado em agosto pela Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo. Analisou as informações veiculados pelos candidatos à Presidência no Horário Eleitoral Gratuito, usando o bom humor do jogo de baralho (truco!, que medo!, blefe, zap! etc.). |
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