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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


País

Serviços públicos cobrados nas ruas entram na corrida eleitoral

Felipe Castello Branco, Andressa Pessanha, Maria Silvia Vieira, Juliana Reigosa e Lucas Augusto - aplicativo - Do Portal

10/10/2014

 Viviane Vieira

Renovada a polarização entre PT e PSDB na corrida ao Planalto, a presidente Dilma Rousseff, que alcançou 41,59% dos votos válidos, e o tucano Aécio Neves, cujo salto na reta final do primeiro turno assegurou-lhe 33,55%, terão missões mais complexas do que construir alianças – a começar por Marina Silva, que, noves fora, amealhou mais de 22 milhões (20%) dos votos válidos, e pelo PSB da família Campos. Terão tarefas menos óbvias do que ampliar o espaço nos respectivos colchões eleitorais – Nordeste e São Paulo, respectivamente – e reduzir as perdas nos latifúndios eleitorais tradicionalmente dominados pelo adversário. Também terão de buscar fichas além dos governadores estratégicos, sobretudo Fernando Pimentel (PT), em Minas Gerais, e Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo, maiores colégios eleitorais do país. Para vencer neste segundo turno, que se insinua um dos mais acirrados desde a retomada democrática, Dilma e Aécio precisam contemplar, na campanha, a qualificação dos serviços públicos, uma das principais reivindicações bradadas pelas ruas na série de manifestações do ano passado, as Jornadas de Junho. Assim avalia o cientista político Cesar Romero Jacob, diretor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio e autor de livros como o recém-lançado Atlas das Condições de Vida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Segundo o especialista, a atenção aos serviços públicos representaria uma “quarta agenda” brasileira. Nas últimas três décadas, depois de ter se redemocratizado e recuperado a credibilidade institucional, o país passou por reformas econômicas, que lhe possibilitaram a estabilização; e sociais, que renderam avanços em inclusão social. Agora, para Romero Jacob, as competências gerenciais e a qualificação dos serviços públicos tornam-se a bola da vez, e podem se constituir trunfos competitivos no duelo pela Presidência:

– Nos últimos 30 anos, as agendas principais foram política (transição da ditadura para a democracia), econômica (combater problemas como taxas de juros e inflações) e social (atenção para as classes de renda baixa e média). Um ponto fundamental agora é a “quarta agenda”, referente aos serviços públicos de qualidade, como foi exclamado nas manifestações do ano passado. Mesmo que estes protestos não tenham efeito direto nas votações, eles trouxeram à tona a insatisfação com serviços como educação, saúde, transporte.

"Apoio soma peso, porém não quer dizer que os 20% de votos de Marina vão para quem ela apoiar"

Cacife obrigatório na segunda etapa da corrida presidencial, o apoio da ex-senadora Marina Silva é sinônimo de uma transferência de votos expressiva, provavelmente decisiva, projetam os analistas. Com pouco mais de 20% dos votos válidos, Marina somou quase 22 milhões de eleitores.

– É um peso expressivo. Marina é capaz de transferir para um candidato uma base de no mínimo 60%. Então, acredito que ela tenha um peso substantivo para transferência de votos – ressalta o professor de Antropologia Bernardo Kocher, da UFF.

A importância de se obter esse apoio pode ser medida pelos trunfos utilizados pelos candidatos para mediar esse acordo: de um lado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai tentar trazer o apoio para os petistas; do outro lado, o ex-presidente Fernando Henrique vai buscar o apoio aos tucanos. Aécio conta também com a ajuda de Geraldo Alckmin (PSDB), que vai tentar fazer essa ponte com lideranças do PSB, através de seu vice, Márcio França (PSB), que é do partido. Diferentemente das últimas eleições presidenciais, Marina já deixou claro que não vai adotar a neutralidade.

Para o historiador Daniel Pinha, do Departamento de História da PUC-Rio, a candidata já sinalizou uma tendência a apoiar o tucano:

– Parece-me que não tem nada que a presidente possa fazer para conseguir o apoio de Marina. Justamente pela oposição de Marina ao PT e pela grande troca de ataques entre as candidatas, Aécio só precisa esperar.

O PSB, porém, pode não acompanhá-la. O professor de sociologia da PUC-Rio Antônio Carlos Alckmin avalia que Marina pode não escolher um candidato para apoiar, e pondera que as diferentes posições dentro do PSB dificultam um prognóstico:

– O PSB tem posições diversas dentro do partido. O presidente do PSB (o ex-ministro Roberto Amaral), por exemplo, tem uma inclinação para apoiar Dilma. Já o vice tem inclinações para apoiar o Aécio. Não há uma posição única dentro do partido.

O professor de História Maurício Parada, da PUC-Rio, concorda:

– De algum modo, a apoio pessoal (de Marina) talvez vá para Aécio. Já quanto ao apoio do PSB, do partido e de toda a coligação, pode ir para o PT, já que costumam ser aliados. Há uma negociação para acompanhar, que poderá resultar em transferência de voto.

Romero Jacob pondera que o apoio de Marina a um candidato do segundo turno não significa a transferência de votos de seus eleitores:

– Os políticos que ficam em terceiro e quarto lugares costumam recomendar que seus eleitores votem em A ou B, mas não são transferidos todos os votos. Claro que o apoio soma peso, porém não quer dizer que os 20% de votos de Marina vão para quem ela apoiar.

Ao mesmo tempo, no segundo turno há uma desmobilização dos candidatos a governador, deputado federal e estadual já eleitos:

– No Rio, Aécio e Dilma vão poder contar com a mobilização de Pezão e Crivella, porque estes continuam na luta do segundo turno. Mas em estados onde as eleições estão fechadas, a tendência é diminuir a mobilização dos políticos já garantidos. Claro que se posicionarão publicamente a favor de um dos candidatos, mas não haverá mobilização maior que esta – observa Romero Jacob.

 Valter Campanato/Agência Brasil O cientista político Ricardo Ismael destaca que estas eleições foram marcadas pelos eleitores voláteis, que ao longo de toda a campanha oscilaram entre os candidatos da oposição: “Esse eleitor volátil que pode fazer a diferença no segundo turno”.

Para Parada, a virada de Aécio Neves sobre Marina Silva não foi exatamente uma surpresa.

– Aécio, nos últimos dias, mostrou que chegaria ao segundo turno. Acho que subestimaram as pesquisas, ficaram desatentos. O que surpreendeu foi a diferença relativamente estreita entre o candidato tucano e a candidata petista (8%). As urnas exerceram uma perspectiva de mudança.

O papel dos governadores na disputa presidencial

Os governadores eleitos também podem ter papel decisivo na definição do segundo turno. Em São Paulo, estado com o maior eleitorado do país, Aécio se fortaleceu com a vitória folgada de Geraldo Alckmin (PSDB), ainda no primeiro turno.

– Com certeza essa vitória é muito importante. A concentração de eleitores em São Paulo define as eleições. Então, se o estado inteiro decide votar em  Aécio, ele está eleito. O problema é que aí não se respeita a diferença dos estados. O presidente vai governar para o Brasil todo, não para um só estado – opina Daniel Pinha.

Por outro lado, o tucano sofreu um revés em seu próprio estado, Minas Gerais, onde Fernando Pimentel (PT) acabou desbancando o tucano Pimenta da Veiga (PSDB) ainda no primeiro turno. Aécio não obteve a maioria dos votos no estado, como esperado. Visivelmente, a disputa no Sudeste foi acirrada:

– O Sudeste foi dividido, foi um “dois a dois”. Em São Paulo, o PSDB é realmente muito forte, mas Aécio não é tão do Sudeste assim, perdeu em Minas, por exemplo – explica Daniel.

No Nordeste, onde Dilma teve votação expressiva (37,8% do total dos votos da presidente), ganhando em oito dos nove estados (em Pernambuco, venceram Marina e o PSB de Eduardo Campos), o PT tem dois dos seus três governadores eleitos em primeiro turno: Rui Costa (PT) na Bahia e Wellington Dias (PT) no Piauí. A campanha na região onde tem o apoio da maioria dos eleitores deve se intensificar. Para Pinha, será difícil para Aécio reverter este favoritismo:

– A força do PT no Nordeste é grande pela presença do estado depois de muitos anos, ou seja, é a questão dos governos locais. Não é só Dilma, é o governo do PT, que atinge diretamente os problemas do Nordeste. E vejo eleitores de Marina votando em Dilma. Wilson Dias/Agência Brasil

Para Parada, o grande desafio de Dilma é preservar a base de apoio, para que não se rache de forma violenta – especialmente em relação ao apoio do PMDB; enquanto Aécio deve ser mais agressivo e conseguir a parceria pessoal de Marina, além de outros grupos de apoio.

O cientista social Antônio Carlos Alckmin, do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, ressalta o alto índice de abstenções e de votos em branco e nulos no primeiro turno:

– Não podemos deixar de fazer uma avaliação sobre este alto nível de abstenção. Só no Rio de Janeiro, esse número representou 30%. Em São Paulo, essas taxas também foram altas. Já era de se esperar que nesta eleição a participação seria menor; o inesperado foi isso acontecer em um primeiro turno. Normalmente é o segundo turno que apresenta menor participação, por oferecer menos opções.

Para Kocher, por sua vez, há um universo de eleitores que no segundo turno pode se mostrar mais incentivados a votar, junto aos indecisos do primeiro turno e aos eleitores de Marina: “Creio que o peso dos indecisos vai ser importante, e talvez reverter essas abstenções regionais”.

No Rio, Pezão enfrenta Crivella

No Rio de Janeiro, a disputa ao governo apresentou um resultado inesperado no primeiro turno. Ainda que as pesquisas indicassem um futuro pleito entre Pezão e Garotinho, foi Crivella quem passou ao segundo turno. O candidato do PMDB teve 40,57% dos votos válidos, contra 20,26% do candidato do PRB. Mesmo com números favoráveis ao PMDB, o segundo turno deve ser mais acirrado, pois muitos eleitores podem escolher votar nulo, em branco ou se abster de votar. Ainda há a questão religiosa que envolve Crivella e é um fator fundamental para essa disputa, pois por um lado pode afastar alguns eleitores pelo medo de envolver política e religião e por outro pode atrair o voto dos evangélicos.

Autor do estudo Religião e Território no Brasil: 1991/2010, Romero Jacob vê um grande desafio a ser superado por Crivella: sua ligação com a Igreja Universal do Reino de Deus tende a aumentar o índice de rejeição a sua candidatura, “uma mistura de púlpito com palanque”. Já Pezão teria como missão mostrar os feitos de seu partido durante o mandato, e propor a continuidade.

O professor Antônio Carlos Alckmin destaca a superioridade numérica de Pezão, mas alerta que isto por si não lhe garante a vitória:

– Acho que ainda não está definido. Pezão saiu com 40,57% dos votos, que representam quase o dobro que Crivella conseguiu (20,26%). Essa representatividade numérica é forte, mas Crivella pode contar com o apoio de Garotinho e talvez até de Lindbergh (PT), o que trará certa complicação para Pezão.

De acordo com Pinha, se os eleitores de Pezão não mudarem de ideia, ele precisará de apenas mais 10% dos votos, mas o desafio agora é angariar os eleitores de Garotinho. Por outro lado, ele diz que Crivella continuará sua campanha com a mesma ideia de menos ataques e mais propostas: Fernando Frazão/Agência Brasil

– O desafio de Pezão é conseguir os eleitores de Garotinho, que são muito fiéis. Ele deve se sustentar com o fato de precisar apenas de 10%, contando também com a máquina eleitoral. Porém, acho que a distância vai diminuir e o Crivella virá com força, se conseguir apoio de Garotinho, mesmo que ele ainda carregue o estigma da igreja universal. Para o segundo turno ele deve continuar investindo em campanhas de menos ataques e mais propostas. O grande fator de disputa será que agora o índice de votos brancos, nulos e abstenções que tende a ser grande, o que pode acirrar mais a disputa.

Romero Jacob reforça que o fator religioso pode ser um ponto contra Crivella, uma vez que parte da população se apresenta contrária à mistura de religião e política. Explica também como o passado de Garotinho o tirou da disputa:

– Existe uma rejeição também a Crivella por ser bispo licenciado da Igreja Universal. O fato de misturar religião com política tende a trazer uma rejeição a esse tipo de candidato. Mas a rejeição de Crivella poderá levá-lo a uma perda devido à mistura o púlpito (local onde os padres se posicionam na igreja) com o palanque (local dos discursos políticos). No caso de Garotinho, a rejeição foi pelos governos dele e de Rosinha – explica.

Ismael reforça que, mesmo com a diferença de porcentagem entre os dois candidatos, a disputa será acirrada. Para ele, a chegada de Crivella ao segundo turno foi inesperada, e já representa para o partido uma vitória.

– A disputa será mais acirrada. Para Pezão, Crivella é um adversário mais difícil, mas Pezão tem um eleitorado mais favorável. Para Crivella, chegar ao segundo turno já é um grande feito, e ele provavelmente vai tentar garantir apoio do Garotinho e de Lindberg. Como trunfo, Crivella tem o voto dos evangélicos, e quer captar aqueles que avaliaram negativamente o governo de Cabral. Se a disputa fosse com o Garotinho, ele teria uma vantagem pelo alto índice de rejeição do candidato do PR. Mas, com Crivella, ela terá de adotar uma estratégia diferente.

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