Jana Sampaio - aplicativo - Do Portal
26/01/2015Reflexo da falta de chuvas desde o início do ano passado e do baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste, responsáveis por 70% do consumo de energia do país, a ameaça de racionamento e de apagão bate à porta. Com custo até 50% superior ao das hídricas, fora a fatura ambiental, as térmicas têm sido usadas como forma de evitar a falta de abastecimento. A soma entre a seca histórica e lapsos de gestão desagua na necessidade cada vez maior do que os engenheiros chamam de eficiência energética. Significa, simplificadamente, aproveitar o máximo da energia a um custo mínimo. Na ponta do lápis, representa uma economia equivalente ao gerado por Itaipu, calculam especialistas.
A recomendação desdobra-se em dois benefícios essenciais ao consumidor: a) aliviar pelo menos parte dos aumentos na conta de luz, cujo reajuste médio ficou em torno de 17% no ano passado e pode ultrapassar os 20% em 2015, para compensar parte do socorro de R$ 17,8 bilhões do governo ao setor e reforçar os ajustes nas contas públicas anunciados pelo ministro Joaquim Levy; b) reduzir a chance de racionamento e de apagão, possibilidade já admitida pelo Planalto, que, em meio à corrida eleitoral, resistia a admiti-la, apesar do alerta dos analistas do cenário energético nacional.
Com a intensificação da crise hídrica (a queda drástica do volume das principais reservas do Sudeste, como o Sistema Cantareira, enxugou em 76% o estoque da água para abastecer 20 milhões de pessoas, na Grande São Paulo) e consequente aumento do risco de apagão, como o que atingiu 11 estados e o Distrito Federal no início do ano, a tal eficiência energética ganhou o relevo de bote salva-vidas. Consultados pelo Portal, especialistas ensinam como aplicá-la nas residências, ou seja, como manter o uso eficiente de energia sem perda de produtividade e de conforto (veja o quadro no fim do texto). O engenheiro Delberis Lima, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da PUC-Rio, aposta no casamento entre racionalização e bonificação:
– Neste cenário, é ainda mais importante estimular a redução do consumo, o consumo inteligente, mas não com a imposição de multas para quem não atingir uma meta. Talvez seja melhor a implantação de outros mecanismos, como dar bônus para quem diminuir a conta – sugere.
Racionalização é o mantra da cartilha do consumo eficiente dos recursos elétricos. Significa, simplificadamente, usar mais por menos. Assim faz o empresário Hilton Ferreira, diante da perspectiva de reajustes extras das tarifas de energia: “Isso não é sacrifício, mas uma forma de colaborar com o país e com o bolso”.
– Sempre busquei gastar o mínimo. Claro que, diante do aumento da conta, é preciso ter ainda mais atenção com o consumo. Todos nós podemos economizar de alguma forma. Se a população não tiver essa consciência, vai chegar um momento em que não será possível abastecer todo mundo, como já acontece em São Paulo – alerta.
Segundo especialistas em consumo energético, medidas simples podem reduzir a conta de luz emk até 10% mais. Por exemplo, apagar a luz ao sair do ambiente, tirar os aparelhos do modo de espera (stand by, que responde por cerca de 8% do consumo de energia) e reduzir o tempo de banho no chuveiro elétrico. Tais cuidados incorporam-se ao no dia a dia da assistente social Meiry Mota (foto). Desde o racionamento de 2001, ela passou a adotar o consumo eficiente:
– Com aquele racionamento, houve uma mudança de comportamento por parte da população. A responsabilidade aumenta de acordo com o nosso nível de conscientização do problema. Com medidas simples, é possível perceber uma redução real na conta – constata.
Mesmo depois do racionamento, Meiry continuou com a política de desperdício zero. “Troquei as lâmpadas incandescentes por fluorescentes e a tirei os aparelhos de stand by”, conta.
Na avaliação da assistente social, campanhas de incentivo ao consumo racional mostram-se essenciais às mudanças de hábito. “Se o governo quer manter diálogo com a sociedade, as campanhas funcionam de forma esclarecedora. É uma maneira de educar o cidadão de forma constante, como aconteceu nas ações publicitárias da Lei Seca”, compara.
A educação sobre o consumo energético passa também pela universidade. A PUC-Rio criou o curso de Eficiência Energética dentro da graduação de Engenharia Elétrica. O professor Souza Castro, idealizador do projeto, justifica: “É preciso que os alunos saibam o que é eficiência para que possam atuar melhor na área”.
Especialistas cobram critérios técnicos no setor
Descartado pelo governo no fim do ano passado, mas já moderadamente admitido pelo primeiro escalão do Executivo, o racionamento e a dependência das termelétricas expõem a instabilidade acentuada desde o ano passado no setor. Num cenário pessimista, o Palácio considera a possibilidade de as represas de São Paulo secarem em cinco meses. No estado, cerca de 2,1 milhões de moradores – um em cada vinte habitantes – já tiveram de racionar de água. Outros tantos recorreram a poços artesanais, alguns improvisados. No Rio, moradores de bairros da Zona Oeste confrontam-se com a rotina de caminhões-pipa e de escavações de poços.
Especializado no planejamento de sistemas elétricos de potência, Lima pondera que a decisão sobre racionamento é conduzida na esfera política, porém baseada em estudos técnicos. “O risco de corte de energia é medido por especialistas, mas a decisão se vai haver a contenção é do governo”, observa o professor. Apesar de a chance de corte de energia ser seis vezes menor do que em 2001, devido à construção de termelétricas pelo país, a falta de um critério objetivo para determinar “sua a real necessidade”, avalia ele, é um complicador. Para o especialista, a decisão deveria ser inteiramente técnica:
– A falta desse critério faz com que o governo possa interferir e influenciar a decisão devido ao cenário político. Isso acaba criando um impasse entre governo e especialistas.
As incertezas levam à proposta de reduzir a demanda energética entre 5% e 10%. Para o engenheiro elétrico Reinaldo Souza Castro, a medida remonta à exigência de diminuir em 20% o consumo durante o racionamento de 2001. A determinação somaria-se aos esforços voltados à eficiência energética, ou, em outras palavras, ao desperdício zero. Esforços que, de acordo com Souza Castro, equivalem ao volume gerado por uma Itaipu, a maior usina hídrica do mundo.
– A ideia é, basicamente, não desperdiçar. Para mim, a eficiência energética é mais importante até que o uso das térmicas, pois corresponde a um gerador virtual. Temos uma Itaipu em eficiência energética. Ou seja, se todos ficassem eficientes, sem sofrimento nem passando calor, usando com racionalidade a energia, é como se estivéssemos gerando uma Itaipu – coteja.
O professor recorda que, seis meses depois do fim do racionamento em 2001, os brasileiros ainda apresentavam hábitos mais racionais associados ao consumo de energia. A eficiência energética enfrenta, no entanto, vários obstáculos, desde os minguantes recursos do Programa Nacional de Combate ao Desperdício até o certo desinteresse do governo, que, ainda segundo Castro, vê na medida “algo perigoso”.
– Nos meios políticos, a resolução soa como preparativo de corte de energia, e não conscientização. Só que essa é uma forma de o consumidor ajudar o sistema elétrico e o próprio bolso. O máximo que tem sido feito por distribuidoras como a Light é uma propaganda sobre eficiência energética na rádio. Eles estão falando para pessoas como eu, que já têm uma consciência. É preciso comunicar à população em geral – sugere.
Na avaliação do professor do Departamento de Engenharia Elétrica da PUC-Rio Alexandre Street, a necessidade de racionamento é comprovada com estudos da PSR Consultoria, que demonstram ser economicamente mais interessante para a sociedade implementar algum procedimento de redução de consumo, ainda que por incentivo de preços, como ocorreu em 2001. Castro acrescenta que campanhas de conscientização sobre a necessidade de redução do consumo já deveriam ter sido lançadas pelo governo. Até porque, argumenta, tais ações “são fundamentais para que a dívida da União com os bancos públicos e privados não ultrapasse os atuais R$ 22 bilhões".
– Os resultados apresentados pelo governo descrevem um cenário completamente desconectado à realidade do sistema. Os dados e a metodologia utilizados dizem não haver necessidade de racionamento, com riscos de déficit inferiores a 5%, mas são contraditórios e incompatíveis com os dados utilizados para se operar o sistema no seu dia a dia – opina.
Energia deve ser pensada como outro produto qualquer
O governo federal anunciou, em 2013, uma redução em 20% na conta de luz. Somado a isenções tributárias para supostamente estimular o mercado interno, o incentivo, em vez de reduzir o consumo energético, serviu como combustível para a compra de eletrodomésticos. O uso doméstico de energia disparou. Para Lima, o conceito de eficiência do lar teria melhores resultados, acredita ele, com “uma sinalização do preço” ao consumidor. “Alinhar o preço da energia elétrica com a tarifa é uma medida que pode ser explorada”, propõe.
A tarifa de energia terminou 2014 17% mais cara, em média. Acrescido o reajuste extra programado, o salto pode passar dos 20%. A fatura decorre dos "esforços" para acertar as contas públicas, anunciados pelo ministro Joaquim Levy como imprescindíveis à retomada do crescimento, e do gasto do governo referente ao acionamento contumaz das termelétricas feito pelas distribuidoras desde o ano passado. Devido à escassez de chuvas e o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, principais componentes da matriz energética nacional, o governo fez empréstimos a bancos públicos e privados para socorrer as distribuidoras, obrigadas a recorrer às térmicas, mais caras e mais poluentes. Os empréstimos, da ordem de R$ 22 bilhões, serão repassados às contas de luz até 2017. Na opinião de Lima, o aumento da tarifa deve forçar a redução de consumo:
– As campanhas têm algum efeito na diminuição do consumo, mas o aumento do preço da tarifa continua sendo o maior estímulo. Aprendemos muito com o racionamento no início dos anos 2000. As pessoas sabem como reduzir o consumo, mas não o fazem porque não impacta o bolso.
Como equilibrar o consumo de energético no dia a dia Enquanto o governo ainda claudicava sobre a necessidade iminente de racionalização de energia, a Secretaria de Saneamento e Energia de São Paulo (Sabesp), a concessionária de abastecimento Light e a PUC-RS lançaram manuais para reduzir a conta de luz. O Portal reúne dez recomendações básicas para o consumo eficiente: • Substitua lâmpadas incandescentes por fluorescentes, que consomem até 30% menos e duram mais. • Apague as luzes quando não tiver ninguém no ambiente. • Evite banhos demorados e em horários de pico, das 18h às 21h. • Ao ensaboar-se, desligue a torneira do chuveiro. • Coloque o chuveiro na posição “verão” nos meses de inverno. • Não deixe aparelhos como computador, televisão, cafeteira e micro-ondas em stand by (ligados na tomada fora do período de uso). • Ao comprar lâmpadas e eletrodomésticos, dê preferência aos que possuam o Selo Procel de economia de energia (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica). • Ligue o ar-condicionado mais tarde e desligue mais cedo do que o normal. • Intercale o ar-condicionado com o ventilador. • Junte grande quantidade de roupas e passe/lave de uma só vez. |
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