Júlia Cople, Juliana Reigosa e Marcela Henriques - aplicativo - Do Portal
08/08/2014O mais recente capítulo do embate entre Israel e Palestina, deflagrado pelo sequestro e morte de três jovens israelenses (Naftali Frankel, Gil-ad Sha'er e Eyal Yifrach) na Cisjordânia e a consequente retaliação militar, no mês passado, já soma mais de mil mortos e centenas de feridos, a maioria deles civil. Em meio à tensão aguda entre o grupo islâmico Hamas e o governo israelense, em meio às acusações de terrorismo e de violência desproporcional, em meio às cartadas diplomáticas e ao apelo frustrado das Nações Unidas para um cessar-fogo imediato e incondicional, autoridades, estrategistas e analistas internacionais tentam dimensionar as implicações deste incêndio não só em torno das fragilizadas negociações de paz, mas de impactos políticos e econômicos no entorno da Faixa de Gaza – Egito, Iraque, Síria, Irã. Embora apoiem a diplomacia, eles apontam caminhos divergentes para apagar este incêndio cuja extensão das labaredas não se ousa precisar.
O professor de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) Bernardo Kocher considera ainda tímida a mobilização da comunidade internacional voltada à solução diplomática. A iniciativa é, para o especialista, monopolizada por americanos e europeus, o que se mostra insuficiente para estancar o confronto:
– Não se vislumbra no cenário internacional uma multipolarização de intervenção para resolver o conflito. Israel se coloca como vítima, polariza, recebe armas dos EUA. Este conflito é ferida aberta na política internacional. Não vejo quem possa intervir para colocar ponderações e limitar a brutalidade do conflito – avalia, em tom cético, o docente.
O professor de Relações Internacionais e História do Centro Universitário La Salle (UniSalle) Rafael Pinheiro reforça o diagnóstico de pressão "modesta" da comunidade internacional voltada à solução pacífica. Se a pressão externa seguir "branda", o analista teme uma nova Intifada (revolta popular de palestinos contra a ocupação israelense):
– As declarações (da comunidade internacional) são tímidas, buscando colocar palestinos e israelenses em “pé de igualdade” nesse conflito. Talvez essa tímida postura das grandes potências possa contribuir para uma radicalização da ofensiva israelense, algo que exacerbará as tensões e poderá levar a uma nova Intifada – projeta.
A primeira Intifada remonta a 1987 e a segunda, a 2000. No entanto, a perspectiva de uma terceira Intifada revela-se precipitada, acredita o professor de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) Flávio Limoncic:
– As Intifadas de 1987 e 2000 foram levantes populares palestinos contra a ocupação israelense, principalmente na Cisjordânia. O conflito ora em questão envolve principalmente o Hamas e outros grupos militarizados palestinos. Até o momento, a participação popular não tem sido expressiva, o que não quer dizer que não venha a ser – pondera.
Kocher também considera precoce falar-se em novo levante popular palestino, mas reconhece: a perspectiva está longe de ser exagerada. Até pela complexidade de forças envolvidas no xadrez geopolítico alusivo aos Estados de Israel e da Palestina, justifica o professor.
– As Intifadas foram movimentos autônomos. O Hamas não tinha a força que tem hoje e não existia a Autoridade Palestina. Eles mesmos não têm interesse, eu acho, em lutar fora das políticas que balizaram. Do ponto de vista popular, a opressão é grande, então tudo é possível, porque cenário é muito conflituoso – ressalva.
A complexidade do conflito Israel-Palestina, cujo olho do furação pulsa na Faixa de Gaza, exige o entendimento não só dos capítulos pregressos e dos assimétricos movimentos no tabuleiro de negociação, mas das forças políticas da região. Segundo o professor de Relações Internacionais da PUC-RJ Fernando Brâncoli, para compreender as dinâmicas da violência em Gaza, deve-se expandir o olhar para o entorno também. Ele cita o exemplo da Cairo, com a derrubada da Irmandade Muçulmana e a chegada do general Al-Sisi, que fez o Hamas perder um poderoso aliado.
As distensões geopolíticas em torno do controle da Palestina são milenares. Remontam ao fim do século XIX, quando os sionistas lideravam a volta dos judeus à Terra Santa e a criação do Estado de Israel, formalizado só em 1948, depois de diversas disputas entre judeus e árabes dos países vizinhos, como Egito, Jordânia e Síria. Apesar da mediação da ONU, os impasses desaguaram em sucessivos confrontos, desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e o sequestro de 11 atletas israelitas na Olimpíada de Munique, em 1972, até as duas Intifadas (1987 a 1993 e 2000 a 2005) e o esgarçamento do conflito entre Israel e o Hamas, grupo vitorioso nas eleições parlamentares da Autoridade Palestina, em 2007. O Hamas, que controla a Faixa de Gaza, não é reconhecido nem pelo governo israelense, nem pelo grupo opositor Fatah, que controla a Cisjordânia.
Esse amálgama de forças em tensão permanente e a transigência rarefeita contribuem para uma contabilidade que extrapola os cerca de mil civis mortos e outros tantos feridos só nos episódios recentes, iniciados há aproximadamente um mês. Somam-se milhões de refugiados, fora as rotinas sacrificadas por ataques frequentes e restrições de recursos na área. Um cenário pouco ou nada mudado com o reconhecimento da Palestina, em 2012, como estado não-membro da ONU, status equivalente ao do Vaticano. As acusações de terrorismo e de uso desproporcional de força põem mais gasolina numa fogueira que há décadas desafia o arsenal diplomático. O professor Rafael Pinheiro integra a corrente dos que consideram uma "guerra dos desiguais", referindo-se ao poderio militar de Israel em relação ao adversário, o que, segundo ele, "tende a aumentar a revolta dos palestinos". Por outro lado, o governo israelense nega a aplicação de força desproporcional, ao alegar que esta é uma característica dos atos terroristas pelos quais responsabiliza o Hamas.
Na quarta-feira passada, a Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Navi Pillay, denunciou que os ataques israelenses contra Gaza podem constituir crimes de guerra pela forma como ambulâncias, hospitais e escolas estão sendo atacados, e pelo nível de sofisticação do Exército israelense e do armamento do qual dispõe. Depois de reuniões de emergência e apelos para cessar-fogo ao longo da semana, a ONU viu a esperança de trégua esfarelar-se por um ataque, na manhã desta quarta-feira, a uma das escolas mantidas pelas Nações Unidas em Gaza. Israel argumenta que os disparos dos tanques foram uma resposta às bombas lançadas por integrantes do Hamas. Por enquanto, 19 refugiados juntaram-se ao já expressivo volume de mortes.
Seria prematuro avaliar até que ponto o ataque à escola se constituiria no impulso que falta para, como preconiza boa parte dos analistas, uma mobilização mais maciça da comunidade internacional em torno da paz. A exemplo do Brasil, Chile e Peru chamaram para consulta os embaixadores em Israel. Ao reverberar fora do Oriente Médio, o choque árabe-israelense pode até influenciar a opinião dos eleitores americanos e, assim, mudar a atitude do Congresso dos EUA quanto a essa questão, acredita o professor Gunther Rudzit, doutor em Ciências Políticas.
– A escalada da violência pode levar o eleitor americano a reavaliar o apoio a Israel. Com isto, Tel Aviv pode se ver forçada a negociar mais seriamente a criação do Estado Palestino em futuro não tão distante – especula o analista.
Visões diferentes de um mesmo conflito
Para dissipar o risco de avaliações simplistas e equivocadas sobre o embate centenário, a professora de Política Internacional no Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, Beatriz Bissio, especialista no assunto, recomenda entender a origem política do conflito. A nova onda de confrontos, observa, é "consequência da luta pela terra e pela soberania de um povo que, de 60 anos para cá, está ligada ao domínio estruturado de um Estado independente".
– Como não há vontade política da comunidade internacional em fazer um acordo com a justiça para o povo que há 60 anos está vendo seus direitos sonegados, vez por outra continuam o conflito e o derramamento de sangue – avalia.
Beatriz, que é chefe do Departamento de Ciência Política da UFRJ, esteve mês passado na Palestina. Mesmo sem autorização para entrar na Faixa de Gaza, testemunhou os sacrifícios dos moradores da região para superar restrições, por exemplo, de água e alimentos:
– Estive na Cisjordânia, onde as situações são extremas, como a falta de água. Entre outras autoridades, me encontrei com o governador árabe da parte mínima de Jerusalém oriental, que hoje está sob autoridade árabe-palestina. Disse que eles praticamente não controlam mais a água da região, pois Israel faz isso. Também não controlam as fronteiras, sob controle de Israel – relata.
A historiadora conta que subiu no prédio mais alto de Ramallah, na Cisjordânia, onde funciona um restaurante com visão de 360 graus. De qualquer ponto, ela via assentamentos israelenses em território palestino da Cisjordânia:
– Nesses assentamentos a segurança é assegurada por militares de Israel, com a bandeira do país no meio de território palestino, o que pode ser considerado um acinte – opina – Encontrei um espaço com arame farpado e com uma bandeira estrangeira onde não há como entrar, nem sair. Sem falar no muro alto e extenso que divide toda a Cisjordânia. Diariamente, milhares de palestinos atravessam para irem trabalhar em Israel.
Beatriz encontrou-se com o embaixador do Brasil na Palestina, Paulo França, que, segundo ela, convidou um voluntário catarinense numa missão de solidariedade na área para contar o dia a dia por lá. Ainda de acordo com a professora, o jovem disse que, todos os dias, a partir das quatro da manhã, os voluntários se aproximam do muro, nos “checkpoints”, para ajudar que a passagem dos palestinos ficasse livre de constrangimentos. "Mulheres são apalpadas, obrigadas a assumir certas posições ao serem revistadas", exemplifica a historiadora, com base no relato do voluntário.
A restrição de recursos e da circulação de pessoas na fronteira decorre da falta de reconhecimento do Hamas, acusado de terrorismo, por Israel. Com o bloqueio, ressalta Beatriz, os palestinos convivem com a escassez de água e de energia (há cortes regulares de eletricidade) e com o desemprego, sobretudo entre os jovens.
Por outro lado, o presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), Mário Fleck, atribui ao Hamas os efeitos danosos da disputa em Gaza, área que, ele faz questão de frisar, não representa interesse econômico para Israel. Fleck argumenta que alguns países já propuseram acordos diplomáticos, porém o Hamas "nunca aceita a trégua".
Embora concorde com Beatriz sobre as raízes históricas e complexas do conflito árabe-israelense, o presidente da Fisesp avalia que uma incapacidade de convivência e de confiança faz imperar um processo de ataques e contra-ataques. Apesar das dificuldades pontuais e crônicas no caminho das negociações de paz, afogadas em impasses, a historiadora mantém a fé na tolerância. O diretor da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Emir Mourad, considera o conflito "cruel e bárbaro", o que enfraquece a construção do entendimento:
– O conflito é aguçado por massacres contra o território palestino, na Faixa de Gaza. Acreditamos que essa situação mostra que Israel não quer fazer a paz, com os palestinos e com os árabes.
Mário Fleck confia, no entanto, que "se o Hamas deixar de lado a intenção de aniquilar o Estado de Israel e começar a construir um Estado com infraestrutura, com escola, universidade, hospital, fábrica e emprego", Israel abrirá "um processo de convivência, conforme sentir confiança e reciprocidade". Tal processo, reitera Beatriz, depende também da vontade da comunidade internacional:
– A sociedade civil internacional poderá ser a protagonista desta mudança, como aconteceu quando houve um clamor, particularmente nos Estados Unidos e mais também do mundo, para o fim da Guerra no Vietnã – compara.
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