Princesinha do mar, coração da Zona Sul, balneário do Brasil... Muitos são os nomes usados para apelidar um dos destinos mais famosos do mundo: o bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Apesar de diferentes, os títulos partilham algo em comum: a construção do mito Copacabana, associado à praia, as moças de biquíni e ao famoso calçadão. Para explicar esse poder de representação do bairro, Stella Kaz escreveu o livro Um jeito Copacabana de ser, (Editoras PUC-Rio e Reflexão), a partir de sua tese de doutorado em design.
O livro trata da Copacabana que vai além do bairro e se transforma em signo presente no imaginário coletivo, não só no Brasil como no mundo. Por meio do padrão gráfico da calçada bicolor, Stella analisa o processo de atualização do símbolo em imagens de consumo. Para ela, o mito Copacabana virou produto, estilo, imagem.
– A publicidade percebeu o quanto todo mundo gosta do bairro e associou os anúncios à imagem do calçadão. Há copacabanas pelo mundo inteiro. Estão usando o conceito de Copacabana como um lugar de alegria, de sensualidade, de liberdade, para valorizar seus produtos – completa.
A autora explica que tal simpatia surgiu nas décadas de 40 e 50, período de maior popularização do bairro e consagrado como a época de ouro de Copacabana. A expansão dos meios de comunicação, com o início das transmissões de rádio e a distribuição nacional de impressos, durante o Estado Novo, contribuíram para essa construção da imagem do lugar como um verdadeiro paraíso tropical.
Para exemplificar esse poder de representação da mídia, Stella escolheu dois objetos: O Cruzeiro, que foi a revista de maior circulação da história do Brasil, e Sombra, revista sofisticada e pouco conhecida atualmente, que retratava a alta sociedade carioca. A primeira lida por um amplo público, já a segunda restrita a elite carioca. Linhas editorias discordantes, mas que tinham como uma das pautas mais quentes Copacabana, mesmo que sob diferentes óticas. Com a ajuda da imprensa, acredita a autora, o mito ganhou impulso e cresceu mais rápido: “Sua trajetória exemplifica a evolução da mídia e do consumo”.
Princesinha estereotipada
Retratada como lugar de liberdade e modernidade de costumes, as reportagens sobre Copacabana contribuíram para a construção de estereótipos como o carioca da Zona Sul, que vive na praia, espera ansiosamente pelo verão, pula carnaval com uma caipirinha na mão e ao lado de uma linda mulata. A caricatura acabou se firmando com o passar dos anos e, mesmo que não esteja de acordo com a realidade atual, a imagem permanece associada ao bairro. “Isso e tão forte que, mesmo tendo perdido o lugar de glória, ela não perdeu a importância. O imaginário sob Copacabana é muito forte”, defende Stella.
Apartamentos e vida na rua
Segundo a autora, o tom de mitologização perpetua-se baseado em um estilo de vida diferenciado. Antes de qualquer outro bairro carioca, Copacabana recebeu os primeiros apartamentos do Rio e, junto com eles, foi inaugurada uma nova forma de pensar e estar na cidade.
– Diferentemente das casas antigas, grandes e no subúrbio, os prédios tinham a parte de serviço e cozinha separados dos apartamentos, em concordância com um estilo de vida em que a pessoa abandonava a vida em casa para viver na agitação da cidade. Iam para um apartamento pequeno viver uma vida “mundana”, uma vida pública, na rua, passeando. Enquanto na Zona Norte o programa era beber leite e dormir, em Copacabana era tomar chope, passear. Era uma vida mais moderna.
Anos depois, o bairro continua a representar uma visão de tropicalidade do Brasil e a ocupar lugar de referência para brasileiros e estrangeiros – como boa parte dos 886 mil turistas que vieram à cidade para a Copa do Mundo. Stella relembra também quando o papa Francisco veio ao Rio, e a missa aberta planejada para Pedra de Guaratiba foi transferida para a Praia de Copacabana. Quando foram anunciadas a Copa e as Olimpíadas de 2016 no Rio, a maioria dos anúncios comerciais de congratulação à cidade tinha o calçadão estampado. “Mais do que signo, Copacabana é uma representação do Rio de Janeiro no Brasil e do Brasil no mundo”, resume Stella.