Mariana Totino e Gabriel Camargo - Do Portal
20/06/2014Construído para a Copa de 1950, o então “Maior do Mundo”, que perdeu este posto e ganhou mais espaço para receber o maior evento de futebol do planeta, se tornou um cartão-postal da cidade e visitado por torcedores de todos os times e de diferentes bairros nas tardes de domingo. Mas para quem mora ao redor do estádio, a relação com o Maracanã vai além de apenas uma tarde de futebol. Desde 12 de junho, porém, os vizinhos do Maraca têm convivido com uma movimentação diferente: uma multidão de torcedores vindos de outros países para assistir aos sete jogos realizados no estádio, incluindo a final da Copa do Mundo, no próximo dia 13 de julho.
No primeiro domingo de Copa, 15 de junho, a disputa entre Argentina e Bósnia, iniciada às 19h, trouxe outros transtornos para circular nos arredores do palco da final do torneio mundial de futebol. O estudante de publicidade da PUC-Rio Caio Santana, de 19 anos, que mora em frente ao Maracanã, conta que antes do meio-dia os visitantes já estavam a postos, agitados e cantando as músicas de torcida. Da janela de casa, o estudante assistia – e ouvia – toda a animação estrangeira ao longo da tarde.
– Em certo momento houve uma confusão, e a polícia soltou bombas gás lacrimogênio. Deu pra sentir da janela – lembra Caio que, apesar dos incômodos, não dispensa a comemoração em testemunhar um evento de grande porte realizado no país: – Não posso negar que eles cantam com vontade e isso é bonito de se ver. É Copa, é a festa brasileira, temos que celebrar!
Morador da Tijuca desde 1983, o aposentado Cláudio Andrade, de 61 anos, reforça o discurso de Caio e diz já estar habituado com torcedores nas redondezas.
– Quem mora perto do Maracanã já está acostumado com bagunça de torcidas e tudo mais. A diferença é que, durante a Copa, os torcedores ficam na rua, é bagunça por mais tempo. Mas é uma experiência legal. Tirando uns probleminhas, não aconteceu nada de ruim aqui. Quem já está acostumado nem liga. Só não gostei dos argentinos: no dia seguinte estava uma zona, cheiro de xixi, muito lixo no chão.
Estagiando no centro de transmissões de imagens da Copa, no Riocentro, ao voltar para casa nesta quarta-feira, 25, três horas depois da partida entre França e Equador, Caio ainda encontrou torcedores pelo local. Mas, para ele, a movimentação estava tranquila, em comparação com outros dias de jogo.
– Normalmente, os torcedores chegam muito antes de o jogo começar e saem muito depois. O único problema que enfrentei hoje foi o acesso à minha casa. Como minha rua foi fechada, o policial não quis me deixar passar por ali. Eu teria que dar a volta no quarteirão. Falei que morava naquela rua, ele resistiu um pouco, mas me deixou passar.
Antigos moradores, desta vez, vão assistir de casa
Moradores de longa data dos entornos do Maracanã mantêm lembranças de momentos históricos vividos no estádio no passado. Em 1950, Albucassis Correa tinha 14 anos e trabalhava como entregador, em seu primeiro emprego, e esteve na final entre Brasil e Uruguai:
– Por ser baixinho, não vi o gol do Giggia que tirou o título do Brasil, mas vi a reação do público. Ouvi o maior silêncio que o Brasil já escutou. Estava na arquibancada da geral, o estádio não tinha o conforto que tem hoje após reforma para receber esta Copa do Mundo, mas comportava 200 mil pessoas, coladas em um espaço físico bem restrito.
Flamenguista, costuma ir aos jogos no estádio a pé – sua casa, na confluência da Tijuca com Praça da Bandeira e Rio Comprido, fica a cerca de quatro quilômetros do estádio. Hoje, com 78 anos, assiste de casa, pela televisão, com amigos, às partidas do Mundial.
Já Maria Ângela Abreu, aposentada de 80 anos, desde 1959 moradora da Avenida Maracanã, uma das três ao redor do estádio, ainda não foi ao estádio desde a sua reforma. Maria Ângela se lembra das muitas obras na Tijuca, por exemplo, a da estação de metrô Uruguai.
– Minhas melhores lembranças no estádio são em eventos especiais, como quando o papa João Paulo II visitou a cidade e o show de Frank Sinatra, ambos em 1980. O bairro é muito bom, mas não sou frequentadora do Maracanã. Chega a ser engraçado: mesmo morando tão perto, não vou aos jogos.
A pensionista Yara Conceição dos Santos, de 70 anos, também não irá ao estádio testemunhar uma das partidas. Ela mora na Rua São Francisco Xavier há 51 anos, e não troca o endereço por nada. Quando chegou ao bairro, o filho tinha dois filhos: um com três anos, outro com cinco. Hoje, tem netos de 25 e 30 anos, também criados ali.
– Meu marido é que costumava ir ao estádio. Com a morte de um filho meu, nem mesmo decorei a janela com bandeirinhas. Adoro o local. A única coisa ruim aos domingos é que não passam ônibus em frente ao Maracanã.
Com a Copa, os bairros da Grande Tijuca precisaram, assim como o estádio, passar por uma reforma. O vendedor Domingos Ponso Filho, de 62 anos, que há 12 mora na Rua Professor Eurico Rabelo, também endereço do estádio, costuma andar oito quilômetros todos os dias ao redor do estádio. Ele vive no dia-a-dia as mudanças no local:
– Percebo que o trânsito na região não está melhor, não ampliaram as vias, por exemplo. Não houve melhorias – destaca.
Para Jane Lasser, atendente da cooperativa Maracatáxi, localizada na mesma rua, a poucos metros do estádio, as medidas tomadas em dias de jogo só pioraram o trabalho, e a movimentação de estrangeiros não favorece o serviço dos motoristas:
– Não podemos trabalhar a menos de dois quilômetros do Maracanã. Só atrapalhou, também não temos mais cabine. Antes ficávamos em frente ao portão 10 e agora estamos do outro lado. Também vejo muitos assaltos na região. Aqui, se andar com celular na mão, já era, é roubo na certa. Os assaltos aumentaram muito, porque aqui sabem que é o foco, para onde as pessoas vêm, onde há dinheiro. Para os jogos vai ter policiamento, aí tudo bem.
Já o presidente da associação Grupo dos Amigos do Maracanã, Eneas Garcia, de 70 anos, que mora há pelo menos 30 no bairro, aponta melhorias conquistadas no estádio e para o bairro na preparação para sediar o Mundial
– Costumo ir ao estádio e melhorou acesso. Os visitantes são bem orientados, há maior tranquilidade para levar crianças e idosos, com carrinhos para conduzi-los aos seus lugares. E melhorou a movimentação, o policiamento do local.
Gerente de um bar na vizinhança, na Teodoro da Silva, em Vila Isabel – equipado com uma televisão de 60 polegadas especialmente para exibir os jogos da Copa –, ele lamenta que os estabelecimentos mais próximos do estádio tenham que fechar durante as partidas:
– O acesso proibido aos moradores é um problema. E a proibição de venda de bebidas: todos os bares a um quilômetro do Maracanã precisam fechar – lamenta Enéas, que não acompanhará a esposa e os filhos a um dos jogos da semifinal no Maracanã: – Tenho que trabalhar.
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