“Com que roupa eu vou pro samba que você me convidou?” Assim Noel Rosa evidenciaria uma das principais características do lugar onde viveu. Celebrizado como um bairro boêmio e conhecido como um dos berços do samba, Vila Isabel hoje desafina com a batida da vilência. Assaltos a moradores estão entre as maiores aflições.
Com 81.858 moradores, este recanto histórico da Zona Norte pertence à IX Região Administrativa, que abrange também Andaraí, Grajaú e Maracanã. A área correspondia a uma enorme fazenda chamada Imperial Quinta do Macaco, propriedade do Barão de Drummond. Depois de mudar de nome algumas vezes, recebeu o nome atual, homenagem à princesa Isabel.
O bairro tem a urbanização inspirada nos preceitos urbanísticos franceses. Para a arquiteta Isabela Carriço, isso fica evidente na Boulevard Vinte e Oito de Setembro, com canteiro central e praças que demarcam seu início e fim. “A criação de uma avenida principal larga, que possui vias secundárias paralelas ou perpendiculares, e as alimenta com um forte comércio e outros serviços, expõe um traço francês”, explica. A arquiteta lembra que o próprio nome da avenida ("boulevard") reforça esse legado.
O modelo de organização usado no bairro possibilitou a criação de várias praças, que servem como áreas de lazer e refúgios arborizados. Esta é um dos trunfos do bairro na opinião de Edgar Fortuna, que todos os domingos leva os netos para brincar na Praça Barão de Drummond, no fim da Boulevard Vinte e Oito de Setembro. “Enquanto eles se divertem no parquinho, eu jogo cartas com meus amigos nas mesas da praça”, conta Edgar.
Outro ponto positivo de Vila Isabel é a tradição boêmia. Ainda que tenha menos bares em relação ao passado dourado, o bairro apresenta uma vida noturna sadia e sem indícios de declínio. “Não saio de Vila Isabel por nada. Aqui tem um bar em cada esquina. Não tem lugar melhor”, acredita o morador Manoel Alencar.
A boêmia se reflete também nas calçadas. Na avenida principal, um trabalho feito com pedras portuguesas marca o bairro com partituras de canções famosas, como ‘Abre Alas’, de Chiquinha Gonzaga; ‘Pelo telefone’, de Donga e Mauro de Almeida; e ‘Aquarela do Brasil’, de Ary Barroso.
Noel Rosa dá as boas vindas no começo da Boulevard Vinte e Oito de Setembro, com sua estátua de bronze. E a imponente construção da escola de samba Unidos de Vila Isabel, reformada nos últimos meses, se despede de quem passa pela Vila da boêmia. “É samba de cabo a rabo”, afirma David Pinheiro, morador e componente da bateria. A escola desfila desde 1947 e atrai milhares de pessoas para os ensaios na sua quadra e em ruas do bairro.
Como já cantava Noel, “é cruel, é cruel este contraste que me faz ficar tão triste”. A Vila dos predicados musicais também é a Vila da insegurança. O bairro registra alto índice de assaltos e uma quantidade crescente de população de rua. A insatisfação dos moradores com o quadro de violência fez com que a CET-Rio e o 6° Batalhão da PM fizessem mudanças nas mãos das ruas mais atingidas por crimes e no patrulhamento ostensivo, respectivamente.
Para Elizabeth Melo, a situação melhorou, mas o problema não foi totalmente solucionado. “Os assaltos ficaram menos frequentes, mas ainda afligem a população, especialmente os pedestres”. A expansão da principal favela da área, o Morro dos Macacos, é fonte de preocupação para os moradores.