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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Cidade

Engenhão: legado prometido não entrou em campo

Gabriel Camargo - aplicativo - Do Portal

11/04/2014

 Gabriel Camargo

Se o bairro do Engenho de Dentro ganhou fama na década de 1990 pela música de Jorge Ben Jor, hoje ele já é lembrado pelo Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão. A estação de trem citada pelo cantor, que está lá desde 1873, agora se chama Olímpica, os velhos vagões estão no Museu do Trem, ao lado do segundo maior estádio do Rio de Janeiro. Moradores reconhecem mudanças, mas lembram que poucas promessas foram cumpridas e que o estádio de R$ 380 milhões não trouxe o legado prometido, como praças e centros comerciais, por exemplo.

Quando as obras para a construção do Engenhão iniciaram em setembro de 2003, a promessa da prefeitura era de que ele "traria enormes benefícios à Zona Norte da Cidade, especialmente aos bairros do entorno". Porém, dez anos depois, o estádio fechou para obras em março do ano passado e os moradores do Engenho de Dentro não veem essa evolução no bairro. Para piorar a situação, serão, no total, 18 meses de obras, desta vez para a recuperação da cobertura, que foi apontada como “instável” pelo laudo da Comissão Especial de Avaliação do Engenhão.

A população do bairro, pouco mais de 45 mil pessoas, embora reconheça algumas mudanças nas redondezas, sabe que muitas das promessas não foram cumpridas e, para quem mora no local há décadas, a evolução do Engenho de Dentro não foi tão influenciada pela construção do estádio. Morando e trabalhando desde 1983 na Rua Doutor Padilha, a comerciante Iara Couto, 63 anos, avalia:

– Pelo lado comercial foi ótimo, já para o morador eu não sei. É muita confusão. Quando tinha jogo tinha confusão, briga, correria, as pessoas faziam xixi no muro das casas, era bastante confuso. Quartas, quintas, sábados e domingos, dias de jogos, você não poderia fazer um churrasco em casa, por exemplo. A rua fecha.

 Gabriel Camargo

E ainda lembra as dores de cabeça por conta das obras:

– Foram três anos de obra, de muito pó dentro e fora das casas. Aqui, por exemplo, eu, minha mãe e minha irmã tivemos bronquite durante as obras. Depois ainda fecharam as ruas para a troca da tubulação, mais obras, quando chovia era horrível, alagava tudo, era até perigoso.

No projeto inicial, o Engenhão teria capacidade para receber 60 mil pessoas, mas acabou reduzida para 45 mil. Orçado em R$ 60 milhões, acabou custando R$ 380 milhões aos cofres públicos. Algo muito comum era chegar ao estádio e passar nas barracas em frente às casas e comprar alguma coisa para beber ou comer. Era um comércio já estabelecido na região e que agora, fechado, faz falta para muita gente, como Salomão dos Santos, 37 anos:

– Era uma ótima fonte para fazer uma grana extra, muito boa mesmo, agora estamos na expectativa de voltar logo. Um pessoal da Ambev inclusive distribuiu barracas pra colocarmos em frente às casas e foi ficando um negócio cada vez mais arrumado. É uma pena, já que agora vai fazer um ano sem esse dinheiro. Gabriel Camargo

De acordo com o Censo 2010, o Engenho de Dentro está na 66ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Social realizado pelo Instituto Pereira Passos (avaliação equivalente ao Índice de Desenvolvimento Humano do IBGE), no Rio de Janeiro, com 0,610, em escala que vai de 0 a 1. A Lagoa, que está em primeiro no ranking, tem 0,854 e por último Grumari com 0,277. A variação do índice em relação ao Censo 2000, por exemplo, não foi das melhores: entre 1,14% e 1,46% negativos. Mesmo assim, alguns moradores conseguem ver o lado positivo.

– Eu me mudei para em frente ao Engenhão desde 2010, então não peguei a fase de obras, a poeira que o pessoal reclama. Mas eu ouço falar que melhorou muito, todo mundo vivia reclamando de assaltos e isso mudou, o policiamento é bem maior agora, as pessoas podem fazer caminhadas em torno do estádio também. Mas o principal é a iluminação, antes era um deserto, tudo escuro. Quando alguém roubava um carro, deixava nessa rua aqui, ninguém entrava, hoje está bem melhor pelo que todo mundo fala – comenta Salomão.

Porém, enquanto visitava o bairro para a produção desta matéria, o repórter foi avisado cinco vezes para tomar cuidado com a câmera fotográfica por conta dos assaltos na região. Renata Vieira, 31 anos, que mora no bairro desde que nasceu, avalia a evolução no entorno do estádio parou assim que ele foi fechado no ano passado e a área voltou a ser perigosa:

 Gabriel Camargo

– Quando construíram o Engenhão, o entorno começou a crescer muito, principalmente o comércio, mas depois que fecharam para as obras, tudo fechou também. Agora, a parte que estava valorizando está abandonada. A gente usava muito o estádio para caminhar, era seguro porque tinha muita gente dentro do estádio, hoje a gente quase não usa mais porque os assaltos voltaram. Piorou bastante quando o estádio fechou.

Renata ainda lembra das promessas não cumpridas pela prefeitura que visavam uma valorização maior do entorno do estádio:

– Até teve uma reunião da época com associação de moradores, que iam fazer praça, mas a única coisa que foi feita foi o viaduto que liga o Engenhão à Linha Amarela e a Abolição, ajuda muito. De resto, não foi feito mais nada. Não foi feito praça, o entorno ficou muito ruim, quebraram as ruas todas, não teve nenhuma melhora.

Por meio da assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Obras, a prefeitura informou que o processo de reurbanização do entorno do estádio já começou. A previsão para que as obras do chamado "Passeio Olímpico do Engenhão" estejam prontas é para o segundo semestre de 2016. Outro projeto na região é a chamada "Praça do Trem", que será uma área de lazer construída também ao lado do estádio, onde estão as antigas oficinas de Locomoção do Engenho de Dentro (foto ao lado).

 Gabriel Camargo A praça trará a revitalização de calçadas, novos acessos e uma ciclovia. O projeto ainda inclui a urbanização de 36 ruas pelo Programa Bairro Maravilha Norte no Engenho de Dentro. Além da revitalização da rede de drenagem, projetos de acessibilidade, de paisagismo (que prevê o plantio de 1.219 árvores) e uma nova iluminação pública. Mãe de Renata, Vanda Mendes mora no Engenho de Dentro desde que nasceu, há 50 anos, e não vê muitas mudanças no bairro por conta do estádio.

– Foram dois condomínios novos que construíram, mas o resto continua tudo a mesma coisa. Lazer nenhum. Estava crescendo, mas o Engenhão fechou e parou tudo de novo. Espaço não falta para área de lazer, ninguém faz nada, não tem uma praça para caminhar.

Museu do Trem

O reestruturado Museu do Trem é vizinho do estádio, porém, até mesmo para quem trabalha na região, segue sendo desconhecido. Funcionários da Supervia e vendedores ao lado da estação, por exemplo, não sabiam informar a localização do museu. Se o interior conta com peças importantes da história ferroviária brasileira, o lado de fora não é dos mais convidativos com seus muros pichados. São, aproximadamente, 30 a 40 visitantes diários, mas para o diretor do museu, Bartolomeu Pinto, falta um pouco mais de publicidade:

– Morador do bairro e pessoas ligadas à ferrovia, sejam ex-funcionários, filhos ou netos, sabem do museu. Quem te falou que não conhecia, provavelmente não é morador da região e não liga muito para isso. O que nós precisamos é de mais divulgação, isso sim seria melhor. A localização também atrapalha, se fosse no Centro ou na Zona Sul, seria um museu muito mais visitado, com certeza.

 Gabriel Camargo Reinaugurado no dia 2 de abril de 2013, o Museu do Trem pertencia à Rede Ferroviária Federal até 2007, quando passou para o comando do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e ficou seis anos fechado. A área que era de 250 mil m², foi reduzida para 6 mil m² e, apesar de muitos problemas (como alagamentos e falta de estrutura), recebeu 5.197 visitas da reinauguração até 19 de março deste ano. Bartolomeu ressalta a importância do museu:

– É um marco da interiorização do Brasil, porque até aquele momento ninguém "entrava" no Brasil, só no litoral e nas cidades grandes. As pessoas não sabem o valor do que temos aqui, réplicas fiéis de locomotivas que Getúlio Vargas andou, por exemplo. Cresci na Bahia, eu vi a Maria Fumaça desde pequeno, então sempre estive ligado com a ferrovia. Mesmo sabendo de todos os problemas que temos na hora de administrar um museu no Brasil, eu continuo o trabalho.

Obras atrasam e Botafogo continua sem sua casa

Hoje, o Engenhão trocou torcedores e jogadores por pouco mais de 300 operários. Com problemas estruturais, a prefeitura decretou o fechamento do estádio e as equipes cariocas sentiram o baque, principalmente o Botafogo. Os funcionários trabalham todos os dias no fortalecimento da cobertura do estádio.

O momento não é dos melhores para o estádio Olímpico João Havelange e para o Botafogo, que perdeu a chance de lucrar com os "naming rights" do estádio, mas com ele fechado não foi possível. Para piorar, torcedores criaram uma petição pública, com mais de 5 mil assinaturas, além de um projeto de lei de vereadores do Rio, que tem como objetivo homenagear o ex-jornalista João Saldanha. A ideia surgiu quando o ex-presidente da Fifa renunciou ao cargo de presidente de honra da entidade após investigações apontarem a participação de Havelange em escândalos de corrupção.

 Gabriel Camargo Se as diversas obras e instalações para o Pan de 2007 não deram muito certo e o legado para os cariocas não foi dos melhores, o Engenhão era uma das poucas estruturas que justificavam o investimento. Com o fechamento do Maracanã em 2010, o estádio passou a ser utilizado também por Flamengo, Fluminense e Vasco. Em 2012, o clube de General Severiano teve um lucro de R$ 8 milhões recebendo shows e eventos de outros esportes. Além disso, o Botafogo ainda ganhava com o aluguel de Flamengo e Fluminense, mas tudo isso ficou para trás.

Para piorar a situação, o início das obras de escoramento da cobertura do estádio, que deveria ter começado em agosto do ano passado atrasou cinco meses. Porém, a RioUrbe, através da assessoria de imprensa divulgou que "as obras seguem o cronograma previsto e que neste momento é executada a montagem de torres de escoramento", que de acordo com o cronograma divulgado em julho do ano passado pela prefeitura, deveria ter iniciado em agosto e terminado em outubro de 2013.

A conclusão de todas as obras no Engenhão está prevista para o fim de 2014, de acordo com nota da RioUrbe.

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