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Rio de Janeiro, 13 de março de 2025


Cidade

Transporte desarticulado: desafio na rotina de estudantes

Clara Freitas e Isabella Rocha * - aplicativo - Do Portal

31/03/2014

 Isabella Rocha

Cerca de 1 milhão de usuários de transportes públicos da Região Metropolitana do Rio embarcam diariamente em ônibus, trens e metrôs, uma rotina que se torna ainda mais desgastante com a falta de integração entre as redes. Morador de Nilópolis, o universitário Yves Anjos, de 19 anos, utiliza diariamente os três meios de transporte para chegar ao Centro, onde trabalha, e a Nova Iguaçu, onde cursa administração. Yves acorda todos os dias às 7h e vai para o inglês ou para a autoescola, no seu bairro. Às 10h, almoça em casa e pega o trem até São Cristóvão, para seguir de metrô até a Estação Carioca, a caminho do estágio no Banco do Brasil, aonde chega por volta do meio-dia. Às 17h, o estudante vai de metrô da Carioca até a Central, para pegar o trem do ramal Japeri rumo a Nova Iguaçu, onde fica a faculdade. Por volta das 21h45, embarca no ônibus da linha Ponte Coberta e segue de volta para Nilópolis. No total, percorre 92 quilômetros, passando cinco horas em meios de transporte.

– Pego trem, metrô e ônibus todos os dias e vejo sempre os mesmos problemas. As pessoas se queixam da falta de conforto, do calor, do aperto. Pego o horário de pico do metrô quando saio do trabalho. É tanto passageiro que nem preciso me segurar. Além disso, o ar-condicionado não dá vazão. Já vi várias pessoas passando mal. Chega a ser desumano – diz ele, que de ônibus perderia uma hora a mais no trajeto.

 Clara Freitas A estudante do 3º período de publicidade na PUC Isabella Oliveira, de 18 anos, já quase desmaiou dentro do metrô, voltando para Nilópolis, onde mora.

– Estava muito abafado, e eu não tinha me alimentado bem. Comecei a passar mal, então tive que sair do vagão e esperar para entrar em outro metrô – lembra.

Apesar de considerar que muitos trens são “deprimentes”, acaba recorrendo a eles quando está atrasada:

– É muito ruim. São velhos, costumam atrasar, muitos não têm ar-condicionado. Mas é o transporte mais rápido.

Às vezes, a alternativa é fazer o trajeto de ônibus de Nilópolis até a Pavuna – o que leva uma hora, 15 minutos a mais que de trem –, e seguir de metrô até a estação General Osório, onde pega o metrô de superfície para chegar à faculdade.

Morador de Anchieta, o estudante do 4º período de Publicidade da PUC-Rio Wallace Colares, de 25 anos, também utiliza os três meios de transporte para chegar à universidade, na Gávea. Às 5h30, pega o ônibus até a estação de trem de Anchieta, e dali vai a São Cristóvão para seguir de metrô até a Praça General Osório, onde pega a integração (o ônibus, chamado metrô de superfície) até a PUC. Wallace reclama da má administração dos transportes e acredita que isso seja reflexo do descaso do governo:

– Os transportes públicos do Rio são de péssima qualidade. Quase sempre estão lotados e a estrutura deixa a desejar. Pessoas viajam encostadas na porta, correndo risco. Esta semana uma mulher ficou sem ar porque o metrô estava lotado. Além disso, tenho que pegar três transportes para chegar e voltar da faculdade. O metrô deveria ser ampliado, ou poderiam ser criadas outras linhas de ônibus.

 Foto de leitora/Beatriz Mattos O professor de transporte e logística da PUC-Rio José Eugênio Leal critica a política governamental de estímulo ao ônibus, em vez de investir no transporte de massa – trem, barcas, metrô. Os ônibus são, há décadas, o meio de transporte mais importante para a cidade. A frota do Rio chega a 8.800 veículos, distribuídos em 700 linhas.

– Metrôs, trens e barcas são meios de transporte de maior capacidade, portanto as redes de metrô e trem deveriam ser mais densas e atingir outros pontos do Rio. Como isso não é feito, o transporte fica concentrado nos ônibus, insuficientes para atender à população – afirma Leal, que acrescenta: – A distância entre os municípios do Rio diminuiria se os transportes públicos tivessem maior infraestrutura.

Metrô

No Rio de Janeiro, o metrô passa por 35 estações distribuídas em duas linhas, ao longo de 41 quilômetros. Enquanto, o metrô londrino, o mais antigo do mundo, é dez vezes maior do que do Rio, com 402 quilômetros e 270 estações (Leia mais em Metrô: o preço muda, mas os problemas continuam).

Professor de planejamento urbano da PUC-Rio e mestre em Engenharia de Transportes, o arquiteto e urbanista Ricardo Esteves compara o sistema de transporte do Rio com os de Paris e Londres, conhecidos como modelos mais bem planejados do mundo.

– Quando mostro esses planos na sala de aula, os alunos olham como se fosse uma utopia a ser alcançada, no entanto ambas as redes são ridículas. O Rio de Janeiro tem estrutura sim para ter um sistema como este. Mesmo a rede que nós tanto desejamos de seis linhas deveria ser uma plataforma para uma rede efetivamente abrangente como é o metrô de Paris, Londres e Nova York.

Conforto, conveniência, eficiência, rapidez e facilidade de utilização dos serviços são os quesitos avaliados na classificação dos serviços de transporte.

 

Em outubro passado, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) divulgou levantamento que aponta o Rio de Janeiro como a terceira Região Metropolitana do país com o pior trânsito do mundo (leia aqui a pesquisa). A precariedade na estruturação das linhas de transporte faz com que os cariocas percam em média três horas no trânsito. Além disso, como os atrasos são frequentes, os passageiros são obrigados a sair mais cedo de casa. O professor Ricardo Esteves lembra que quem depende do transporte coletivo é obrigado a sair sempre mais cedo de casa, uma vez que o transporte não tem hora certa para passar. Realidade que Wallace vive no dia a dia:

– Com o atraso dos transportes, o percurso até a faculdade fica demorado. Às vezes, um trajeto que poderia ser feito em uma hora leva o dobro do tempo, por causa dos problemas que ocorrem quase diariamente. É comum os trens ficarem parados mais tempo do que deveriam entre duas estações.

 Clara Freitas Para Yves, hoje a maior parte dos trens está melhor, quase todos têm ar-condicionado e os vagões são novos. No entanto, comenta sobre a desorganização das linhas e o desgaste de viajar 10 estações em pé, já que não há assentos suficientes.

– Procuro pegar o trem com ar-condicionado para ir até a faculdade com algum conforto, mas como pego no horário das 18h acabo não tendo onde sentar. Depois de um dia cansativo de trabalho, viajar em pé e às vezes sem ar-condicionado é desgastante.

Custo é outra reclamação

O desconforto não é o único incômodo dos passageiros. Yves reclama do preço salgado da passagem de ônibus, R$ 3,20 (Nilópolis/Ponte Coberta), mas, devido à segurança, não pegaria a linha mais barata de R$ 2,80 (Cabral da Nilopolitana).

– A passagem é muito cara, um absurdo. O preço que eu pago no ônibus é o mesmo que eu pago no metrô. Existem até ônibus com a passagem mais barata, mas não são tão seguros quanto este.

Apesar de muitas reclamações a agência reguladora de transportes do Rio (Agetransp) autorizou o reajuste das tarifas de 10,34% dos trens e 9,37% do metrô. As passagens passaram de R$ 2,90 para R$ 3,20 e de R$ 3,20 para R$ 3,50, respectivamente. A decisão será aplicada em dois meses, a partir desta terça-feira (18). Para os usuários do bilhete único, a tarifa permanecerá inalterada. Os ônibus tiveram as tarifas reajustadas de R$ 2,75 para R$ 3 em 8 de fevereiro.

Soluções sobre trilhos

Especialistas afirmam que solução para os problemas decorrentes da má articulação do transporte público é a expansão sobre trilhos.

– Seria preciso fazer um forte investimento no transporte de massa. É fundamental a expansão dos metrôs e trens. É importante comentar que há um lobby muito forte sobre o BRT. As empresas de ônibus procuram fazer propaganda disso pelo mundo, com aparência científica de planejamento urbano e tudo mais – afirma o professor de urbanismo da PUC-Rio José Eugênio Leal.

 Clara Freitas O especialista Ricardo Esteves reforça:

– É preciso buscar soluções sobre trilhos. O ônibus deveria ser um serviço complementar ou alimentador, levando os passageiros do seu bairro até uma estação de trem ou metrô. Porém, a sociedade aderiu a decisões da década de 60/70, incentivando de modo geral a indústria automobilística e rodoviária, deixando os transportes sobre trilho serem sucateados e perderem a importância – comenta Ricardo Esteves, destacando a importância de planejamentos em longo prazo: – Não dá para fazer uma reforma estrutural com qualidade em curto prazo. A política de mobilidade tem que ser uma política de Estado. No entanto, infelizmente, a maior parte dos planejamentos é do tamanho do mandato, ou seja, de curto prazo. Foi este o caso do BRT.

 Arquivo Portal O urbanista ressalta ainda o aumento expressivo da frota de veículos particulares, impulsionado pela ascensão da classe C e pelas políticas de estímulo à compra de veículos, como a redução de IPI:

– Comportamentos peculiares relacionados ao uso do carro estão ocorrendo, como o aumento de consumo de carros pela classe mais baixa, enquanto pessoas de classe mais alta estão deixando o carro em casa e passando a usar o transporte público, ou bicicletas.

A atriz Lucélia Santos é adepta do transporte coletivo. Fotografada por outra passageira em um 524 (Botafogo x Barra da Tijuca), Lucélia reagiu à repercussão que a imagem teve nas redes sociais: “Em qualquer país civilizado, educado e organizado, as pessoas dão prioridade a transportes coletivos para proteger o meio ambiente. Os governos deveriam investir em transportes decentes para a população, com conforto e dignidade, e depois pretender fazer discursos de 1º mundo”, desabafou. 

– Qualquer cidade que se preze, seja Nova York, Londres, Paris, Barcelona, Buenos Aires ou Roma, tem sistema de metrô radial. São redes compostas por várias linhas que geram integração modal, entre diversas formas de transporte. Nestas cidades é possível se locomover de metrô a várias direções, tem interligação rápida. Em Paris é assim. Tem o bairro da onda, mas todos podem ir a uma velocidade extraordinária até ele, pois não é longe dos outros pontos da cidade – compara o urbanista Luiz Fernando Janot, que recentemente passou a utilizar mais o transporte público: – Com o caos (no trânsito) no Centro, já não vou trabalhar de carro há muito tempo. Vou de ônibus e metrô. Não vou me meter a ir de carro, vou levar muito tempo. Agora, o transporte público precisa ser de qualidade. Ar-condicionado nos ônibus é uma conquista.

Ricardo Esteves elogia a decisão de fechar ruas do Centro ao trânsito. Mas pondera:

– É uma melhoria que futuramente será interessante são as modificações que estão sendo feitas no Centro, pois os carros perderam a vez nas ruas. Esse tipo de planejamento está correto. O problema é como aplicá-lo. Não houve um estudo prévio da demanda de pessoas que o utilizariam.

Ainda sobre o gargalo na mobilidade urbana no Rio, Esteves acredita que a Transcarioca, corredor de ônibus expresso que ligará a Barra ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, já não dará conta da demanda quando for inaugurada. Com 39 quilômetros de extensão, passando por 45 estações, a via, que deveria ter sido inaugurada em 2012, e agora é aguardada para junho deste ano, com a conclusão do trecho Barra-Penha, tem a previsão de atender cerca de 450 mil pessoas diariamente.

– A probabilidade de a Transcarioca ser inaugurada em um alto nível de saturação é muito grande, como acontece na Transoeste. Será uma obra que não vai produzir o efeito o desejado.

Janot destaca que os BRTs não são transportes de massa, mas complementares. Para uma articulação rápida e eficiente nos transportes, primeiro deveriam ser considerados trem, metrô e barcas, e depois, as ramificações:

 Arquivo Portal– Quando o BRT faz a integração entre o metroviário e o ferroviário, chegando a partes não atendidas da cidade, é perfeito. Mas primeiro tinha que ter metrô para a Ilha do Governador. Em qualquer lugar do mundo, o aeroporto internacional é ligado ao sistema de metrô.

Episódios frequentes de caos no transporte público

A desorganização dos transportes públicos e falta de uma articulação eficiente entre estes ficam mais evidentes quando ocorre algum acidente. Com a paralisação do metrô ou do trem, por exemplo, os passageiros se concentram nos ônibus, sempre insuficientes para atender à demanda extra, aliado à desinformação.

No dia 22 de janeiro, um descarrilamento de trem na Zona Norte resultou em caos em praticamente toda a rede de transporte da cidade. O acidente, por volta das 5h15, atingiu a rede elétrica, interrompendo a circulação de cinco ramais, prejudicando principalmente moradores das zonas Norte e Oeste e da Baixada Fluminense. Como alternativa, a população buscou ônibus e metrô, que não atenderam à demanda apesar dos carros extras postos em circulação. Na segunda-feira 10 de março, um outro trem da Supervia descarrilou próximo à estação Deodoro, por volta das 6h30, deixando sete passageiros feridos, mais atrasos e superlotação.

Yves lembra o dia do acidente que deixou 600 mil pessoas desnorteadas no ramal Japeri, próximo à estação de São Cristóvão:

– Eu não estava dentro do trem, mas me lembro do caos. Cheguei à estação de Nilópolis às 10h30, e só consegui embarcar às 11h. Os guardas da Supervia disseram que a situação já estava normalizada, mas depois de embarcar soube que o trem só seguiria até o Engenho de Dentro. Tive que ir até a rodoviária de Nilópolis. Levei mais de duas horas em um trajeto que normalmente faria em uma hora. A cidade ficou um nó, com um engarrafamento quilométrico.

A Supervia alega que informou aos passageiros sobre as condições de circulação pelo sistema de áudio dos trens e das estações, e que reforçou as equipes de atendimento e de segurança nas estações, com distribuição de mais de dez mil vales-viagem e declarações de atraso, além da devolução em espécie do valor da passagem aos clientes que fizeram a solicitação.

A empresa afirma, por meio de sua assessoria, que nos últimos três anos investiu R$ 600 milhões, montante que, somado aos investimentos do governo para aquisição de novas composições, foi destinado à compra de 480 novos carros com ar refrigerado, a troca de 100 quilômetros de trilhos, instalação de 70 mil dormentes, substituição de 80 mil metros de cabos de rede aérea, reformas de estações, aquisição de novos sistemas de comunicação e segurança e renovação da infraestrutura férrea.

O especialista de Planejamento Urbano e professor de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio Luis Carlos Domingues é pessimista:

 Clara Freitas – A situação do sistema ferroviário é absurdamente desrespeitosa. Atrasos, acidentes e falta de informação fazem parte do dia a dia dos moradores do Rio. Há uma promessa de que em dois anos todas as composições estarão renovadas. Será? Mas também não é só isso. São esperados planejamentos das áreas ao redor das estações, atraindo comércio e serviço. As estações deveriam ser espaços superinteressantes, como já foram um dia, na ocupação do Rio de Janeiro.

A Supervia afirma ter reduzido de 1.611 para 600 o número de falhas por ano, e manter “planos de manutenção preventiva e corretiva que são seguidos rigorosamente”. A empresa conta com duas oficinas: São Diogo, responsável pela execução das ações preventivas mensais de acordo com um plano pré-estabelecido, na qual todos os sistemas dos trens são checados e ajustados; e a Deodoro, onde ocorrem intervenções de manutenções pesadas, reabilitação da frota e manutenção periódica de componentes como truques, motores de tração, sistemas elétricos e pneumáticos.

Opção por morar perto do trabalho ou da escola

Devido aos transtornos causados regularmente, muitos optam por morar mais perto da faculdade ou trabalho. Este é o caso do estudante de publicidade Carlos Serra, de 20 anos. Morador de Nilópolis, ele perdia cinco horas no trânsito a caminho ou voltando da PUC. Há dois ano, mora com uma família amiga em Laranjeiras.

– Quando me convidaram, aceitei na hora. Antes, para chegar à aula das 13h eu tinha que sair com no mínimo duas horas e meia de antecedência. Era muito dispendioso, não havia qualidade de vida, pois ficava muito estressado, tinha uma quantidade enorme de coisas para fazer.

Segundo Carlos, estava cada vez mais inviável trafegar com rapidez pela cidade, uma vez que o aumento de veículos é inversamente proporcional ao investimento em infraestrutura.

Caio Cidrini, de 20 anos, do 5º período de jornalismo, sonha em fazer o mesmo:

– Todos os dias penso em vir morar mais perto da PUC. Eu tenho outras coisas para fazer e, quando arranjar outro estágio, a situação só vai piorar. Já me inscrevi no easyquarto.com, fico lendo anúncios que pregam nos murais da PUC, nos postes ali nas barraquinhas, grupo de repúblicas no Facebook. Mas é muito caro ainda para bancar com salário de estagiário. Se eu tivesse condições, iria sem pensar duas vezes. Só de deixar metrô, trânsito e poder acordar um pouquinho mais tarde, seria um salto na qualidade de vida – comenta Caio.

* Colaborou Mariana Totino, Vitor Afonso e Jana Sampaio.

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