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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Mundo

Ucrânia: guerra é descartada, mas ação extremista preocupa

Júlia Cople - Do Portal

25/03/2014

 Viviane Vieira

Quando os primeiros confrontos eclodiram em Kiev, em novembro do ano passado, a ebulição social na capital da Ucrânia logo chamou a atenção da comunidade internacional pela violência deflagrada. Mais de 80 vidas foram ceifadas e outras centenas foram feridas na Praça da Independência. Diante de "um mundo instável", como diz o economista Jeffrey Sachs, diretor do Earth Institute, o barril de pólvora ucraniano expôs as divergências étnicas e políticas de um país sob pressão russa e europeia. Eme meio à ascensão de nacionalistas extremistas ao governo interino, que depôs o presidente Viktor Yanucovich – cuja desistência de um acordo de livre-comércio com a União Europeia detonou a crise –, o presidente da Rússia, Vladmir Putin, mobilizou 30 mil soldados para Crimeia. Sob o argumento de proteger dos neonazistas a população desta península, composta 60% por russos, Putin invadiu e anexou o território sustentado pela suposta aprovação, em plebiscito, de 95% dos habitantes. Mesmo que a guerra civil e o embate entre potências não estejam descartados, a maior parte dos analistas aposta numa solução diplomática, devido à dependência europeia do mercado energético de Moscou e das limitações orçamentárias das Forças Armadas decorrentes do processo de recuperação frente à crise econômica mundial.

Embora especialistas em geopolítica global observem a fragilização de laços diplomáticos diante do tornado social ucraniano, prevalece a aposta numa saída pacífica – cuja comparação com a Guerra Fria, ressalvam, mostra-se inconsistente. O cenário ainda é nebuloso e as informações, dinâmicas, o que dificulta projeções mais precisas, porém fornece sinais para se acreditar na vitória da diplomacia. Assim avaliaram pesquisadores reunidos no seminário A Crise da Ucrânia em Debate, organizado, nesta quinta-feira, pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio (IRI). De acordo com o professor Márcio Scalércio, não há motivo para pânico:

– Não é a primeira vez que a Rússia flexiona seus músculos. Basta lembrar a segunda guerra da Chechênia ou o conflito na Geórgia, em 2008, este sob o mesmo argumento de proteger russos de maus-tratos em território alheio. Mas não haverá guerra. A Otan não vai fazer nada pela Crimeia.

O professor João Nogueira, também do IRI, não vê uma iminente questão militar, porque “o custo seria alto para a Rússia”. Por enquanto, pondera ele, a anexação da Crimeia compensa a perda da Ucrânia. Ele condena, porém, a invasão com pretexto étnico-nacionalista:

– Desde 1938, não se faz isso na Europa – aponta – A autodeterminação dos povos desafia a ordem internacional. Levou à Segunda Guerra Mundial. A falta de sutileza no trato dessa questão por parte dos russos assustou os europeus.

Já para o professor Maurício Parada, do Departamento de História da PUC-Rio, o ponto médio, “uma meia-vitória de lado a lado”, seria um termo de negociação que estabelecesse um Estado de compromisso entre os grupos pró-Ocidente e os pró-Rússia. Uma diplomacia, explica, que mantivesse a unidade ucraniana, com a perda da península como “um preço a se pagar para evitar que o mais drástico aconteça”.

Melhor ainda, acrescenta Parada, seria um isolamento, a desmilitarização, o estabelecimento de uma zona neutra entre russos e europeus. Porém este cenáriosério, reconhece, revelaria-se o mais complicado de se negociar. O diretor do Audiplo: Educação e Relações Internacionais, Fabiano Mielniczuk, não temia o escalonamento da crise. Mas o “processo acelerado” do conflito o fez mudar de ideia:

– Com a deposição de Yanucovich, o governo interino montado às pressas acolheu, em sua estrutura, os setores mais violentos das manifestações para os cargos de Defesa. Os acontecimentos na Crimeia vão inflamar o nacionalismo. Os russos já deixaram claro que não vão recuar. O cenário é tenso e as guerras começam sempre de onde menos se espera.

A primeira medida do governo interino, lembra, foi retirar o status da língua russa como a segunda oficial do país. A maior preocupação de Mielniczuk, para além da divisão do país entre as áreas ocidentais e a parte leste, é que forças de extrema direita, associadas ao nacionalismo e ao neonazismo, passem a ter um papel importante no governo ucraniano. Neste sentido, o professor é contra a antecipação das eleições para maio:

– A ascensão dessas ideias é uma tendência em toda a Europa. Na Ucrânia, ela se apresenta no partido Svoboda, que alcançou cerca de 10% do apoio popular nas últimas eleições parlamentares. Com discurso baseado na xenofobia e na pureza racial, contra russos e contra judeus, os adeptos criaram uma facção chamada “setor de direita”, que esteve na vanguarda violenta dos movimentos da Praça da Independência – recorda.

Há, completa Mielniczuk, laços dos nacionalistas ucranianos com grupos paramilitares que lutaram na Chechênia contra os russos, e já se confirmou que muitos manifestantes são paramilitares treinados. Eram grupos, ainda de acordo com o especialista, que não tinham outro objetivo senão a derrubada de Yanucovich, cuja substituição por um governo interino foi reconhecida prontamente de maneira “ingênua ou cínica” pela União Europeia.

– Como a ebulição social se deu no fim do mandato de Yanucovich, já que a votação estava marcada para o início de 2015, ele dificilmente seria reeleito. A transição seria mais tranquila. Agora, os diálogos da Otan-Rússia devem ser intensificados, com uma organização atuante, para evitar o aumento da crise.

O cenário mais drástico, não descartado pelos analistas, seria a guerra civil. Mielniczuk ressalva que um conflito desse porte na Ucrânia não remontaria ao caso da Síria, pois a Rússia faria uma intervenção direta no conflito. Parada, no entanto, considera a entrada de Moscou nos embates uma perspectiva “desastrosa”, porque poderia gerar focos de resistência, em uma guerra como a do Afeganistão, com muitas perdas humanas e longo desgaste.

Na opinião de Parada, o movimento de secessão da Crimeia expõe uma crise institucional, cujo histórico indica a complicação de se criar consenso em torno de uma Ucrânia unida, devido às marcas linguísticas, étnicas e políticas diversas do país. A constatação leva o professor a acreditar que os russos “vão mais longe, porque têm mais cartas na manga“. Além dos interesses socioeconômicos históricos na região, a proximidade geográfica favorece a intimidação imposta por Vladmir Putin.

Para Scalércio, a política externa russa fica evidente, por exemplo, nos discursos de Putin à Duma, como é conhecido o Parlamento russo. O professor ressalta que "poucas vezes viu declarações com tanto conteúdo" por parte de um estadista. Uma retórica baseada em um caderno de queixas:

– Putin diz que os russos foram dormir em um país e, quando acordaram, estavam espalhados, sem direitos. Defende também que várias decisões foram tomadas pelas costas da Rússia. O presidente usa os símbolos históricos da memória russa dos anos 1990, quando havia inflação galopante, salários baixos, perda de territórios. A grande coletividade lembra e teme, por isso ele tem popularidade.

Tem popularidade porque há uma visão de que Putin afastou esses problemas, explica Scalércio. A crise da Ucrânia, avalia, foi decisiva para que o estadista "salvasse" o seu governo, acometido por críticas de avanço no autoritarismo, centralização de poder e redução da oposição pelas Forças Armadas. Uma análise partilhada por Mielniczuk:

– O fortalecimento da sociedade civil ameaçava o putinismo, mas agora o estadista assumiu o controle. Ele tem 70% de apoio popular hoje, o que significa que já garantiu a reeleição. Não é nacionalista, como tenho lido em alguns artigos, nem comunista. Putin representa um fenômeno novo.

O que preocupa Scalércio é a "percepção de ecos de velhos medos, preconceitos e restrições", como a russofobia – visão segundo a qual os nativos deste país não são europeus, são agressivos em política externa, só vivem sob regimes autoritários – e a sensação russa de estar sempre cercada, isolada, com seus interesses colocados em segundo plano pelas demais potências. Numa perspectiva histórica, opina Nogueira, a falta de parcerias "evitou a administração de possíveis crises futuras":

– Alemães e franceses se resolveram no contexto pós-Segunda Guerra Mundial porque assinaram acordos. Mas os Estados Unidos preferiram "chutar o cachorro no chão" depois do fim da Guerra Fria. 

Putin é desafeto de Barack Obama, observa Scalércio, o que dificulta as relações presidenciais. No plano da comunidade internacional, os embates de mantêm. A postura assertiva do Kremlin de invadir e anexar a Crimeia despertou as autoridades europeias para a necessidade de uma resposta à altura. Mas uma mobilização de tropas, diz Parada, não está na conta política das entidades ocidentais:

– Seriam operações militares muito custosas, com consequências absolutamente impensadas. Não parece ser uma opção nem da União Europeia, nem da Otan, nem dos Estados Unidos.

O professor de História da UFRRJ Rafael Araújo ressalta: quem menos quer guerra civil é a União Europeia. Ele lembra que, como a Ucrânia não é membro da Otan, as tropas da organização não teriam legitimidade para intervir no conflito. A União Europeia, completa, se encontra numa sinuca de bico: deu força ao movimento social e, agora, na perspectiva mais drástica, teria de comprar briga, talvez sem o auxílio militar americano, cujas recentes operações foram “desastrosas” e o orçamento de Defesa tem diminuído. “Talvez o fator econômico evitou que os Estados Unidos mantivessem postura mais dura”, acredita.

A economia, segundo os especialistas, revela-se um limitador à reação ocidental. Se a crise econômica deflagrada em 2008 fez as potências remanejarem os recursos para a recuperação financeira e o auxílio social, as parcerias comerciais da própria União Europeia com a Rússia encurtam o raio de manobra daquela resposta. Mesmo com as sanções aprovadas recentemente, tratadas até agora com desdém pelo Kremlin, Scalércio salienta a dependência entre a Europa e Moscou:

– Se essas medidas forem fortalecidas, ninguém mais cozinha na Europa, porque os russos cortariam o fornecimento de gás. É preciso esperar a próxima reunião do G8, que no caso é G7, porque a Rússia não foi convidada, para analisarmos a dimensão dessas sanções.

Parada reitera que o setor energético implica uma "dependência de boas relações" com o governo russo. Ingredientes do xadrez econômico favoráveis à Rússia, que não deixará de usá-los como peças de negociação com a União Europeia, projeta o professor. Uma questão-chave que acelerou justamente os esforços para a anexação da Crimeia, pois a península representa a saída ao Mar Negro e abriga diversos oleodutos e gasodutos russos.

De acordo com os analistas internacionais, potências globais, constantemente pressionadas a se posicionar, caminham em ovos para não expor contradições nas políticas externas. Boa parte deles reconhece que, no tradicional debate entre a autodeterminação dos povos ou a soberania territorial dos países, a diplomacia fica a reboque do pragmatismo econômico.

– A crise econômica mundial, ainda não superada, cria impasse. Como agir militarmente com o orçamento de defesa limitado e amplas demandas sociais tratadas como prioridade no contexto de recessão? O fator econômico talvez seja central para entender por que os americanos adotaram posição menos dura – argumenta Araújo.

Na opinião do historiador, as limitações econômicas vêm enterrando a força armada. Mas a Rússia, completa, devido à dimensão estratégica da Crimeia para o desenvolvimento do mercado energético regional, “bate o pé” e mobiliza suas tropas.

Os interesses econômicos, invariavelmente significativos, mostram-se decisivos nesse tabuleiro no qual a Crimeia acordou pivô da intensificação da queda-de-braço entre a Rússia, a Europa e os Estados Unidos. Um pragmatismo igualmente emblemático, exemplifica Parada, nas relações entre EUA e China. Se a diplimacia tem limites estabelecidos pela dinâmica da economia, por outro lado, ressalva o professor, “esse olhar constantemente macro” perde o foco na população "que está em campo e ultrapassa qualquer pragmatismo":

– Nesse caso, não se trata de um leilão pela Ucrânia. Não tem só a ver com a posição de quanto de recursos e benefícios se oferece, porque as questões sociais em pauta ultrapassam o pragmatismo econômico de longe. São projetos da sociedade, situação de justiça, noção de legitimidade dos governos, algo além do dinheiro. O emprego de incentivos monetários faz diferença na negociação macro, mas não resolve o que acontece dentro das casas.

Se para Moscou a região era estratégica, o objetivo da União Europeia no fortalecimento de laços com a Ucrânia faz parte do projeto de Eastern Partnership europeu, “uma missão quase civilizatória de expandir os valores ocidentais para todo o globo”, como qualificam analistas, e da demonstração de força política no cenário internacional.

Com o anúncio do novo pacote de ajuda de 11 milhões de euros pela Comissão Europeia, o impacto do não-auxílio russo diminui. A viabilidade do socorro, previsto para ser liberado ao longo dos próximos dois anos, depende de um entendimento entre a Ucrânia e o Fundo Monetário Internacional, cujas relações não têm histórico bem-sucedido. (O ex-presidente Yuchenko não cumpriu as metas para solidificar uma negociação de 2009.) Neste contexto, Araújo ressalta ainda que a instabilidade política afugenta "qualquer tipo de investimentos" para o país.

Brics em "posição delicada" e democratas americanos com maioria em xeque

Mesmo que o conflito não resulte, como acredita a maioria dos analistas, em um embate de maior proporção entre os Estados Unidos e a Rússia, Mielniczuk vê um processo "desencorajador" para relações bilaterais. Nogueira expande as dificuldades de cooperação para o plano internacional:

– As reuniões do G20 (grupo das vinte maiores economias do mundo) podem trazer problemas de integração política. O confronto entre americanos e russos ainda traz dificuldades para fechar o acordo nuclear com o Irã, o que, por sua vez, complicaria e prolongaria o conflito na Síria. As posições em relação à guerra civil em Damasco podem endurecer.

Scalércio explica que tal ambiente tem "especial impacto" para os democratas americanos no plano interno, porque o segundo mandato de Obama, em questões de política externa, apostava as fichas "quase exclusivamente" nas negociações com Teerã. Nogueira prevê, nesse sentido, o fortalecimento dos republicanos, que podem até, na visão do professor, conseguir maioria no Senado nas próximas eleições. Um problema também para os russos, lembra Mielniczuk:

- John McCain, um dos líderes do Partido Republicano e um dos parlamentares sancionados pela Rússia ontem, já declarou que a Rússia é "um posto de gasolina que é projeto de país".

Embora a questão ucraniana surta efeitos diretos na política americana, Nogueira acredita que "quem mais tem a perder é a Alemanha". Com Rússia anti-ocidental e expansionista, explica, vem à tona o pesadelo dos alemães do desencadeamento do uso da força na disputa de poder entre essas potências. " Por isso Angela Merkel, estadista alemã, adotou postura moderada. Ela disse que Putin está em outro mundo, e está mesmo", completa.

Quem também pode acabar sofrendo com os efeitos dos desdobramentos de Kiev são os Brics. Por ter parceria com a Rússia, China, Brasil, Índia e África do Sul ficaram, na opinião dos especialistas, em uma "posição delicada". Embora cultivem uma cultura soberanista, contra o intervencionismo, pode ser que, na próxima reunião, as autoridades russas pleiteiem um documento de apoio por parte do grupo.

– O problema é que as relações comerciais dos países desse grupo com os Estados Unidos são maiores do que com a Rússia. Mas tem um sentido político ruim como representantes das nações mais fracas no cenário internacional – explica Nogueira.

Quando o ex-chanceler Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores de 2003 a 2010, "foi proativo na formação do bloco das potências emergentes", não imaginou essa situação, diz Mielniczuk. Para ele, é preciso esperar as novas sanções do G7 para analisar os impactos econômicos gerados aos seus parceiros. 

"Atuação da Rússia salienta o retorno ao centro das negociações globais", destaca analista

Quando Vladmir Putin mobilizou 30 mil homens para a Crimeia, em resposta, justificou ele, às ameaças dos extremistas contra a maioria russa residente na península, as sombras da Guerra Fria logo agitaram o imaginário popular. Embora a comparação não seja pertinente, segundos os analistas, por não abrigar a defesa das ideologias que opunham americanos e russos nos anos 1960, o cenário remonta ao século XIX, quando interesses nacionais divergentes acendiam o pavio dos conflitos. Uma diferença central, alertam, é que não havia arsenal nuclear.

Mielniczuk observa que, desde o fim da Guerra Fria, o Ocidente, representado pela Otan e pela União Europeia, iniciou a expansão para a área de influência da antiga União Soviética. A justificativa oficial, recorda, centrava-se na segurança do continente por meio da implementação de regimes com democratização política e economia de mercado, sob o argumento de que “democracias não lutam contra democracias”. Mas, na prática, o processo representou a manutenção das medidas de contenção à URSS, aplicadas agora à Rússia:

– A Rússia foi deixada de lado dos arranjos institucionais pensados pelos ocidentais. Essa exclusão, aliada à grave crise econômica dos anos 1990, fomentou o sentimento anti-ocidental na população russa, que é importante para entender a legitimidade de iniciativas como o espaço euroasiático junto ao povo russo.

O sentimento pan-eslavista da Rússia, na opinião de Araújo, ajuda a entender o engajamento de Moscou nos acontecimentos em Kiev, para além do aspecto econômico. O professor de História e Relações Internacionais da Unilasalle destaca que o desejo de manter a influência política na região permanece, um componente histórico importante para entender a relação do Kremlin com os vizinhos.

Entendimento igualmente importante associa-se à retomada da Rússia ao centro da articulação geopolítica de problemáticas internacionais. Abatida por uma grave crise econômica nos anos 1990 e pelo desfacelamento da União Soviética, o país, embora membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, esboça recuperar um protagonismo no xadrez global, já desenhado pelo sucesso das maonbras diplomáticas referentes ao caso armas químicas na Síria, que evitaram uma intervenção americana nas áreas governadas por Bashar al Assad.

– Debate-se muito se a Rússia seria uma potência média. Mas o país está agindo como uma grande potência –afirma Mielniczuk.

Nogueira reforça que é "um sonho permanente" da Rússia recuperar o prestígio acumulado na história mundial. A ideologia de agora, porém, seria a eurasiana, com a retomada da posse de territórios perdidos para a formação da nação russa. Uma perspectiva que exige atenção especial, avalia Scalércio, diante do estremecimento entre o leste da Ucrânia e as regiões vizinhas com população de etnia russa. "Esses povos podem exigir anexação ao Kremlin, e não se sabe a resposta das autoridades. Poderia deflagrar novas ondas de violência", especula.

Se Putin esforça-se para retomar a "Grande Rússia", a noção de conjunto social talvez seja o principal legado dos confrontos em Kiev. "Em termos de movimento social, a mobilização ucraniana é muito interessante. É lamentável que pessoas tenham morrido, mas é importante perceber o esforço da população na direção da democratização ou, pelo menos, da não-aceitação de governos envolvidos com “situações questionáveis”. (A Ucrânia tem histórico de domínio por elites corruptas e de eleições fraudulentas.)", reflete Parada. Ele acrescenta:

– Essa mobilização fortalece o universo moral, ético, que acompanha vários outros movimentos desde o início da Primavera Árabe. Carregam a questão do nacionalismo, um problema. Mas também trazem o ponto positivo da reforma, da mudança de governos que transitam há muito tempo em políticas de caráter questionável.

O professor recorda a trajetória da Ucrânia em relação à militância popular, como na Revolução Laranja, em 2004. O aprendizado político, diz, faz parte da recuperação da comunidade política "que passou muito tempo submetida à regulação externa desses elementos de debate".

– Para o bem ou para o mal, é a construção de mecanismos para uma normalidade institucional. Não é algo automático e às vezes implica conflito, que faz parte da dinâmica do aprendizado de convivência entre comunidades. Pode levar à secessão, como nesse caso, mas faz parte do processo de decidir que comunidade política a Ucrânia quer ser. Um bom legado, que espero não ser desastroso – confia Parada.