Ingrid Forino - aplicativo - Do Portal
07/02/2014A Lei de Acesso à Informação (LAI), sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011, significa, segundo a Controladoria Geral da União (CGU), "um importante passo para a consolidação democrática do Brasil e a prevenção da corrupção no país". Quase dois anos depois, renova-se o debate sobre os avanços necessários para consolidar, na prática, a iniciativa que regulamenta o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas. A despeito de a lei representar o controle social das ações governamentais, sua extensão prática esbarra em dificuldades como a "cultura do secretismo", avalia o repórter da Folha de SP Rubens Valente.
Outro obstáculo, apontado por acadêmicos e jornalistas, é a falta de regulamentação da nova norma em 82% dos municípios brasileiros. “Como a medida é relativamente nova, os órgãos públicos ainda estão se adaptando, mas própria lei em si já é um avanço”, pondera epórter da Gazeta do Povo, que participou da Conferência Global de Jornalismo Investigativo, organizado pela Associação brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), este mês, na PUC-Rio.
Embora o direito à informação seja contemplado pelo ordenamento jurídico desde a Constituição Federal de 1988, a LAI assegura a execução desse direito como dever do Estado. Determina a transparência "passiva e ativa": divulgação de informações, por iniciativa da própria administração pública, em meios de fácil acesso. Órgãos públicos têm de tornam disponíveis as informações em páginas eletrônicas específicos e recebem pedidos específicos por meio dos Serviços de Informações ao Cidadão (SICs).
Apesar das novas ferramentas, que favorecem o acesso às informações de caráter público, a consumação da desejada transparência é questionada por iniciativas como Folha Transparência — um conjunto de ações daFolha de SP, nas esferas administrativa e judicial, voltadas à divulgação de documentos de interesse social sob a guarda do poder público. Segundo o repórter Rubens Valente, o projeto verifica a eficiência da lei, e assim contribui para melhorar sua aplicação:
— A ideia é tornar públicos documentos que estão fora do alcance da população. O projeto desenvolve-se em duas frentes. A primeira é a publicação dessas informações na própria Folha. A a segunda é a criação da página eletrônica transparênciafolha.com, aberta e gratuita — esclarece.
Na avaliação da gerente executiva da Abraji, Mariana Atoji, a divulgação de informações independentemente de pedidos — chamada de transparência ativa — foi o principal avanço desde que a nova lei entrou em vigor, há aproximadamente dois anos. Estados e municípios passaram a tornar disponível um conjunto maior de informações, e não só a dados financeiros e orçamentários, como era praxe, lembra Mariana. Ele reconhece que a lei também aguçou os debates sobre o alcance das informações de caráter público.
A também jornalista Solange Azevedo, ex-repórter das revistas IstoÉe Época, concorda que a transparência aumentou, mas ressalva: "Ainda estamos longe do ideal”. Observa ainda uma irregularidade na aplicação da lei, afirma Valente. Segundo o repórter da Folha, enquanto alguns órgãos públicos já fornecem as informações solicitadas em menos de dois dias, outros, "normalmente vinculados à Presidência e alguns ministérios, demoram ainda muito a responder, e muitas vezes as respostas chegam incompletas".
— Estatais como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica têm se recusado sistematicamente a fornecer informações de interesse jornalístico sob a alegação de que a lei permite que não sejam expostos dados referentes a "sigilo comercial" — afirma Valente.
Já Mariana percebe uma desigualdade de procedimentos entre esferas da administração pública na disponibilidade de informações. Para a executiva da Abraji, "nota-se no âmbito federal um empenho significativo em tornar a maioria das informações disponíveis, mas no âmbito estadual e municipal a resistência é maior":
— De modo geral, ainda se observa uma cultura, entre agentes públicos, de que a informação produzida pelo Estado é do Estado, não do cidadão, e que permitir o acesso a essa informação é perigoso — lamenta.
A consolidação prática da Lei de Acesso exige, na opinião de Valente, uma transformação na cultura dos servidores que detêm as informações de interesse público. “Se a cultura do secretismo permanecer, pouco adiantará a lei”, alerta o jornalista investigativo.
— Nós da Folha fizemos um balanço no primeiro mês em vigor (da lei). Dos 80 pedidos, apenas 15 foram satisfatórios. A experiência tem mostrado que a lei não é tão bem aplicada — avalia.
No balanço da Controladoria Geral da União, o saldo é positivo. Em um ano e meio, cerca de de nove mil pedidos foram respondidos; e apenas 15%, não atendidos, estima o balanço oficial. Valente questiona o critério utilizado pelo governo federal:
— O sistema registra como "respondida" toda requisição que recebe uma resposta, ainda que seja negativa. Na verdade, pouco importa o número de respostas, o que importa é a qualidade delas — pondera.
A CGU esclarece que as negativas e as respostas consideradas insatisfatórias pelos requisitantes normalmente têm a ver com informações sigilosas ou documentos que contenham dados pessoais. O repórter da Folhaacredita, contudo, num amadurecimento desse processo de transparência:
— É um processo que aconteceu em todos os países que têm leis assim há mais mais tempo: é preciso criar entendimentos sobre temas polêmicos, no quais a linha entre o interesse público e a segurança ou os interesse privados não são tão claros. Em breve, a CGU vai publicar os entendimentos criados a partir de recursos sobre esses temas.
Valente diz que pedidos têm sido negados sob o argumento de que são "genéricos". Nesses casos, o governo deveria sugerir procedimentos e alternativas para melhor esclecerer o assuntos associado às informações inicialmente pedidas:
— Recorri várias vezes a pedidos negados e perdi todas. O governo deve me dar opções de informação, mas eles se recusam. A lei tem essa falha, que pode ser corrigida com boa vontade.
O aprenzidado para efetivar o acesso garantido por lei envolve também a competência sobre o que e como pedir os dados desejados. Revela-se igualmente importante cercar-se de informações associadas aos arquivos e documentos solicitados, como nome, data, número. "Mas não raramente isso é difícil, se não temos as listas do que está disponível”, ressalva Solange. Ela acrescenta que outra dificuldade remete, em alguns casos, à limitação do período de consulta.
Mariana considera inevitável a associação entre o êxito do acesso às informações e a precisão do pedido, o que requer uma pesquisa mais detalhada do requerente, jornalista ou não. "Nós (jornalistas) e o próprio cidadão estamos ainda em fase de adaptação, aprendendo a fazer pedidos que reduzam a possibilidade de respostas negativas", admite.
O diretor-executivo da Transparência Brasil, Carlos Weber, acredita que os "entes organizados" responsáveis pela maior parte de pedidos do gênero — imprensa, ONGs, associações profissionais e empresariais — devem melhorar não só a qualidade das solicitações, mas também a quantidade. Ele considera ainda "baixíssima" a demanda por informação pública no país. "E se não há demanda, não há fluxo", alerta. Para Weber, a regulamentação é necessária para que a informação flua melhor entre o Estado e a sociedade, mas está longe, porém, de ser suficiente:
— Para melhorar isso, é preciso uma cobrança sistemática e qualificada em relação ao fornecimento de informação pelo poder público.
A Controladoria Geral da União acredita que esse fluxo tem se aperfeiçoado e lembra que, enquanto o Brasil teve apenas seis meses para implementar a lei, em países como a Inglaterra o período foi de cinco anos. Segundo levantamento da própria CGU, 52 dos 281 municípios acima de 100 mil habitantes (18,5%) regulamentaram a Lei de Acesso à Informação. As cidades mais pobres têm dificuldade em fazê-lo, por conta da baixa capacitação do quadro funcional e da infraestrutura tecnológica precária. Tais dificuldades e a consequente demora na implementação local não devem, contudo, eximir os municípios do cumprimento das determinações da LAI, ressalta Mariana.
Criado para apoiar estados e municípios na implementação da lei, o Programa Brasil Transparente "vem tendo uma adesão positiva", avalia a CGU. Cerca de 1.100 entes públicos estão recebendo qualificação técnica e material de referência. Para facilitar o acesso a documentos antigos, o Arquivo Nacional se comprometeu a capacitar os órgãos públicos.
Para Mariana Atoji, a capacitação não deve se limitar a servidores, e sim se estender à educação dos cidadãos para melhor usar a Lei e cobrar o seu cumprimento. Mariana pondera que, embora possa parecer que estamos "indo devagar demais", é importante observar que a Lei de Acesso à Informação brasileira é a mais ampla do mundo, a única que se aplica a todos os Poderes em todas as esferas:
— O Brasil é um país enorme e diversificado, então, vai mesmo demorar algum tempo até que ela se expanda a todos os cantos. O importante é manter a atenção sobre Lei e usá-la. Pois, criando-se a demanda, força-se o poder público a cumpri-la.
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