No último sábado, véspera da implosão do Viaduto da Perimetral, posto abaixo para a reurbanização da região carioca do Porto, o geógrafo inglês David Harvey, reconhecido por suas contribuições críticas sobre o urbanismo, encheu o Teatro Rival, na Cinelândia, para uma descontraída conversa sobre Os limites do capital e o direito à cidade, seu mais importante livro, lançado agora em edição brasileira, pela Boitempo. Ao apresentar sua investigação sobre processos urbanos e as questões de habitação, urbanização, deslocamentos e gentrificação (como é chamada a revitalização de áreas degradadas), Harvey tomou o Rio como exemplo:
– Nas reorganizações urbanas, os ricos têm seus espaços respeitados. O que os governos fazem é o deslocamento da pobreza, nada mais. Isso é visto hoje no Rio de Janeiro, como é o caso da zona portuária. As pessoas que estão sendo deslocadas não são ricas; portanto, trata-se de um deslocamento dos pobres.
Escrito na década de 70 e lançado nos anos 80, o livro parte da experiência do autor em ver de perto os problemas de urbanização nos Estados Unidos, onde morava na época. Buscando respostas nas teorias de Marx, relacionou situações urbanas a questões políticas e econômicas e chamou de financeirização da urbanização a política de desmonte de bairros para dar lugar a novos loteamentos ou condomínios.
– Naquela conjuntura, a questão do preconceito ainda era muito forte. Ao fazer uma reforma urbana, os planos de deslocamento eram aplicados em regiões onde viviam negros e pobres. E isso é um fato visto até hoje – explicou, acresentando que o sonho da casa própria, alimentado pelo governo americano, reforçava a discriminação, por segregar os que não têm.
Harvey defendeu o uso do patrimônio público pela população, e criticou a apropriação destes pelo governo:
– As pessoas não podem utilizar os espaços públicos da própria cidade. Por exemplo, se você quer fazer uma palestra em uma escola pública, você deve pedir autorização à Secretaria de Educação do Estado, que vai pedir para outro departamento. Ou seja, um lugar que deveria ser para todos, por ser público, se torna algo segregado e burocrático.
Além da versão brasileira de Os limites do capital e o direito à cidade, Harvey também lançou no Rio a coletânea Cidades rebeldes – Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, em que assina o artigo Liberdade da cidade. Ao comentar o cenário político atual, incluindo o brasileiro, Harvey afirmou:
– Atualmente, quando um presidente diz que o país está indo muito bem, ele quer dizer que o capital está indo bem, mas as pessoas estão indo mal.
Em meio às críticas ao capitalismo, reconheceu ser difícil viver fora dele e agradeceu o patrocínio da Petrobras para vir ao Brasil:
– Há um limite poroso entre corrupção e o que é legal. A corrupção é uma espécie de mercado, e só dá certo porque é ilegal. Talvez seja melhor legalizá-lo – ironizou.
O encontro foi uma parceria da Boitempo com a PUC-Rio, o Decanato do Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH), o Instituto de Estudos Avançados em Humanidades e o Programa de Pós-Graduação em Arquitetura.