Baixada a poeira da Primavera Árabe, que destituiu quatro chefes de Estado e balançou as estruras de poder em outros 14 países, a liberdade de expressão e o acesso a informações, sigilosas ou não, anda mais difícil naquela área. A avaliação de Rana Sabbagh, diretora-executiva do Arab Reporters for Investigative Journalism, rede baseada em Amã dedicada a promover o jornalismo investigativo em nove países árabes, ganha tom de denúncia contra a repressão aos veículos de comunicação na Jordânia. Única voz feminina da mesa O Estado Global do Jornalismo Investigativo, na conferência da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), na PUC-Rio, Rana afirma que as mudanças políticas decorrentes da Primavera Árabe agravaram a censura em países do Oriente Médio à imprensa.
Em entrevista ao Portal, a jornalista reiterou que uma das consequências de democracias claudicantes é o papel do governo como “controlador e limitadora à liberdade de expressão”. Ela aponta os tabus religiosos e sociais como alguns dos principais obstáculos ao apoio popular à imprensa, e dispara: na Jordânia, a função social da mídia é ameaçada pelo "descomprometimento e falta de ética de repórteres e editores". Para Rana, o caminho para um país de "democracia plena" ainda está distante, mas é preciso persistência do trabalho jornalístico.
Portal: Na sua opinião, qual a maior dificuldade ao trabalho do jornalista no Oriente Médio?
Rana Sabbagh: O primeiro problema é que, em grande parte dos países do Oriente Médio, não existe uma lei que assegure os direitos básicos aos jornalistas. Por exemplo, na Tunísia, os jornalistas podem ser presos simplesmente por expressar suas opiniões. Partindo desse princípio, iniciam-se várias formas de censura à imprensa. Na Jordânia, temos a lei de acesso à informação, mas não funciona porque é muito complicada, é anulada por outras leis. Ou seja, só existe no papel, para que se tenha a impressão de que a monarquia constitucional na qual vivemos é plena.
Portal: Em meio a essas dificuldadas, soma-se a censura à imprensa?
Rana: A censura existe em várias formas. O governo não concorda que a imprensa tenha financiamento estrangeiro, por acreditar que a imprensa precisa ser independente. Por outro lado, para conseguir dinheiro público, é preciso escrever o que o.governo quer. Além disso, os próprios jornalistas são muito preguiçosos e usam seu poder para pagar por informação, o que é totalmente antiético. Eles simplesmente não querem ter trabalho, querem facilidades.
Portal: Então que os próprios jornalistas contribuem para a perpetuação da deficiência da imprensa na Jordânia?
Rana: O maior problema é que hoje jornalistas e editores são extremamente competitvos, então não há espaço para jornalismo de excelência. Se eu escrevo uma reportagem, apenas dois ou três colegas me apoiam. Os outros, ou seja, a maioria da mídia tenta desqualificar o trabalho. Esse tipo de editor também não quer enfrentar as autoridades. Assim, uma vez que a reportagem é mal vista pelos poderosos, os editores pedem para que não publiquemos mais sobre o assunto. Os editores não são jornalistas que trabalharam em redação. São colocados lá pela inteligência oficial. São uma espécie de extensão do governo, e cerceiam o que é dito. Isso dificulta, e muito, o nosso trabalho. A mídia hoje é controlada por empresários e pelo governo.
Portal: A sociedade civil apoia o trabalho jornalístico?
Rana: Os tabus religiosos e sociais, muito presentes em sociedades conservadoras como as do Oriente Médio, ainda interferem nesse apoio popular. Por exemplo, a investigação que fizemos sobre o centro infantil de deficiência mental foi recebida com resistência pela sociedade, por acharem que a reportagem prejudica a imagem do islamismo. Alguns disseram até que fomos instrumento de ataque do Ocidente ao islã e ao governo. Mas a discussão que quisemos jogar luz era se devíamos esconder uma história verdadeira, e permitir que as cuidadoras continuassem a bater nas crianças, ou deveríamos todos proteger quem não consegue se defender sozinho, por ser deficiente. Trata-se de um trabalho difícil, mas precisamos começar de alguma forma. Temos que acreditar no nosso trabalho e construir nossa credibilidade aos poucos, para que a população nos apoie. Não podemos parar agora.
Portal: Ser mulher dificulta ainda mais o trabalho de jornalismo investigativo na Jordânia?
Rana: Nunca me vi como uma mulher, e sim como uma profissional. Nosso trabalho é como o de uma médica ou advogada. Ser mulher ou homem não interfere. Atualmente, na nossa cultura ser jornalista, facilita nosso trabalho porque somos vistas como o sexo frágil. Não sofremos abusos, nem ataques. Hoje, é mais difícil o trabalho do jornalista homem, que convive diretamente com ameaças no meu país. Nós jornalistas, homens ou mulheres, sofremos do mesmo problema: viver numa democracia deficiente. Isso é o mais difícil.
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