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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


País

Para pesquisador, metas da Fifa no Brasil são falhas

Gabriel Camargo - aplicativo - Do Portal

06/03/2014

 Maria Christina M. Corrêa

O dia 30 de outubro de 2007 foi marcado por muitas comemorações. O Brasil foi oficializado pela Fifa como sede da Copa do Mundo de 2014. Quase seis décadas depois de sediar o Mundial de 1950, era a vez do país receber novamente um dos maiores eventos esportivos do planeta. Alguns dias depois, na África do Sul, chegavam as notícias de uma grande greve dos operários nas obras para a Copa de 2010. As greves dos trabalhadores sul-africanos continuaram até o ano do Mundial, enquanto isso no Brasil, as mudanças nas cidades-sede já começavam.

O sul-africano Eddie Cottle, autor do livro South Africa’s World Cup: A Legacy For Whom? (Copa do Mundo da África do Sul: um legado para quem?),acompanhou de perto a relação entre a Fifa e a sede do Mundial. Além disso, falou sobre os gastos excessivos feitos pela África do Sul, que se repetem no Brasil e motivaram manifestações por diversas cidades brasileiras.

Cottle conversou com o Portal PUC-Rio Digital sobre o pós-Copa do Mundo na África do Sul, as promessas da Fifa e o que podemos esperar, não só do evento futebolístico, como também das Olimpíadas em 2016 para o Brasil.

Portal PUC-Rio Digital: O termo mais utilizado quando se fala em Copa do Mundo e Olímpiadas é o "legado". Utilizando o título do seu livro: o legado de 2010 foi para quem?

Eddie Cottle: Quando o termo "legado" é utilizado pela Fifa, pelo Comitê Organizador Local, pelos governantes ou por economistas, a ideia é de que seja algo totalmente positivo, com o argumento de levar benefícios para o crescimento da economia e o desenvolvimento urbano. Mas são mentiras. Nunca fazem estudos sérios sobre os gastos com investimentos para a Copa feitos pelo governo, o impacto no meio ambiente ou até mesmo a contribuição do evento para o país. Como todas as outras propostas para megaeventos esportivos, o relatório econômico oficial é mantido em segredo e longe do público, principalmente porque esses relatórios são falhos.

Portal: Uma das piores consequências da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil são as remoções compulsórias (leia a matéria do Portal), principalmente em regiões mais pobres das cidades e que irão receber estruturas esportivas. Na África do Sul a situação foi parecida?

Cottle: Não tenho muitas informações sobre esse tema na África do Sul, mas é certo que o problema não foi tão grande quanto é no Brasil. Então, provavelmente os brasileiros sofrerão mais do que os sul-africanos quando se fala em remoções.

Portal: Alguns dos doze estádios construídos ou reformados para a Copa de 2014 são em estados onde o futebol não possui muito apelo (Amazonas, Mato Grosso do Sul e Brasília são alguns exemplos) e os custos são altos. Como é tratada essa questão na África?

Cottle: A África do Sul gastou US$ 2,5 bilhões para reformar as "arenas" da Copa. É extremamente difícil para quase todos os estádios apenas cobrirem suas despesas operacionais, muito menos obter algum lucro. Isso significa que os impostos municipais locais têm aumentado e mais recursos do orçamento nacional foram solicitados para gerenciar os custos excedentes destes estádios. Devido à enorme pressão para acelerar os chamados "projetos da Copa", governos realocam milhões dos orçamentos de prestação de serviços para as obras de infraestrutura da Copa do Mundo. Observando as desigualdades em nossos países, o mesmo deve acontecer no Brasil e isso significa que a classe trabalhadora e os pobres vão perder em prestação de serviços básicos para a realização dos eventos.

Portal: De acordo com o Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, em entrevista ao programa Bola da Vez (da ESPN Brasil), "a Embratur e o Ministério do Turismo divulgaram recentemente um estudo dizendo que os turistas gastariam durante a Copa R$ 25 bilhões" (leia). Podemos acreditar neste retorno?

Cottle: Apesar das garantias dadas pela Fifa, a África do Sul não alcançou o número esperado de turistas (que foi significantemente menor do que o previsto). 60% dos ingressos da Copa de 2010 foram comprados pela população local, ou seja, além da África do Sul subsidiar o evento, também pagou por ele. Isso significa que, como em 2010, no Brasil, o evento será um grande "mega-subsídio" público à Fifa e seus parceiros comerciais, com muito pouco retorno sobre os investimentos feito pela sede.

 Arquivo Pessoal Portal: E em relação aos empregos?

Cottle: Uma das formas para criar aceitação geral da Copa do Mundo foi produzindo números exagerados de criação de emprego. Em termos do impacto da Copa no emprego, os números pareciam muito encorajadores. O número estimado era de 695 mil no total para pré e pós-Copa. O que realmente aconteceu? No segundo trimestre de 2010, as taxas de empregabilidade diminuíram em 4,7%, ou seja, perdemos 627 mil postos de trabalho. No setor da construção civil, onde se tinha a ideia de que seria bom para todos, o emprego diminuiu em 7,1% (ou 54 mil postos de trabalho) no período. Olhando para o que está acontecendo no Brasil, tudo o que você pode esperar é a geração de empregos com salários baixos a curto prazo e recursos públicos desviados para os lucros de empresas.

Portal: Financeiramente, a Copa do Mundo trouxe mais benefícios ou prejuízos para a África do Sul?

Cottle: Em 2003, a consultora Grant Thornton Internacional estimou que as despesas do governo sul-africano na Copa do Mundo seriam "mínimas": US$ 223 milhões, mas com perspectiva de arrecadar US$ 954 milhões durante o evento, ou seja, um lucro enorme. Porém, o valor atual estimado das despesas com a Copa é de US$ 5,2 bilhões, um aumento enorme de 1.709%. Mesmo assim, nós não temos a conta final com os custos totais e provavelmente nunca teremos. A estimativa atual no Brasil – como em qualquer outro país que hospede o evento – será de aumento de gastos dos fundos públicos.

Portal: Qual foi o pior problema que a África do Sul passou e que o Brasil poderá passar também?

Cottle: A promulgação da Lei Geral da Copa, que é a origem da queda de braço entre o governo brasileiro e Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa. Estas leis incluem garantias à entidade, que fica em uma bolha livre de impostos, sem restrições de importação e exportação de todas as moedas estrangeiras para e do Brasil, a suspensão de qualquer legislação trabalhista que pudesse restringir as ações da Fifa e outras garantias. Para cumprir essas concessões extraordinárias na África do Sul, a entidade exigiu que o estado criasse e financiasse juizados especiais, por exemplo.

Portal: Se no Brasil nós tivemos manifestações por diversas cidades durante a Copa das Confederações, na África do Sul as greves foram a mobilização popular que mais chamou a atenção. Como elas foram tratadas pelo povo sul-africano, imprensa e pela Fifa? Maria Christina M. Corrêa

Cottle: Uma das características das greves foi o amplo apoio do público sul-africano e da mídia local. Mesmo que elas influenciassem diretamente no andamento das obras para a Copa. Já a mídia internacional, que não acreditava na capacidade do governo sul-africano de realizar o evento com sucesso, colocava os trabalhadores da construção civil como principais responsáveis pelo atraso de algumas obras, mas isso não era verdade. As horas extras e o ritmo de entrega foram fenomenais: em 2009, vários meses antes da Copa, a maioria dos estádios já estavam quase completos.

Portal: Outra crítica feita pelos brasileiros durante a Copa das Confederações de 2013 foi em relação aos preços de comidas e bebidas dentro dos estádios. Além disso, apenas pessoas com ingressos podiam circular ao redor das arenas, afastando os comerciantes locais, por exemplo. Como foi em 2010?

Cottle: Por implicação, o comércio local será marginalizado, pois a marca da Copa do Mundo será ilegal para eles. Na África do Sul, por exemplo, fomos forçados a vender a cerveja americana Budweiser, embora tenhamos grandes empresas de cerveja locais. Mais de 100 mil comerciantes informais perderam rendimentos durante a Copa e não podiam acessar os estádios. Notando as semelhanças entre os dois países, o mesmo vai acontecer no Brasil.

Portal: No Brasil muitas críticas são feitas em relação ao preço dos estádios. Existe alguma evidência de corrupção?

Cottle: Os argumentos utilizados para os enormes aumentos de custos – especialmente o aumento do preço do cimento – eram de que resultaram da vulnerabilidade dos mercados financeiros globais e sul-africano. No entanto, as empresas de construção, que estavam envolvidos em licitações fraudulentas – um eufemismo para roubo – haviam criado artificialmente os custos dos contratos e, assim, mais dinheiro dos contribuintes vão para projetos da Copa do Mundo, incluindo os elefantes-brancos do Mundial. Com o aumento nos lucros, observamos um aumento na diferença salarial entre os diretores executivos de construção e trabalhadores de construção em geral a partir de 166 em 2004 para 285 em 2009. Ao contrário do jovem que foi condenado a uma pena de prisão de cinco anos por roubar o celular de um turista, os diretores de construção não visitarão o interior dos tribunais. A Copa do Mundo certamente ajudou a nos tornar uma sociedade mais desigual. Será que no Brasil será diferente?