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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


País

Itamaraty: troca indica espaço à agenda verde

Júlia Cople - Do Portal

29/08/2013

 Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Pouco mais de um mês após reafirmar os laços do Mercosul com a Bolívia, a presidente Dilma Rousseff vê estremecidas as relações diplomáticas com o país vizinho. Se em julho Evo Morales foi impedido de sobrevoar países da Europa sob suspeita de carregar Edward Snowden, o ex-funcionário da agência nacional de segurança americana (NSA) acusado de vazar informações sigilosas, o episódio de domingo (25) envolve outro asilado político: o senador Roger Pinto Molina. O parlamentar de La Paz deixou a Embaixada brasileira, onde estava há um ano, rumo à fronteira brasileira, com a ajuda do embaixador interino Eduardo Saboia e do senador Ricardo Ferraço (PMDB-MG). Sem o devido salvo-conduto, mesmo com a escolta dos fuzileiros navais, a ação foi considerada arriscada e, por não conter o aval das autoridades bolivianas, uma infração ao direito internacional. Resultou na demissão do chanceler Antonio de Aguiar Patriota, substituído por Luiz Alberto Figueiredo, diplomata de carreira, cuja atuação indica mais espaço à agenda verde na diplomacia brasileira.

Apesar dos motivos conturbados, a mudança no primeiro posto das Relações Internacionais é recebida positivamente por analistas e cânones do mundo diplomático. Acreditam que o novo ministro, negociador-chefe do Brasil na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, reúne habilidades suficientes para conduzir avanços diplomáticos além da esperada ampliação das fronteiras verdes.   

Figueiredo nasceu há 59 anos, no Rio, e se formou em Direito pela Uerj. No Itamaraty desde 1980, iniciou a carreira como diplomata-assistente e teve seu primeiro cargo fora do país em 1986, quando foi o segundo secretário do Brasil na Missão das Nações Unidas. O novo chanceler trabalhou nas embaixadas de Chile, Canadá, Estados Unidos e França. Em 2005, foi destacado pela presidente Dilma para representar o Brasil para as reuniões da ONU – posto que agora pertencerá a Patriota. Notabilizou-se pelas negociações sobre mudanças climáticas. (Veja a reportagem do Portal PUC-Rio da qual o diplomata participou, no ano passado.)

A diplomacia brasileira ganha, assim, um discurso mais ecológico. Figueiredo dedicou os últimos 20 anos às pautas do meio ambiente, especialmente com a representação do país em conferências sobre mudança climática e com a posição de negociador-chefe na Rio+20. O jornalista e professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio André Trigueiro, criador do blog Mundo Sustentável, prevê melhores perspectivas para o alinhamento do país às exigências ambientais:

— [Figueiredo] É o melhor nome do Itamaraty para a agenda de 2015, na qual, pela primeira vez, todos os países terão que apresentar metas e prazos para resolver a questão climática. Terão que apresentar objetivos de desenvolvimento sustentável em lugar das metas do Milênio. Ele está muito à vontade para inspirar o Brasil nessas pautas, afinal só deve bater continência para Dilma.

O professor de Relações Internacionais da Uerj Franklin Trein também aposta no fortalecimento da agenda verde, tonificada pela "experiência e o conhecimento de Figueiredo sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável". Trein acrescenta, porém, que outras áreas sejam beneficiadas:

— Ele tem muita intimidade com os problemas de política de desenvolvimento científico e tecnológico como um fator importante das relações exteriores — destaca — Além do mais, é muito mais descontraído que seu antecessor — completa.

Já o professor de Relações Internacionais da UFRJ Leonardo Valente enxerga semelhanças na filosofia de trabalho de Patriota. Mas reconhece que a retórica tende a ser diferente:

— Penso que ele dará um tom mais pragmático à política externa brasileira. Enquanto Patriota priorizava a reconciliação e a diplomacia, Figueiredo tem um tom mais objetivo, mais executivo.

Embora a biografia e até a personalidade do novo chanceler justifiquem as expectativas de avanços diplomáticos, Trein ressalva que a troca não suaviza o prejuízo causado, pela recente confusão ciom o governo boliviano, à imagem das relações internacionais do Brasil. Segundo ele, pode até abalar transações comerciais:

— Será difícil encontrar na história da diplomacia brasileira atos tão negativos. A imprensa especializada se mostra até surpresa pelo modo como nosso governo vem administrando uma violação das boas relações com um vizinho, um país amigo, especialmente quando temos que renegociar os termos do fornecimento de gás boliviano para a indústria paulista por mais um período.

 

Especialistas: "Um ministro ecológico, mas que chega para lidar com um incidente político"

Para conseguir asilo político, senador boliviano Roger Molina alegou ser perseguido por suas posições políticas e por ter acusado membros do governo de envolvimento com o narcotráfico. O translado de Molina, sem a garantia por parte de La Paz de que o comboio seguiria até a fronteira brasileira livre de intervenções no trajeto, foi considerado de alto risco. A demora do governo da Bolívia em conceder o salvo conduto é justamente o argumento dos defensores da ação, pois, segundo eles, a Convenção Interamericana sobre asilo prevê a assinatura do termo assim que o asilado for aceito por outro país.

No mês passado, Dilma foi solidária ao presidente boliviano Evo Morales no impasse diplomático com França, Itália, Portugal e Espanha. Os europeus haviam proibido a passagem do avião que levava Morales sobre seus territórios. Alegaram a suspeita de que carregava o ex-agente da inteligência norte-americana Edward Snowden, acusado por Washington de espionagem pela revelação do programa de monitoramento de dados a nível global da gestão do presidente Barack Obama. Dilma chegou a dizer que o constrangimento “atingia toda a América Latina e comprometia o diálogo e possíveis negociações entre os continentes”.

Agora é o Brasil quem corre para estabilizar as relações diplomáticas entre os países. O primeiro incêndio que Luiz Alberto Figueiredo terá de apagar, já a partir de hoje, quando deve assumir a nova função. “Um chanceler ecológico, que chega para lidar com um incidente político, envolvendo um aliado no qual o Brasil tem interesses econômicos”, resumem analistas. Sua primeira oportunidade será no Suriname, onde deve acompanhar a presidente Dilma, em 6 de setembro, na Cúpula da União Sul-Americana de Nações (Unasul), que também contará Morales.

Outra pauta importante da agenda externa brasileira sobre a qual Figueiredo deverá se posicionar é a espionagem do Brasil pelos Estados Unidos. O impasse será tratado no encintro entre Dilma e Obama programado para outubro.