Gabriel Camargo - Do Portal
05/07/2013Nunca antes na história do país um movimento foi tão difundido, veiculado, filmado e fotografado, curtido e criticado quanto as manifestações que se espalham pelo Brasil desde o início de junho. A contradição entre o que é informado na grande mídia e nas redes sociais; o desequilíbrio entre as cenas de vandalismo e de “ato democrático”; a dificuldade da imprensa em lidar com novas vozes; e o monopólio da informação são algumas das razões para a cobertura tradicional sobre os recentes eventos não ter sido de “bom nível”, na opinião de professores de jornalismo e pesquisadores de comunicação.
Para o coordenador de graduação do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, Leonel Aguiar, a surpresa diante do movimento e o costume da imprensa brasileira em procurar as mesmas fontes de informação prejudicaram a cobertura:
– O movimento foi tão inesperado, se deu de forma tão diferente que os acadêmicos tiveram dificuldade no processo de análise. E a imprensa teve mais ainda. A grande mídia está acostumada a lidar com fontes acessíveis aos jornalistas, que dão credibilidade e dados precisos sobre os fatos. De repente, surge um movimento de massa por várias cidades, sem liderança, ninguém sabe como aconteceu ou de onde surgiu. A imprensa se perdeu no momento inicial, achou que eram apenas jovens indo às ruas reclamar de 20 centavos. Passavam a sensação de que era uma imensa massa de perdidos no espaço. A mídia não conseguiu trabalhar.
Coordenador do curso de Jornalismo da PUC-Rio, o jornalista e professor Arthur Ituassu acredita que o sistema tradicional de mídia não consegue acompanhar e representar a complexa sociedade brasileira contemporânea, causando um grave problema de falta de representação dos anseios da população:
– Nossa sociedade se tornou ainda mais complexa a partir do processo de redemocratização. Já a estrutura midiática caminha no sentindo inverso, parece ter se tornado mais oligopolizada e concentrada. Com essa canalização, há o grande portal na internet, a grande rádio, a grande TV e o grande jornal, e se domina o mercado. Assim, temos um problema de representação das vozes da sociedade. Onde elas irão aparecer? Não há uma esfera intermediária entre o Estado e a sociedade civil que canalize os anseios da população. O que antigamente se chamava de “opinião pública”, se é que existiu um dia, hoje não existe mais. Há uma pluralidade de interesses e desejos não só econômicos, mas também de identidade.
Justamente por essa postura mais conservadora da imprensa, diante das variadas críticas feitas pelos manifestantes durante os protestos por todo o Brasil, os veículos de mídia também eram alvos. Jornalista com passagem por redações de jornais, revistas e sites, Carla Rodrigues, professora da PUC e autora de Jornalismo on-line: modos de fazer (Editora Sulina/Editora PUC-Rio), concorda com Ituassu:
– O modelo convencional de cobertura da imprensa não consegue dar conta dessa multiplicidade que acontece na rede. Isso já ocorria há muito tempo, mas durante as manifestações ficou mais evidente a distância entre o noticiário do jornal e aquilo que as redes sociais e as pessoas nas ruas estavam dizendo e fazendo. As manifestações têm sido também um sintoma da dificuldade do sistema de representação política, de fato, representar as pessoas. Um dos slogans tem sido “Fulano não me representa”. De alguma forma, os grandes meios de comunicação entraram nessa lista do que “não nos representa”.
Carla cita como exemplo o tratamento do jornal O Globo mudando a forma de tratar as manifestações. No dia 7 de junho, uma chamada sem grande destaque teve como título “Protesto contra passagens de ônibus em quatro capitais”. Onze dias depois, a capa foi dominada por uma foto da multidão que ocupou as ruas no Centro do Rio na segunda 17, sob a manchete “O Brasil nas ruas”. Já no dia 21, a edição mudava o foco para os confrontos entre policiais e manifestantes:
– Para mim, o principal exemplo é a manchete do O Globo na sexta-feira 21. Após horas de manifestação pacífica e ordeira na Candelária, a polícia foi violenta, tanto com manifestantes como com o que a imprensa insiste em chamar de “vândalo”. No dia seguinte, a manchete, em letras garrafais, foi “Sem controle”, supondo que quem estava sem controle era a população. Nesses dias, os relatos nas redes sociais eram de que a polícia agia sem nenhum controle contra a população. Abre-se um abismo; a pauta da imprensa não representa os anseios da sociedade.
Os professores acreditam que houve excesso na exibição das cenas de vandalismo, por mais que os apresentadores ressaltassem o fato de serem pacíficas. O jornalista e professor da PUC-Rio José Eudes Alencar afirma que a hegemonia dos grupos de comunicação influencia diretamente as coberturas:
– Não considero que a cobertura tenha sido jornalisticamente séria. Há uma hegemonia conservadora na imprensa brasileira como um todo. A cobertura, de modo geral, é pautada pelos interesses dessa hegemonia de centro-direita.
Com 69 veículos, somados a 35 grupos afiliados por todo o território nacional, as Organizações Globo dominam o mercado do país. Em segundo lugar fica o Grupo Abril, com 74 veículos, sendo 58 revistas.
O jornalista e professor da PUC-Rio José Eudes afirma que uma posição mais conservadora acaba prevalecendo na grande mídia.
– A cobertura não tem sido de bom nível, não me considero suficientemente informado a respeito do que está acontecendo no país a partir dessa cobertura, que é uma função primordial da imprensa: dar ao cidadão um conjunto de informações que permita ao próprio fazer um juízo dos acontecimentos – diz Eudes, lembrando que a imprensa escrita no Rio está hoje sem concorrência: – De modo geral, a cobertura jornalística quase sempre é fraca. Temos apenas um jornal para uma cidade enorme e complexa. Ajudado por fazer parte de um grande conglomerado de mídia, O Globo acaba vivendo uma situação de monopólio, tem o domínio da informação no Rio. Claro que há mecanismos como a internet, mas o meio profissional está nas mãos de uma única organização familiar. Isso é ruim para o jornalismo da nossa cidade – avalia.
Diretor da União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura (Ulepicc) no Brasil, o professor Marcos Dantas, que realiza estudos e pesquisas sobre economia política da informação, comunicação e cultura, políticas públicas em tecnologias digitais, TV digital, internet e regulamentação dos meios de comunicação etc, concorda com Eudes e aponta uma homogeneização da informação:
– Há monopólio no seu conceito econômico. Porém, a matéria é a mesma na Folha de S.Paulo, no Globo, na TV Record e na Rede TV. Eles não concorrem entre si. O monopólio é da agenda, do que é ou não notícia. Existe uma homogeneização. No dia 29 de junho, houve em São Paulo uma passeata evangélica que reuniu 1 milhão de pessoas (Marcha para Jesus), na qual estiveram Silas Malafaia (líder da Assembleia de Deus) e Marco Feliciano (pastor e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados). Ao mesmo tempo, ocorriam as manifestações. No dia seguinte, 15 páginas do Globo tratavam desses protestos. Não encontrei notícia da passeata (foi publicado um texto-legenda de quatro linhas). Nesta quinta-feira (4), cem pessoas foram protestar no Leblon e ganharam muito mais espaço da mídia.
Para Marcos Dantas, o povo que foi às ruas não era tão diversificado:
– Na verdade, essas manifestações foram de um segmento da classe média. Parte da classe média tem uma tendência para a esquerda e outra para a direita, ambas foram juntas para as ruas. Era a classe média protestando contra o alto custo de vida. E entra uma segunda reclamação que ficou evidente, a reclamação contra a política. Os políticos que hoje dominam a política brasileira representam muitas pessoas, mas não são eleitos pela turma que está nas ruas.
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