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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Cultura

Quatrocentos anos de utopia

Guilherme Costa e Bruna Santamarina - Do Portal

04/09/2008

A PUC-Rio organizou uma série de atividades em homenagem aos 400 anos do nascimento do padre Antonio Vieira, tema do seminário “Antônio Vieira: Quatrocentos anos”, que celebrou os quatro séculos do nascimento daquele que foi, nas palavras de Fernando Pessoa, “o imperador da língua portuguesa”. Promovido pelo Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio (CTCH), as discussões ocorreram no Auditório Anchieta e contaram com a presença de especialistas sobre a vida e a obra de Padre Vieira, além de uma exposição de obras raras e teses defendidas sobre o teólogo.

Depois da exibição do filme Palavra e Utopia, do diretor português Manoel de Oliveira, contando a trajetória de padre Vieira, o professor Miguel Pereira revelou que a luta travada pelo reverendo em favor de índios e negros pode ser vista como uma atitude até então inédita, antecipando a história:

- Ao mesmo tempo em que ele considerava que os índios eram povos autônomos e que tinham direito de ser, que tinham cultura própria, ele aprendia a cultura deles. Ele aprendeu várias línguas indígenas pra conversar com esses índios. O objetivo final era converter os índios ao cristianismo, mas ao mesmo tempo tinha um lado de inculturação. Ele foi o primeiro que se misturou, na vida colonial, com os povos originais, com os povos indígenas.

Autora da dissertação “Antônio Vieira, o pregador da palavra”, sob a orientação da professora Cleonice Berardinelli – também presente nas discussões –, Cláudia Cristina Couto defendeu que, nas palavras de Vieira, a língua portuguesa ganha vida. A pesquisadora, doutoranda em Literatura Portuguesa na PUC-Rio, ela acredita que Padre Vieira rompeu com o pensamento tradicional de sua época e procurou elaborar uma forma diferente de pensar:

- Se você lê os sermões dele sem dizer que foram escritos em 1600, você vai encontrar muito da atualidade. Você vê no “Sermão do bom ladrão” como ele mostra como são os nossos políticos de hoje. Se a gente mudasse as datas e mudasse o nome do autor, as pessoas iriam achar que se trata de um autor contemporâneo.

Herança deixada por Padre Vieira ainda é pouco lembrada

Admirador do modo “essencialmente literário” como Antônio Vieira encontrou para expressar suas obras, o escritor Deonísio da Silva acredita que, embora a obra do seminarista ainda seja bastante atual, ela tem sido pouco lembrada:

- O Vieira, num tempo em que era ‘normal’ considerar índios, judeus e negros como seres a serem perseguidos, ele fazia defesas candentes que evitavam a exclusão. Sobretudo do índio e do judeu tem obras em que ele defende a inclusão dessas etnias. Ele se posicionava contra qualquer discriminação. Esta herança do Padre Antônio Vieira, que é tão moderna e já existia lá no século XVII, devia ser mais bem cultivada – criticou o escritor, que se ressente da negligência do Brasil com as próprias tradições literárias.

Com o tema “Antônio Vieira: construtor da língua no Brasil”, a mesa-redonda reuniu o Arnaldo Niskier, membro da Academia Brasileira de Letras, a professora Eneida Bonfim, ex-decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH), e Ricardo Oiticica, doutor em Literaturas de Língua Portuguesa pela PUC-Rio.

– O padre Antônio Vieira é de importância fundamental porque foi um grande dominador dos segredos da língua portuguesa. – destacou Eneida Bonfim.

Eneida considera “o momento muito importante para a literatura brasileira”: as homenagens e os debates relativos ao Padre Antônio Vieira levam à discussão dos caminhos literários. Mais uma vez, o jesuíta revela-se fonte de inspiração.

– Não poderíamos deixar de homenageá-lo, que tanto fez pela literatura brasileira. – acrescentou Oiticica.

Trechos do sermão do padre foram interpretados pela atriz Cássia Kiss, que leu “Sermão Nossa Senhora do Ó,” e Érico Braga, do “Sermão da Sexagésima”.

– A vida da gente é repleta de momentos singulares. Este é um deles. Ler o texto do Padre é transformador. Estou muito mexida – emocionou-se Cássia Kiss.

Para Érico Braga, que acompanhou Cássia na leitura, os sermões de Antônio Vieira contemplam a razão e a emoção:

– Não sou um profundo conhecedor do Padre. Por isso dei um caráter diferente ao texto dele, que deixou de ser analisado e passou a ser sentido. Quem está lendo, como no meu caso, se entrega tanto ao texto que se torna quase um personagem.