“É uma instituição que defende os interesses do povo”. A declaração, feita pela dona de casa Maria Pascoal, 54 anos, expressa a opinião da moradora de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, sobre a atuação do Ministério Público (MP). Na cidade em que vive há mais de 20 anos com seu filho, Luan Pascoal, 19 anos, o Ministério Público Federal (MPF) revelou um esquema de corrupção em torno de R$ 1 bilhão referente à última gestão do ex-prefeito José Camilo Zito (2009 – 2012). Investigado exclusivamente pelo MPF com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), o suposto esquema de desvio de recursos na área da saúde envolvia quantia exorbitante, que atingia os repasses federais recebidos pelo município. Por isso, ficou a cargo do MP Federal.
Com a ação civil pública por improbidade administrativa movida pelos Ministérios Públicos, Zito e outros 20 participantes, além de três empresas, foram condenados pela Justiça Federal a devolverem aquela quantia aos cofres públicos. De acordo com as investigações, a corrupção começou em 2009, quando a prefeitura de Duque de Caxias, por mieo da Secretaria municipal de Saúde, assinou contrato para transferir a gestão de seis unidades de saúde do município (Campos Elíseos, Pilar, Imbariê, Parque Equitativa, Xérem e Saracuruna) em benefício de ONGs controladas pelo mesmo dono: Tufi Soares Mendes, hoje foragido. Ainda de acordo com a apuração policial, a Associação Marca e o IGEPP, atual nome do Instituto Informare, subcontratavam, de maneira irregular, a ONG Salute Sociale para prestar os serviços acordados. Marca, IGEPP e Salute Sociale operavam, segundo os MPs, um esquema fraudulento de desvio das verbas públicas. Agiam como organizações de aluguel, sob a anuência do poder público municipal.
Mesmo com um orçamento mensal milionário, cerca de R$ 9 milhões, as organizações não conseguiram melhorar a qualidade da saúde da cidade. A quantia é o dobro do que, antes da terceirização, a prefeitura desembolsava para cobrir os gastos das mesmas unidades. Durante vistoria nos postos, o MPF constatou a carência de itens básicos de limpeza, como ausência de lixeiras com pedal em várias das salas. “Grande maioria das salas com paredes vazadas; sala de clínica médica, sala de geriatria, sala de ECG (eletrocardiograma), sala de clínica médica, sem maca de exame; sala de curativo com esgotamento para rede urbana comum” foram alguns dos problemas descritos na ação de improbidade administrativa movida pelo MPF em parceria com o MP-RJ.
O quadro da saúde caxiense contrasta com o fato de a cidade estar entre as 20 mais ricas do país. Duque de Caxias é a segunda maior economia do estado do Rio, com arrecadação anual de mais de R$ 1 bilhão, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar disso, a população do município é obrigada a conviver com problemas como a falta de coleta de lixo regular. Há oito anos na Procuradoria da República em São João de Meriti, que cuida de todos os processos na Baixada Fluminense, o procurador da República Renato Machado reconhece que as adversidades encontradas na região "atrapalham o trabalho de qualquer profissional". Para ele, o MPF tem o dever de zelar pelas quantias federais investidas pelas prefeituras locais, e assim garantir melhores serviços públicos aos cidadãos.
O representante do MPF afirmou ainda que, por ser uma zona carente e muito dependente dos benefícios cedidos pelos governantes, fica difícil colher dados suficientes para entrar com pedidos de ações de improbidade administrativa. O motivo seria o medo dos residentes na área em perder, por exemplo, a promessa de asfaltamento na rua.
– Temos poucas ações de improbidade em relação ao que deveria. As aplicações do dinheiro público aqui são ruins, as obras são mal executadas, há desvio de verbas... Porém, é muito raro conseguirmos colher informações relevantes que embasem concretamente nossas ações. A população tem medo diante da fragilidade delas perante o Estado – argumenta o procurador.
A improbidade administrativa é caracterizada pela conduta inadequada de agentes públicos, ou de particulares envolvidos, que, por meio da função pública, enriqueçam ou obtenham alguma vantagem econômica de forma indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade em órgãos e entidades do serviço público; causem dano ao patrimônio público, com o uso de bens públicos para fins particulares, a aplicação irregular de verba pública, a facilitação do enriquecimento de terceiros à custa do dinheiro público, entre outros atos; violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições públicas.
A missão do MP pode ser resumido pela percepção de Maria Pascoal:
– A presença do Ministério Público é importante na Baixada Fluminense para fiscalizar o cumprimento das leis e evitar certos abusos. O povo daqui é sofrido, e na maioria das vezes, não sabe nem como o MP pode nos ajudar. De qualquer forma, no geral, sabemos que é uma instituição que está do nosso lado.
O ex-prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito, não quis se manifestar sobre o assunto.
* Texto produzido para disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pela professora Carla Rodrigues.