“Onde andam vocês, antigos carnavais?”. O samba-enredo de 1985 da Caprichosos de Pilares já cantava a preocupação com o gigantismo das escolas, ironizado três anos antes pelo lendário enredo do Império Serrano “Bumbum Paticumbum Prugurundum” (ouça aqui alguns sambas históricos). Simbolizada pela inauguração do Sambódromo, em 1984, a industrialização da festa popular, cujo primeiro desfile oficial remonta a 1932, desdobrou-se no crescimento dos enredos patrocinados; na disputa por profissionais responsáveis pelo “maior espetáculo da Terra”, que hoje trocam de agremiações em ritmo intenso; e em melhor estrutura para a produção e exibição das escolas de samba, um processo que, segundo o diretor da Grande Rio Ricardo Fernandes, custa entre R$ 12 milhões e R$ 16 milhões. A Cidade do Samba, onde desde 2006 os barracões das escolas do grupo especial ficam concentrados, reforça a consolidação do modelo empresarial que, para alguns, ameaça a identidade original do carnaval. Para o coordenador do Centro de Referência do Carnaval da Uerj, Felipe Ferreira, trata-se de um processo natural, inofensivo às raizes do samba. Ele reconhece a transformação nos desfiles, mas pondera: as escolas de samba “refletem o seu tempo”.
– O carnaval tem uma dinâmica própria como cultura popular. Não digo que deixou de ser normal, porque nunca houve uma normalidade. O que eu acho que está acontecendo é uma tendência maior ao patrocínio, pela questão do espetáculo. Essa lógica de mercado sempre houve, mas agora tem adquirido um poder maior – ressalta.
Nessa batida do espetáculo, o rodízio de profissionais do meio se intensifica. Se por um lado indica a consolidação do modelo empresarial, por outro desperta uma batucada de críticas cada vez que um bamba troca a escola do peito por outra. Como o casal de mestre-sala e porta-bandeira Marquinhos e Giovanna. Criados na Mangueira, ganharam dois títulos pela Unidos da Tijuca e, pouco depois do desfile deste ano, tiveram o passe comprado pela campeã Vila Isabel. Ferreira vê com naturalidade o troca-troca. Não considera uma ameça à identidade do samba, e sim um processo compatível a força adquirida pela indústria do carnaval, muito associada, lembra ele, ao turismo. Segundo o especialista, desta adaptação dependa a sobreviência das escolas:
– As escolas de samba hoje não podem ser como eram na décadas de 1930, 1950 ou 1970. Um dos segredos de existirem até hoje é o fato de refletirem o seu tempo. Estamos discutindo política e mercado. Há uma lógica contemporânea da espetacularização. A Liga das Escolas de Samba, o Sambódromo e a Cidade do Samba marcam esse processo da indústria do turismo.
Ainda mais pé no chão com o rumo da folia, o jornalista, compositor de samba-enredo e professor de Comunicação da PUC-Rio Lula Branco Martins pensa o carnaval, como ele diz, de uma maneira pop. Credenciado por incontáveis coberturas na Sapucaí, ele observa que casos como o da porta-bandeira Selminha Sorriso, há 16 anos na Beija-Flor, e o de Neguinho, intérprete oficial desde 1976, não servem mais de referência. Para ele, poucos "possuem a cara de uma determinada escola". Na opinião de Lula, a ameaça é outra: desafinar no quesito inovação.
– Dá uma emoção a mais ver essas pessoas que fazem [o carnaval] também por amor, mas não posso cobrar isso de todos. Acho uma hipocrisia pensar que estamos em 1930. É triste falar assim, mas a pessoa quer ser profissional, assim como no futebol. Deseja ganhar dinheiro. O (carnavalesco) Renato Lage tinha a cara da Mocidade, mas agora tem a do Salgueiro. Eu cobro um carnaval que chame a atenção pela inovação – enfatiza.
O diretor de bateria da Unidos da Tijuca integra a ala dos que mantêm o cordão umbilical com a agremiação de origem. Há cinco anos Mestre Casagrande comanda a Pura Cadência, bateria da amarelo-e-azul, mas está na escola desde 1979. Crítico da alternância de profissionais, Casagrande avalia que os próprios dirigentes inflacionam o mercado. "Eles não dão valor aos profissionais que possuem. Sou contra o troca-troca", posiciona-se.
O diretor da Grande Rio Ricardo Fernandes discorda. Descarta a desvalorização das pratas da casa. Para Fernandes, a movimentação crescente de bambas, à frente e por trás das câmeras, decorre da valorização dos desfiles com espetáculo, inclusive por consumidores de outros países. Assim, há uma disputa "natural" de mercado, por melhores condições de trabalho e visibilidade, e uma desejável renovação:
– No lugar da (carnavalesca) Rosa Magalhães, na Vila, entrou Cid Carvalho. Temos o Fábio Ricardo, que surgiu há menos de 10 anos; o Wagner Gonçalves, da Inocentes de Belford Roxo; o Júnior Pernambucano (campeão neste ano do Gupo de Aesso, pela Império da Tijuca) e o Cahê Rodrigues, da Imperatriz Leopoldinense – exemplifica.
Como na elite do futebol, o mercado aquecido torna mais raros os amores à camisa que resistem a propostas de outras escolas. Reforçada do casal Marquinhos e Giovanna, a Vila Isabel perdeu Rosa Magalhães, Carlinhos de Jesus, que coreografou a bateria, Marcelo Misalidis, coreógrafo da comissão-de-frente, e o intérprete Tingua, criado na Herdeiros da Vila, a escola mirim do bairro de Noel. Nem a campeã escapa de uma dificuldade hoje comum a vários segmentos de mercado: reter talentos.
Equilibrar as tradições e a busca pragmática da vitória é outro desafio que se acirra nas principais escolas do Rio. O diretor do Salgueiro Dudu Azevedo admite que a contratação de profissionais para obter nota máxima "é uma realidade". Ele aposta, contudo, na harmonia com os profissionais criados na escola:
– Não adianta ter tradição e não conquistar nota 10 no quesito – argumenta – A profissionalização faz com que as escolas contratem profissionais novos, que possam trazer nota máxima. Por outro lado, precisam valorizar o profissional nascido e criado na escola. O ideal é que todas tivessem esses profissionais de coração. Mas, se não for possível, tudo bem.
Espalhada pelas diversas área da produção do grandioso desfile, a revovação devem ser acompanhada por estrétias para manter acesa os traços originais da agremiação. Assim recomenda Mestre Marcão, diretor de bateria do Salgueiro desde 2004. Por isso, estimula a peneira feita pela escola mirim, da qual o filho Marquinhos, de 18 anos, é também diretor de bateria.
– As escolas como Mangueira, Mocidade, Portela e Salgueiro têm uma forte identidade. Uma das formas de preservá-las são as escolas mirins. A Ilha também tinha um identidade forte no tempo do Odilon, mas isso vai se perdendo com a evolução. Não adianta ficar um ano na escola e sair. E a identidade? E o trabalho? Entrei na bateria ainda pequeno, em 1984. Era da escola mirim Alegria da Passarela, que virou Aprendizes do Salgueiro – recorda.
“É uma profissionalização para o bem”, acredita Cravo Albin
O historiador Ricardo Cravo Albin, fundador do instituto cultural que leva seu nome, considera positiva a profissionalização. O troca-troca representa, para o especialista, um “esplendor que nunca houve”. Ele condena, entretanto, a interferência da lógica industrial no samba-enredo e na comissão-de-frente:
– Seria legal não haver publicidade dentro do desfile. O samba encomendado, feito para atender ao carnavalesco, pode ser muito prejudicial à própria qualidade, porque sempre é mais desejável uma espontaneidade. Precisamos preservar ícones como mestre-sala e porta-bandeira e a ala das baianas, pois a comissão-de-frente e mesmo a bateria já sofreram muita modificação – alerta.
A disputa por profissionais mais qualificados, ou mais adequados aos critérios de julgamento, reproduz o assédio observado na iniciativa privada. O jornalista Aydano André Motta diz que nunca viu uma troca tão intensa. Na avaliação dele, um fenômeno “absolutamente natural”, que não afeta a tradição:
– O que precisa se preservar é a tradição cultural. Por exemplo, as roupas e a dança do casal de mestre-sala e porta-bandeira precisam se manter fiéis à tradição. Mas o vestido da porta-bandeira de hoje pesa 40 kg, 50kg. Ou seja, para ela carregar esse peso e desfilar com a qualidade que se espera, precisa cultivar um ótimo preparo físico e ensaiar durante muito tempo. Logo, precisa de tempo livre e, consequentemente, não pode ter outra jornada de trabalho. Por isso, as escolas devem, sim, pagar salários a essas pessoas.
Além da disputa por profissionais, o planejamento das escolas também joga confetes no formato empresarial. Algumas já começaram o trabalho nos barracões para o carnaval do próximo ano, com dez meses de antecedência. Aydano compara o cronograma atual com o do carnaval do Salgueiro em 1969, quando a escola levou para a avenida o enredo “Bahia de todos os Deuses”. Mesmo considerado antológico, foi preparado um mês antes do desfile:
– Eles começaram a fazer as alegorias em janeiro para o carnaval em fevereiro. Isso é para mostrar como o desfile das escolas de samba era simples. E estamos falando de um desfile de antologia, considerado espetacular, com um samba cantado até hoje. Grande-Rio e Beija-Flor já começaram a trabalhar para o carnaval do ano que vem, que será em março. Nesse contexto, acho natural que os profissionais mais importantes das escolas sejam cobiçados.
Centros de memória são insuficientes, avaliam especialistas
Espaços dedicados à preservação da memória do samba, como o Centro Cultural Cartola, mantido pela Estação Primeira de Mangueira, e o Centro Djalma Sabiá, anunciado neste ano pela presidente do Salgueiro, Regina Celi, são contraponto à exploração crescente dos desfiles. Mas, na opinião de especialistas, ainda mostram-se insuficientes. Cravo Albin sugere a propagação de iniciativas do gênero:
– Há duas formas para preservar melhor. A primeira está na resistência dos grupos tradicionais de samba, como a ala dos compositores. O segundo é a possibilidade de eventos que possam repercutir na mídia e entre os próprios compositores, como o concurso de samba de quadra no Circo Voador. Pois mobilizam também pessoas independentes das escolas de samba. Embora haja movimentos a favor da preservação, acho que eles precisam ser multiplicados. Entendo que ainda são poucos.
O coordenador do Centro de Referência do Carnaval se diz esperançoso, mas não otimista. Felipe Ferreira propõe que a Prefeitura assuma um papel mediador, "jamais controlador":
– A Prefeitura precisa repensar sua atuação. Exercer uma mediação. Esse espaço pode ser ocupado pelo governo, mas sem controle. Não é o controle que vai resolver.
Mais crítico, Aydano vê ainda um longo caminho para preservar e melhor explorar tradições do samba. Ele compara com a preservação do tango em Buenos Aires: enquanto lá o visitante tem uma oferta de casas com shows do gênero, o turista que chega ao Rio encontra um Sambódromo sem grandes atrações a maior parte do ano. “Parece até um cemitério, com menos movimento que o São João Batista”, ironiza.
– O croqui do Cristo Mendigo de Joãozinho Trinta, do desfile da Beija-Flor em 1989, foi perdido. A história da cultura popular negra é contada de maneira oral. Há pouca documentação. Isso, nos dias de hoje, é um absurdo. As pessoas vão morrendo, e as coisas vão se perdendo. Isso se reflete na falta de preocupação com a memória de todas as atividades no Brasil. É um escândalo particular nosso não termos um museu do carnaval – lamenta.
"Super escolas de samba S.A."
A evolução do desfile rumo sob a regência da indústria do espetáculo apresenta dois ícones que culminaram na estrutura profissional das escolas: a Passarela Professor Darcy Ribeiro, o Sambódromo, inaugurada em 1984; e a Cidade do Samba, entregue às escolas em fevereiro de 2006. Para Lula Branco Martins, o acento industrial mudou também o perfil dos carnavalescos, que incorporaram atributos de gestores:
– A profissionalização ganhou corpo na década de 1980, com maior número de profissionais e maior investimento, e se consolidou nas décadas 1990 e 2000. O carnavalesco virou uma espécie de diretor geral. Notamos, hoje, a figura do diretor de carnaval: aquele que fica com celular e fone de ouvido coordenando todo mundo. Um diretor de harmonia mais sofisticado.
Aydano sugere o melhor aproveitamento da Cidade do Samba, como emblema de um show de proporções superlativas e marco do aperfeiçoamento da festa. Aperfeiçoamento para quem? Renova-se a discussão, observa ele, entre o modelo desejado: “uma festa para o gueto” ou “uma festa que atraia turistas, arrecade muito e passe uma imagem boa do Rio”:
– Eu quero uma festa milionária, planetária, que vá fazer a melhor propaganda e gere mais recursos para o Rio. À altura do Sambódromo, que acenou para as escolas: cresçam e se imponham. Talvez os carnavais do Rio e da Bahia sejam os únicos exemplos de cultura popular que se impõem à cultura dos brancos, à cultura dominante. O carnaval, em geral, e as escolas de samba, em particular, são, na minha opinião, a cara mais simpática do Rio. Melhor até que o futebol.
“Estão levando o carnaval para a Disneylândia”, brinca Lula
Como nos versos de 1990 da São Clemente, o samba virou Hollywood. A profissionalização e a exploração comercial "estão levando o carnaval para a Disneylândia”, brinca Lula. Assim revelam, por exemplo, a comissão-de-frente com alegoria própria e as coreografias da bateria sem relação com o enredo. Embora puristas torçam o nariz para inovações do gênero, ele diz que a Disneylândia "é do bem". Difundida pelo carnavalesco da Unidos da Tijuca Paulo Barros, de quem Lula é fã, as "alegorias-vivas" simboliza, ainda de acordo com o especialista, uma mudança inexorável: agora, além da beleza, o carnaval “precisa acontecer” na avenida.
– O (deputado Marcelo) Freixo apresentou uma proposta polêmica segundo a qual a Prefeitura só faria repasse de verba para as escolas que apresentassem enredos ligados à cultura. Alguns chamaram de censura, e ficou por isso mesmo. Mas há o outro lado desse desenvolvimento: aquelas alegorias de jacaré, índio e onças que abrem a boca não são mais novidade. Não despertam mais o interesse do público – observa Lula.
A inovação, porém, precisa estar associado ao enredo. Como fizeram três coreografias recentes da bateria da Mangueira. Em 2011, num enredosobre música popular brasileira, os ritnmistas aludiram à repressão. Vestidos de presidiários, eram "encarcerados" por guardas. Em 2012, sobre o Cacique de Ramos, a bateria abria espaço para o casal de mestre-sala e porta-bandeira se apresentar com uma mesa de pagode. Tais exemplos, na opinião de Lula, contrastam com a apresentação da mesma bateria neste ano:
– Gosto de ver coisas diferentes acontecendo na avenida. As baterias de 2011 e 2012 eram novidade, e tinham relação com o enredo. Mas em 2013 foi só Disneylândia. Não havia relação com o enredo, sobre Cuiabá. Resolveu-se simplesmente fazer uma bateria dupla.
Supostamente bem-vindas, as ousadias observadas em desfiles recentes na Sapucaí, mesmo as articuladas com os respectivos enredos podem, representar um risco à luz do regulamento. Por exemplo, a comissão-de-frente da Tijuca em 2010 (“É segredo”) trazia mais de 15 integrantes, número máximo permitido. A escola alegou, entretanto, que os componentes "visíveis" estavam dentro do limite, enquanto os outros ficavam escondidos na alegoria.
Regulamentos e tradições devem abrir janelas à inovação, concordam os especialistas. Caso contrário, acredita Aydano, ficaria-se refém do saudosismo. Ele usa a comparação com o setor de petróleo para reiterar a importância de rimar espetacularização e memória: “Se você quiser que o Brasil cresça e produza riqueza, vai precisar explorar. Eu quero a festa milionária para preservar a tradição”.
– Eu não vi o Garrincha jogando, vi meia dúzia de imagens que você também viu. Muitos sentem saudade do que não viram. Os desfiles que criticaram o gigantismo são uma visão da festa. Eu não discordo. É uma visão que faz sentido. Mas não tenho nada contra a festa milionária. Na festa milionária, o Império Serrano ainda usa agogô, a bateria da Mangueira mantém só o surdo de primeira, não usa o de segunda. Na festa milionária, o Neguinho ainda grita “Olha a Beija-Flor aí, gente!”, como fazia quando a festa era pequenininha. Na festa milionária, o casal de mestre-sala e porta-bandeira ainda dança como dançava antigamente, quando nem era desfile de escola de samba ainda. Unido à tradição, há um espetáculo de beleza que atrai o olhar do mundo inteiro – reforça.
“Perdeu-se a ingenuidade”, constata Ferreira
Os enredos patrocinados, cada vez mais comuns, despertam a desconfiança de foliões convencionais, acostumados a temas que retratam a cultura brasileira. Mas a percepção de que os enredos transfiguraram-se é imprecisa, afirma o coordenador do centro de referência do carnaval da Uerj. Sambas que homenageiam cidades ou que abordam um momento específico da nossa história, como a luta contra a redistribuição dos royalties, levado pela Grande Rio para Sapucaí em 2013, remontam a outra época:
– Perdeu-se um pouco a inocência. O enredo sobre os royalties de petróleo da Grande Rio é muito similar ao do Império Serrano em 1988 (“Para com isso dá cá o meu”), sugerido pelo carnavalesco Fernando Pamplona. A cidade do Rio perdeu muito com o fim do estado da Guanabara. O enredo era sobre isso. Os dois enredos remetem à luta do Rio sobre coisas que perdeu. Mas o Império, aparentemente, não tinha uma encomenda do Estado. Agora, observamos o enredo da Grande Rio de uma maneira extremamente crítica porque parece encomendado demais. Essa lógica de mercado acabou mudando a conformação da escola de samba. Não estou dizendo se é bom ou ruim, mas mudou.
A política atravessa o samba Grifes tradicionais do samba carioca, Mangueira e Portela atravessam turbulências políticas refletidas no carnaval. A verde-e-rosa venceu pela última vez em 2002. Já a mais recente comemoração da azul-e-branco foi a vitória no primeiro dia de desfiles em 1984. Neste ano, o carnaval teve um vencedor em cada dia: a Mangueira, vencedora do segundo, sagrou-se "supercampeã". A escola de Cartola, Nelson Sargento, Nelson Cavaquinho e Dona Zica, entre outros bambas, vive um caldeirão desde a década passada. Na votação de abril, quando a escola completou 85 anos, o deputado estadual Chiquinho da Mangueira foi eleito com 425 votos do total de 925. Logo depois, anunciou a contratação da carnavalesca Rosa Magalhães, campeã deste ano pela Vila Isabel, e a volta de Carlinhos de Jesus como coreógrafo da comissão-de-frente, após cinco anos longe do cargo. Além de problemas associados à organização do carnaval, o morro passa por um momento delicado em torno da consolidação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). A transparência das contas e a reforma da quadra são os principais desafios da nova gestão. Estima-se que a escola acumule um passivo de aproximadamente R$ 12 milhões. “O encanto e a maldição andam juntos”, diz Aydano O legado para a música popular brasileira e a quadra ao pé do morro formam, para Aydano André Motta, o encanto da Estação Primeira de Mangueira. O jornalista acredita, entretanto, que uma maldição caminha lado a lado de toda essa magia: – É uma comunidade de onde saíram alguns dos maiores artistas brasileiros, como Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça e Nelson Sargento, entre tantos outros. Você tem uma seleção de artistas que não são apenas do carnaval, mas da música brasileira. É a contribuição do morro da Mangueira para a cultura brasileira: inestimável. Por outro lado, a maldição é o abandono do poder público durante séculos. O tráfico de drogas ganhou uma força muito grande no Rio e a Mangueira teve de conviver inevitavelmente com isso. A despeito de desentros políticos e heranças do descaso da administração pública, Aydano avalia que a marca "Mangueira" se valorizou com o crescimento do carnaval carioca. Até porque seria impensável este avanço sem a instituição verde-e-rosa. Falta este avanço ser acompanhado de gestões eficientes, prescreve o jornalista: – Se o nosso carnaval fosse virar um hambúrguer, a Mangueira seria o McDonald’s. Ela é a mais discutida de todas. A Portela é a maior campeã, então também é uma marca muito tradicional. Se tudo se valorizou, a marca mais badalada se valorizou mais ainda. Mas não houve o acompanhamento de gestão necessário. Fênix: a inspiração da águia para dias melhores Na fila para a conquista de um carnaval desde 1984, quando venceu pela última vez, a Portela enfrentou uma das mais acirradas disputadas políticas das últimas décadas. O integrante da velha guarda Serginho Procópio venceu a eleição, com 154 votos, três a mais que o atual presidente Nilo Figueiredo, no poder há nove anos. O processo eleitoral foi marcado pela oposição de baluartes da escola contra a candidatura de Nilo ao que seria seu quarto mandato. Dona Dodô, ex-porta-bandeira da azul-e-branco, chegou a dizer que não desejaria ser velada na quadra da escola caso Nilo ainda fosse presidente. Embora não precise conviver com o tráfico, a escola também tenta se equilibrar em meio à divisão das forças políticas. Como se não bastasse, Aydano André Motta acrescenta que a localização da quadra dificulta a visitação, diferentemente da verde-e-rosa: – A Portela é uma marca tão forte que sobrevive há mais de 40 anos de administrações frágeis. Só a Portela rivaliza com a Mangueira. É um nicho do carnaval que vai muito além do samba, faz parte da cultura popular brasileira. Mas ela ainda tem uma característica que a torna mais fraca, porque, pela configuração geográfica da cidade, a Mangueira está mais perto das áreas ricas. Com isso, consegue atrair muitos turistas. A Portela timidamente consegue atrair com a feijoada e gerar renda. Do conjunto de desafinos na rotina da Portela, inclui-se até fornecimento de luz no barracão,por atraso no pagamento. A crise financeira, sentida também nos desfiles, abriu dissidência entre integrantes da velha guarda. Monarco apoiou a chapa de oposição, encabeçada por Serginho Procópio. Tia Surica, antes neutra, também declarou apoio a Serginho, após seu nome ter sido, segundo ela, usado indevidamente no lançamento da chapa de Nilo Figueiredo. Mesmo com todas as dificuldades, essas duas agremiações somam 39 títulos do carnaval carioca. Mais que isso, mantêm-se fortes no imaginário e no ranking das marcas mais representativas da folia carioca. Aydano engrossa o coro dos que torcem para reencontrarem a paz e as conquistas. Torcedor confesso da Beija-Flor, ele diz que “ver as duas escolas em crise faz mal para o carnaval”: – Mangueira e Portela precisam ser fortes. Essas marcas precisam ser fortes para, quem sabe um dia, quase delirante de tão otimista, termos o Império Serrano forte também. |
Vai e vem do mercado: Carnavalescos: Max Lopes: o mago das cores, como é conhecido, se despediu da Viradouro após o carnaval de 2013 e ainda não acertou com nenhuma escola. Rosa Magalhães: campeã em 2013 pela Vila Isabel, acertou com a Mangueira para o próximo ano. Cid Carvalho: responsável pelos desfiles de 2012 e 2013 da Mangueira, retornou para a Vila Isabel, onde trabalhou em 2007. Fábio Ricardo: responsável por conduzir o carnaval da São Clemente desde 2011, foi para a Grande Rio. Alexandre Louzada: comandará o carnaval da azul-e-branco de Oswaldo Cruz e Madureira, após ter sido o carnavalesco da Mocidade no ano passado. Roberto Szaniecki: conhecido como Polonês, o ex-carnavalesco da Grande Rio ainda está sem escola. Coreógrafo: Marcelo Misailidis: campeão pela Vila Isabel em 2013, saiu do carnaval para se dedicar a projetos pessoais. Mas voltou atrás com o convite da Beija-Flor. Carlinho de Jesus: foi responsável pela coreografia da bateria da Vila Isabel no carnaval passado. Ele volta a comandar a comissão-de-frente da verde-e-rosa após cinco anos. Intérpretes: Bruno Ribas: ex-intérprete da Tijuca, bicampeão em 2010 e 2012, chegou a ser confirmado por Nilo Figuiredo, ex-presidente da Portela. Mas não se acertou com a nova gestão e será exclusivo da Vai-Vai, de São Paulo. Gilsinho: após oito anos como voz principal da Portela, Gilsinho substituirá, a partir de 2014, Tinga na Vila Isabel. Zé Paulo Sierra: intérprete da Mangueira nos quatro últimos anos, dividia o carro de som com Luizito e Ciganerey. Pediu o desligamento da escola após o desfile desse ano. Ainda não acertou oficialmente com outra escola. Preto Jóia: é o novo intérprete da Mangueira. Dividirá a função com Luizito e Eraldo Caê. Começou como intérprete da Imperatriz Leopoldinense em 1985 e estava longe do Rio desde 2008 (trabalhou em São Paulo). Wantuir: ex-intérprete da Inocentes de Belford Roxo, rebaixada em 2013, com passagens pela Unidos da Tijuca, Grande Rio e o Império Serrano, acertou com a Portela. Ele dividirá a função com Richards, ex-intérprete da Mangueira em 2010, e Rogerinho, ex-Renascer de Jacarepaguá. Mestre-sala e porta-bandeira: Marcella Alves: porta-bandeira da Mangueira desde 2010, ela foi para o Salgueiro. Raphael, seu par, continua na verde-e-rosa. Squel: substituirá a Marcella na função de porta-bandeira da Mangueira. Neta do Xangô da Mangueira, ela estava na Mocidade. Marquinhos e Giovanna: o novo casal da Vila Isabel, criado na Mangueira, se despediu da Tijuca, na qual desfilava desde 2010. Julinho e Ruth: o casal campeão pela Vila Isabel foi contratado pela Unidos da Tijuca. Diretor de carnaval: Ricardo Fernandes: ex-diretor de carnaval da Unidos da Tijuca, é o novo homem forte do carnaval da Grande Rio. |