João Pedroso de Campos* - Do Portal
06/03/2013A morte de Hugo Chávez, derrotado nesta terça-feira por um câncer na região pélvica, impõe à Venezuela dúvidas e desafios mais complexos do que sugere a polêmica em torno da decisão do governo de contrariar a determinação constitucional para que o chefe da Assembleia Nacional, Disdado Cabello, assuma o poder até repassá-lo ao vencedor da nova eleição, supostamente no próximo mês. Criticada pelos oposicionistas, a permaência do vice-presidente, Nicolás Maduro, esquenta o clima político num país marcado, nos últimos 14 anos, pelo populismo e pelo carisma do controverso líder bolivariano. Ainda assim, a manobra é, segundo analistas, insuficiente para ameaçar o processo eleitoral e até o certo favoritismo de Maduro – no qual Chávez pediu à população que votasse, “caso viesse a faltar” – sobre Henrique Caprilles, cuja principal tarefa revela-se unir a oposição.
Seja qual for o resultado das urnas, o próximo mandatário do Palácio Miraflores terá de superar os impactos da ausência do líder que havia ganhado, nas eleições do ano passado, mais seis anos no poder. Além de comover boa parte da maioria chavista da população e intensificar incertezas acumuladas desde que a doença o impediu de confirmar o novo mandato, em janeiro, a morte de Chávez emerge uma questão de difícil prognóstico: terá a Venezuela capacidade administrativa e política para conduzir avanços socioeconômicos sem prejuízo do legado social do ex-presidente?
O professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio (IRI) Pedro Cunca Bocayúva (foto à esquerda) avalia que a força da "mitologia em torno do personagem Hugo Chávez" pode fazer da sua morte um potente cabo-eleitoral a favor de Maduro:
– Num raciocínio estratégico, tentando substituir o raciocínio ideológico, é obvio que, nesse momento, os elementos elementos míticos têm mais força diante da morte de Hugo Chávez: na reconversão para se criar uma liderança interna equivalente. Esta liderança tem, num curto tempo, tem que atualizar os elementos míticos, políticos e discursivos.
Já para o também professor Maurício Parada (foto abaixo), do Departamento de História da PUC-Rio, as condições de administração na Venezuela, "emperradas durante a Era Chávez por um sistema de governo inchado e um discurso externo muito mais inflamado que o interno", devem melhorar a partir do saneamento da economia venezuelana. Ele acredita, contudo, que o tom bolivariano e assistencialista, deve permaner. Em outras palavras, "haverá chavismo sem Chávez", o que, ainda de acordo com o especialista, tende se tornar improvável a vitória eleitoral Capriles, em que pese o bom desempenho do principal nome da opoisção no pleito do ano passao.
– O programa de redistribuição de renda a grupos indígenas e urbanos em situação de pobreza foi o legado mais consistente deixado por Hugo Chávez. Mesmo que, num futuro mais distante, a oposição ganhe as eleições, essa política de redistribuição não será desfeita. Nem a oposição está retirando esse argumento da sua plataforma. Haverá chavismo sem Chávez, assim como existiu peronismo, na Argentina, sem Perón – compara Parada – No caso da Venezuela, há uma estrutura política que, se não entrar em colapso, deve manter o grupo bolivariano no poder. A morte de Chávez não se limita ao agora, ela ai se estender por um período devido à mitificação do ex-presidente. Há uma repercussão que vai ser acompanhada pelos políticos, e esse apelo será um cabo eleitoral – prevê.
O professor duvida, no entanto, de que as políticas de subsídios a programas de saúde, habitação, educação e transferência de renda por meio do dinheiro resultante da terceira maior reserva de petróleo do mundo – fonte de 95% da receita do governo – assegurem uma "inércia eleitoral" no país. Para ele, a oposição deve se unir em torno de Capriles, que rejuvenesceu o discurso opositor e bateu o atual chanceler Elías Jaua, com 50,35% dos votos, nas eleições ao governo de Miranda, um estado-chave no jogo político venezuelano:
– Capriles fez uma boa campanha enfrentando Chávez. A primeira estratégia da oposição é recuar um pouco e participar do processo, e evitar erros do passado, como o boicote ao pleito, em 2005. A oposição deve tentar incorporar, de alguma forma, a plataforma chavista e não se colocar de maneira tão periférica na discussão durante um possível governo de Maduro.
Jovem confirma clima de divisão no país
Beatriz Brandt, de 19, nasceu no Brasil, mas se mudou aos 13 anos para a Venezuela. Filha de venezuelano, ela diz que nas ruas há um misto de alívio e de tristeza com a morte de Chávez. Se por um lado algumas pessoas soltaram fogos na noite de terça-feira, outras choravam a morte do “herói”:
– Para muitos o Chávez era um líder. Vi muitos ônibus vermelhos nas ruas, com pessoas aos prantos pela sua morte.
Esse clima de incertezas toma conta do país, segundo Beatriz. Enquanto se passam os dias de luto pela morte do ex-presidente, a população venezuelana mistura esperança em um cenário melhor com preocupação:
– Muitas pessoas estão se preparando para o pior, com medo de a morte de Chávez ser apenas a ponta do iceberg de uma crise maior que possa surgir.
A jovem disse ainda que o “terreno já estava sendo preparado” para a morte do ex-presidente. Ela revelou que, desde o fim do ano passado, os comentários nas ruas giravam em torno da morte de Chávez:
– A notícia não foi novidade para ninguém na verdade, porque Chávez não aparecia em nenhum lugar há meses. Muitas pessoas acreditavam que ele já havia morrido.
O clima de tensão, que toma conta do país neste momento, começou antes mesmo do anúncio oficial da morte de Chávez. Beatriz conta que chavistas, em protesto pela falta de informações, fizeram manifestações como greve de fome e se amarraram a correntes. Ela diz também que as ruas ficaram “praticamente vazias” após as primeiras notícias sobre a morte do ex-presidente:
– As pessoas ligaram o rádio e correram para casa em busca de melhores informações.
Dez comentários emblemáticos de Chávez (nem sempre refletidos na prática, sobretudo econômica)
“Obama, você é uma fraude... É um afrodescendente, mas é uma vergonha para essa população”, atacando o presidente americano, em 2011.
“É um alcoólatra, um homem doente e complexado. Tenho esperança de que os americanos não tardem a despertar e escolham um presidente melhor”, referindo-se ao ex-presidente dos EUA George W. Bush, em 2006.
“Ontem, o diabo veio aqui. Exatamente aqui. E ainda é possível sentir o cheiro de enxofre”, novamente manifestando-se, em 2006, contra o ex-presidente dos EUA, que, apesar do discurso contrário, se mantém como principal parceiro comercial da Venezuela.
“Não seja pentelho, senhor Insulza! Não tenho medo de você! Vá com seus insultos para outro lado”, em resposta a José Miguel Inslulza, presidente da OEA, que denunciou, em 2007, a suposta tentativa do presidente venezuelano de calar a Radio Caracas de Telvisión.
“Tem rabo de porco, orelhas de porco, ronca como um porco: é um porco. Vai governar o território de Tarzã e da macaca Chita. Aqui não!”, ironizando o adversário nas eleições do ano passado e principal voz da oposição, Henrique Capriles.
“Teremos 500 anos aqui e nunca nos calaremos, muito menos diante de um monarca. O rei é tão chefe de Estado quanto eu. Só que eu fui eleito três vezes”, reagindo à sugestão do rei da Espanha, Juan Carlos I, para calar a boca.
"Lula e eu não temos medo de nada. Somos machos", realçando a afinidade com o ex-presidente brasileiro.
"Quero dizer a Lula e a toda a sua equipe de governo: obrigado. Amor com amor se paga”, em mais um afago ao petista.
"Não seria estranho que em Marte tivesse havido civilização, mas o capitalismo e o imperialismo chegaram lá e acabaram com tudo", ampliando as fronteiras da tradicional retórica.
“Israel sempre critica Hitler, como nós todos, mas faz coisas muito parecidas com, ou até piores que aquilo que os nazistas fizeram”, numa comparação dura, em visita ao Irã, em 2006.
Repercussão internacional apontam rumo incerto no país vizinho
The New York Times: “Chávez’s Death Leaves Sharp Divisions in Venezuela.”(Morte de Chávez deixa agudas divisões na Venezuela).
El País: “Duelo e incertidumbre en Venezuela tras la muerte de Chávez.” (Tristeza e incerteza na Venezuela após a morte de Chávez).
Le Monde: “Hugo Chavez a privilégié le social plutôt que l’economie.”(Hugo Chávez enfatizava o social, e não a economia).
Clarín: “Comenzó el desfile de presidentes en Caracas para despedir a Chávez.” (Começou o desflie de presidentes em Caracas para despedida de Chávez).
El Mundo: “Ruta de la marcha fúnebre para trasladar restos de Chávez.” (Venezuela encara seu futuro após a morte de Chávez).
The Times: “State funeral for Chávez on Friday.” (Funeral de Estado para Chávez na sexta-feira).
Tratamento em Cuba abriu temporada de especulações Desde o início de sua luta contra um tumor na região pélvica, em junho de 2011, Hugo Rafael Chávez Frias atiçou inúmeros rumores e especulações sobre seu estado de saúde e sua capacidade de governar um país com tantas nuances políticas e sociais. Assim que descobriu a doença, Chávez embarcou para Cuba a fim de iniciar o tratamento, cujos detalhes nunca foram divulgados. Sabe-se apenas que o ex-presidente venezuelano passou por quatro cirurgias em um ano e meio, a última em dezembro de 2012. Dois meses antes, mesmo enfermo e fora do país, foi eleito pela quarta vez consecutiva, o que o credenciava a permanecer por 20 anos seguidos no poder. Logo após a vitória, nomeou o chanceler Nicolás Maduro como vice-presidente. Em janeiro, a Assembleia Nacional concedeu-lhe uma permissão para se ausentar do país por tempo indeterminado, para tratar o câncer em Cuba. Nessas circunstâncias, o Supremo Tribunal autorizou que a posse de Chávez fosse adiada para quando ele tivesse condições de saúde. No vácuo das faltas de informações sobre a saúde do líder bolivariano, a oposição intensificava os questionamentos sobre a capacidade de Chávez governar o país. A ausência impulsionava os apelos dos opositores para que novas eleições fossem convocadas. Em 18 de fevereiro, Chávez retornou a Caracas de forma surpreendente, mas permaneceu internado em um hospital militar da capital até sua morte. |
*Colaboraram Danilo Alves, Marina Chiarelli, Vítor Afonso, Igor Passos Novello.
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