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Rio de Janeiro, 13 de março de 2025


Cidade

Rio de Janeiro, cidade que seduz e enlouquece o carioca

Maria Christina Corrêa - Do Portal

28/02/2013

 Carlos Serra

“Rio de Janeiro, cidade que nos seduz. De dia falta água e de noite falta luz”, já dizia a marchinha de Vitor Simon e Fernando Martins no carnaval de 1954. Quase 60 anos depois, esta ainda pode ser a música tema do verão 2013. A semana de aniversário da cidade, que completa 448 anos nesta sexta-feira, dia 1º de março, começou mal para os cariocas, que, além do calor de 40 graus, estão enfrentando falta de água e constantes picos de luz. A cidade, que recentemente foi apontada como a campeã brasileira de lentidão no tráfego, enfrenta ainda mais transtornos com intervenções no trânsito. A falta de ônibus foi a cereja do bolo. O carioca iniciou o dia com uma paralisação de motoristas que afetou toda a cidade, deixando milhares de trabalhadores e estudantes em longas filas à espera de transporte e superlotou o metrô, que teve o serviço de superfície também suspenso. A saída foi apelar para vans e táxis.

A ação do sindicato dos motoristas veio agravar uma cidade já saturada, que passa por uma fase de grandes obras, com desvios e medidas temporárias, como o fechamento das estações General Osório e Cantagalo, na Zona Sul, devido às obras de expansão do metrô em direção à Barra. Logo na segunda-feira, primeiro dia útil após o fechamento, as filas para entrar nos ônibus levavam até 40 minutos, de acordo com passageiros. Moradora do Méier, na Zona Norte, Thaís Costa Motta, 23, estudante de Letras da PUC, passou a pegar dois ônibus em vez de utilizar o serviço do metrô.

 – Antes eu gastava R$ 4,15, agora são R$ 5,50. Não vi vantagem em saltar na Siqueira Campos e pegar trânsito – conta Thaís.

O dia, teve, ao menos, clima mais ameno, com céu encoberto, após um longo período de temperaturas elevadas, sem muitas alternativas no combate ao calor. Tomar banho para refrescar é um recurso que ficou restrito para quase 9 milhões de pessoas, afetadas por problemas no serviço de abastecimento da Cedae. Resta ligar o ventilador ou o ar-condicionado, mas a promessa de refresco nas contas de luz, com um desconto anunciado de 18%, na realidade foi de 6%, uma vez que tarifa foi reajustada em 12% no final de 2012.

Com a cidade inteira consumindo ao máximo, não há energia que dê conta. A Light constatou em dezembro um aumento de 29% no consumo de energia, o que aumentou em 8% o faturamento da concessionária. Pesquisas mostram uma mudança de hábito dos brasileiros: se antes o horário de pico era às 19h, quando as pessoas usavam o chuveiro elétrico ao chegar do trabalho, hoje passou a ser às 22h, momento em que as pessoas ligam o ar-condicionado antes de dormir.

Carlos Serra Em janeiro, o governo deixou claro que a situação preocupa principalmente na região Sudeste, onde o calor intenso é um agravante.  A maior preocupação era com os níveis dos reservatórios, que estavam 62% abaixo dos registrados em 2012. Segundo Pedro Américo Moretz-Sohn David, consultor da Empresa de Pesquisa Enérgica (EPE), a seca fora de época é a responsável pelos baixos níveis nos reservatórios.

– Ano passado foi extremamente seco e quente no final de novembro e dezembro inteiro. No momento em que era para recuperarmos os reservatórios, eles ficaram vazios – explicou o consultor (leia mais na reportagem Receita contra racionamento é investir em infraestrutura).

Para alguns, a “seca” começou há mais tempo. Em dezembro a escassez de água já era um problema para moradores do Recreio, que desde então estão sendo abastecidos por caminhões-pipa – que teve o preço triplicado nos últimos dois meses, uma vez que a demanda é alta e falta água para abastecê-los. O caminhão de 20 mil litros, que saía R$ 400, agora está em R$ 1.200.

Vinícius de Araújo, 20, é morador do bairro da Chatuba, no município de Mesquita, que está quase todo sem água há aproximadamente três semanas. O jovem, que trabalha como educador em uma ONG, teve o trabalho interrompido na segunda-feira por falta de água. No dia seguinte, só um curso voltou a ser dado e há água somente para beber. Para tentar aliviar a sensação térmica de 50 graus, Vinícius conta com a ajuda de um ventilador em casa e um ar-condicionado no trabalho, que nem sempre dão conta do recado. Mas a torneira está seca:

 – Lá em casa estamos comprando água pra beber e lavar louça. Para tomar banho vamos à casa de um amigo da família pegar água. A rua dele só está recebendo porque vem direto de uma cachoeira.

Destino de 900 mil pessoas no carnaval, a cidade ainda sofre com a ressaca da festa. Ruas e praias permaneceram cheias de lixo e cheiro ruim dias após a passagem de blocos e turistas. A Comlurb informou que, nos cinco dias de carnaval, coletou 700 toneladas de resíduos, um aumento de quase 20% em relação ao ano passado. Ainda assim, teve que recrutar 110 garis extras, que levaram mais três dias para dar cabo dos restos do carnaval.

De acordo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o Rio está com 16 de suas praias com areia e mar impróprios por causa de fezes e lixo, situação que se agravou no feriadão. Mesmo assim, cariocas não deixaram de dar um mergulho no mar caribenho na semana passada. Não se pode dizer o mesmo dos golfinhos, que não são vistos mais com tanta frequência nas praias. Presença certa na Baía de Guanabara, acompanhando as embarcações, ou nas praias, o golfinho de prata, ou boto-cinza, que ilustra o brasão do município do Rio de Janeiro adotada em 8 de julho de 1908, simbolizando a cidade marítima, passou a ser uma raridade e encontra-se ameaçada desde meados de 2010. Reprodução

O sumiço dos símbolos no Rio preocupa os biólogos do arquipélago das Ilhas Cagarras, outro point antes habitual dos golfinhos. Segundo Liliane Lodi, bióloga marinha do Projeto Ilhas do Rio/Programa Petrobras Ambiental, outra espécie que está fora dos mapas é a Flipper:

– Esta espécie está sendo monitorada pelo projeto desde 2004, e em 2008 notou-se uma diminuição de indivíduos. Em 2011 e 2012, eles passaram a não ser mais vistos na cidade, embora ainda possam ser observados em Cabo Frio e Arraial do Cabo.

Não se sabe o motivo do desaparecimento dos animais, que pode ser por fatores naturais ou provocados pelo homem. Está em fase de planejamento uma unidade de conservação para a espécie, especialmente o golfinho de prata. A cor dos mamíferos representa inocência, felicidade, pureza, verdade, formosura e integridade, algumas das características atribuídas ao Rio – que, apesar de tudo, continua lindo, como na música de Gilberto Gil, tão atual quanto a marchinha.