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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


País

Produtores criticam leis de direito de imagem

Rodrigo Serpellone - Do Portal

27/02/2013

 Arte: Carlos Serra

Reformulada pela última vez em 1988, a Constituição brasileira sofre muitas críticas por parte de produtores de conteúdo audiovisual. O principal problema é o artigo que condiciona a aparição ou citação de pessoas ou instituições em uma produção com fins lucrativos à expressa autorização do citado ou dos herdeiros de seus direitos de imagem. Neste fim de semana, a casa de shows Plataforma cancelou o espetáculo Tributo a Tim Maia, por falta de acordo entre a produção do show e a família do músico, que pediu R$ 3 mil pela liberação.

A sócia da Raccord Produções e produtora do documentário Cartola, Cléssia Bessa (foto), jura que nunca mais produzirá documentários por conta dos entraves na realização de seu único filme, que demorou oito anos para ser produzido: Nicolau Galvão

– Em um trecho de dois minutos do documentário, tive que pegar mais de cem autorizações. E, como a maioria dos que apareciam nos vídeos já havia falecido, a complicação aumentava, pois tínhamos que entrar em contato com os herdeiros.

O debate Free Speech – Direito de uso de imagem, no RioContentMarket, na última quarta-feira, 20, no hotel Windsor Barra, comparou a legislação de direito de imagem do Brasil com a de países como Estados Unidos e Reino Unido. De acordo com o advogado e professor da USP Rodrigo Salinas, no entanto, não é preciso mudar as leis, mas sim o pensamento:

– É necessária uma modificação na interpretação. O problema é como o Poder Judiciário se posiciona. Nos Estados Unidos, a tradição da liberdade de expressão está enraizada, mas aqui não. 

 Nicolau Galvão O Reino Unido é outro exemplo de país onde prevalece a liberdade de expressão. Sócio da Bedlam Productions e produtor de O discurso do rei, o britânico Simon Egan (à direita na foto) exemplifica a facilidade de obter imagens e mostrar pessoas em produtos audiovisuais do país:

– Se vamos fazer um filme e pegar um material da BBC, por exemplo, não precisamos pagar e nem pedir autorizações, desde que as imagens não sejam prejudiciais à empresa ou a qualquer pessoa que apareça.

Para seu documentário, Cléssia calcula que gastou R$ 380 mil somente em direitos de uso de imagem. A produtora confirma o discurso de Simon Egan, ao afirmar que não precisou pagar nem pedir autorização para obter arquivos internacionais. No Brasil, porém, o cenário é diferente:

– Para os produtores independentes brasileiros está ficando impossível produzir filmes, por causa do tempo e do preço – afirma a produtora e conselheira federal da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV).

O diretor da Prodigo Films e também conselheiro federal da ABPITV, Adriano Civita (à esquerda na foto com Simon), reforça o coro de protesto:

– O documentário é considerado entretenimento e, por isso, precisa de autorização para tudo. Se você quer criticar alguém, é impossível conseguir autorização dessa pessoa.

Pelo menos para quem produz biografias, isto pode estar chegando ao fim: tramitam na Câmara Federal projetos de lei apresentados pelos deputados Newton Lima (PT-SP) e Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) derrubando a proibição de biografias não autorizadas.

O livro Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha (Companhia das Letras, 1995), de Ruy Castro, teve a venda impedida por 11 anos, já que as herdeiras do “anjo das pernas tortas” processaram o autor. Mais recentemente, outro autor que teve a biografia recolhida foi o historiador e professor da PUC-Rio Paulo Cesar de Araújo. Sua obra Roberto Carlos em detalhes (Planeta, 2006) foi retirada de circulação, num acordo da editora com o cantor, que não desejava sua vida retratada em livro.  Nicolau Galvão

O advogado Rodrigo Salinas (foto) adverte que a lei atual é a mesma para a imprensa e para o entretenimento. Apesar disso, segundo o professor da USP, os juízes do Brasil não adotam o mesmo olhar, já que os jornais também publicam fotos ou textos sem autorização:

– O livro e o filme são vistos como algo para gerar lucro, já o jornal para informar. Mas ele não gera lucro?

O cineasta João Jardim, diretor de Janela da alma (2002) e codiretor de Lixo extraordinário, com Vik Muniz (2011), que concorreu ao Oscar de documentário no ano passado, pondera que os melhores filmes, os de crítica, não podem ser feitos com as leis atuais: “Se um cineasta quiser criticar o mensalão, por exemplo, ele vai ferir a honra dos políticos”.