Mariana Totino - Do Portal
11/03/2013Apesar de ainda modesta, a doação de órgãos conquista adesões crescentes pelo país, e o Rio tem se destacado como um dos estados mais “solidários”. Em 2012, o número de doadores fluminenses quase dobrou em comparação a 2011 (de 121 para 221), sendo o terceiro estado em números absolutos, atrás de São Paulo (757) e Minas Gerais (245). E, se em 2010 o Rio tinha 5,1 doadores de órgãos por milhão de habitantes, contra média nacional de dez por milhão, em 2012 chegou a avançar para 13,8 por milhão, superando os 12,6 doadores a cada milhão de habitantes no país (Santa Catarina lidera, com 26,4 doadores por milhão).
Os dados da Associação Brasileira de Doação de Órgãos (ABTO) são positivos, mas ainda estão longe de aliviar a expectativa de quem anseia pelo transplante. Em dezembro, o Estado do Rio tinha registrados 1.562 pacientes à espera de órgãos, sendo 743 de rins, 694 de córnea, 115 de fígado e 10 de coração. No país, há mais de 27 mil pessoas cadastradas para receber órgãos, o que praticamente equivale a todos os transplantes realizados desde 2002 (26.298).
No último dia 21 de fevereiro, a Secretaria Estadual de Saúde inaugurou o primeiro Centro Estadual de Transplantes (CET) do Rio, no Hospital São Francisco de Assis, na Tijuca, uma das medidas para impulsionar a doação de órgãos no estado. Segundo o coordenador do CET, Lúcio Pacheco, a expectativa é atingir 100 transplantes de fígado e 200 de rins neste primeiro ano. O centro, que também oferece consultas, já está apto para cirurgias.
A estrutura do Centro Estadual de Transplantes é composta por um centro cirúrgico, cinco salas, UTI, nove leitos e ambulatório. Inicialmente, serão realizados somente transplantes de fígado e rins e, num segundo momento, de pâncreas, atendendo os pacientes antes atendidos em hospitais públicos e unidades privadas conveniadas. Segundo Pacheco, as instalações dos hospitais de Bonsucesso, Fundão e Pedro Ernesto, que concentravam o atendimento, não têm condições de expandir a capacidade:
– O número de doadores praticamente triplicou no estado, e os centros transplantadores não davam conta da demanda.
Com a finalidade de aprimorar o serviço de captação, doação e distribuição de órgãos no Rio de Janeiro, foi lançado o Programa Estadual de Transplantes (PET), em abril de 2010, substituindo o antigo Rio Transplante. O número de doadores desde o lançamento cresceu mais de 200%, de acordo com o coordenador do PET, Rodrigo Sarlo:
– Aumentamos o número de doação de órgãos, de oferta e consequentemente de transplantes no estado, que era o nosso ponto de partida. A partir daí vimos a necessidade da construção de novos centros.
Além da construção da nova sede para a Central de Transplantes independente de unidades hospitalares, foi criado um número telefônico gratuito, o 155, para esclarecer dúvidas gerais e para que os profissionais de saúde notifiquem casos de potenciais doadores à central. Também foi lançado um site com informações como alertas para recadastramento de candidatos a receber órgãos, listagem de equipes e unidades hospitalares autorizadas.
– As pessoas que precisam de transplantes geralmente têm doenças específicas. Precisam procurar um centro transplantador para se cadastrar. No site do PET, essas pessoas podem ter mais informações – explica Sarlo.
Fora os investimentos na comunicação e na infraestrutura, o uso de um programa europeu, o Donor Action, melhorou a gestão dos serviços de transplantes, ajudando a identificar os gargalos na doação de órgãos. Trata-se de um programa que trabalha com o preenchimento de questionários, mantendo atualizado e revisado o prontuário do paciente. Formulários também são preenchidos anonimamente nos hospitais para que seja identificado o perfil de público de cada instituição.
Uma versão brasileira da ferramenta está em fase de desenvolvimento na Coppead (Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração) da UFRJ. A fim de capacitar enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, dedicados a diferentes áreas da doação, cursos de imersão foram ministrados em parceria com a ABTO e com a Universidade de Barcelona.
O nefrologista Eduardo Rocha, que coordenava o extinto programa Rio Transplante, admite que havia problemas na comunicação entre os hospitais e a Central de Transplantes, pois eram poucos funcionários e não havia triagem das ligações para o Disque-Transplante.
– Cidades do interior do estado, como Volta Redonda e Angra dos Reis, passaram a fazer notificações. A Defesa Civil já está acostumada a ser acionada em emergências e, recentemente, um helicóptero foi adquirido, o que permitiu a cobertura de mais casos.
Sobre o Hospital Federal de Bonsucesso, que passa por uma crise interna e desde dezembro tem o serviço de transplante de rins paralisado, Rocha acredita que a crise é temporária e afirma que a equipe deverá ser reconstruída:
– Seria incoerência fechar um e abrir outro. O Hospital Federal de Bonsucesso está passando por problemas internos, mas não vai fechar, nem vai parar de fazer transplantes.
Da doação ao transplante: pequeno intervalo que pode salvar vidas
Doadores vivos podem doar rim; pâncreas; medula óssea (se compatível, feita por meio de aspiração óssea ou coleta de sangue); fígado (apenas parte dele, em torno de 70%); e
pulmão (apenas parte dele, em situações excepcionais). É necessário ter boa saúde, atestada por exames.
Desde a sanção da Lei nº 10.211, de março de 2001, perdeu a validade a manifestação da vontade de ser doador de órgãos em caso de morte, que constava na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação. A retirada de órgãos de pessoas falecidas somente pode ser feita com a autorização de familiares, por isso é importante que o potencial doador converse sobre seu desejo com os parentes.
– É muito mais fácil falar sobre isso em um momento mais tranquilo do que no hospital, quando o médico anuncia que um parente bem próximo acabou de apresentar morte cerebral. As pessoas devem falar mais sobre isso em casa – diz Lúcio Pacheco, que trabalha com transplantes de fígado há mais de 15 anos e calcula ter feito mais de 600 cirurgias, em média 50 por ano.
Após a família autorizar a doação, profissionais treinados que atuam nas emergências e CTI hospitalares tem pouco tempo para entrar em contato com a Central Estadual de Transplantes, que acessará a fila única de espera, através de um programa de computador, a fim de procurar receptores compatíveis. Na fila constam receptores brasileiros, nascidos ou naturalizados, ou estrangeiros residentes no país inscritos para receber cada tipo de órgão.
A partir da identificação de um receptor, a Central Estadual acompanha todo o processo e são mobilizadas equipes para fazer a captação dos órgãos. A prioridade é atender aos pacientes regionais, mas caso não haja compatibilidades, a Central Transplantadora liga para outro estado. Foi o caso do ator Duda Ribeiro (foto), hoje no ar em Salve, Jorge: após anos de espera, recebeu, em 2011, aos 49 anos, em um hospital particular credenciado ao SUS, no Rio, o fígado de um adolescente de 17 anos do Paraná.
Nas diretrizes da Política Nacional de Transplantes de órgãos e tecidos estão a gratuidade da doação e o bem-estar de receptores e doadores vivos, além de garantias e direitos aos pacientes que necessitam destes procedimentos e a regulação de toda a rede assistencial através de autorizações de funcionamento de equipes e instituições.
País é o 4º em transplante de fígado no mundo
O Brasil aparece, em registros internacionais, entre os quatro primeiros países em realização de transplantes de fígado (o mais comum), rins e pâncreas. De 2002 a 2012, houve no país 26.298 transplantes de órgãos.
Mesmo com uma melhoria expressiva na área, em todo o país são mais de 27 mil pessoas na lista de espera para transplantes. Destacam-se países como Espanha, que tem a melhor taxa de distribuição de doadores (três vezes maior que a do Brasil), e Estados Unidos, liderando tanto em número absoluto de doadores como em número de cirurgias.
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