Ana Luiza Cardoso e Patrícia Côrtes - Do Portal
07/12/2012O início de um império da comunicação no Brasil se transforma em livro. O recém-lançado Irineu Marinho: imprensa e cidade conta a história intelectual e cultural do Rio de Janeiro sob o ponto de vista do jornalista Irineu Marinho. Escrito pela historiadora Maria Alice Rezende de Carvalho, coordenadora de pós-graduação do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, Imprensa e cidade tem como foco a influência do jornal A Noite no comportamento da população carioca entre 1911 e 1925, período em que circulou o veículo de comunicação sob o comando de Irineu.
“O jornal A Noite era de grande agitação, de imaginação e do debate público”, afirma a autora. Maria Alice lembra que a marca do jornal de Irineu era a produção de fatos para embasar suas denúncias, como a vez em que jornalistas roubaram peças de museus para comprovar a falta de segurança. Em outra, contra charlatães que abusavam da ingenuidade popular ao vender curas e previsões, o repórter alugou um apartamento, onde, disfarçado de faquir, fez atendimentos por meses para produzir a reportagem.
– Os repórteres do Irineu sabiam que precisavam se empenhar para vender jornal, porque não eram subvencionados pelo governo. Então, criavam situações para que a cidade vivesse em torno desses assuntos. Essas matérias rendiam, pelo menos, uma semana de notícia, comentários da polícia e debates públicos. Inclusive sobre se aquela forma de fazer notícia era válida ou não – diz Maria Alice.
A independência política do jornal dava abertura a críticas ao governo. Durante a Campanha Civilista, A Noite, assim como o Correio da Manhã, se identificou com o liberalismo de Rui Barbosa e com a defesa da Constituição de 1891, que enfatizava as garantias individuais e a possibilidade de livres manifestações de opinião. Após a vitória de Marechal Hermes da Fonseca, o jornal se posicionou contra o governo. Mais tarde, em 1922, defendeu o Tenentismo e uma República mais inclusiva, que levasse em conta as massas urbanas e os setores médios.
Na passagem do século XIX para o XX, os jornais dos Estados Unidos e da Europa sofreram grandes transformações. Tornaram-se veículos voltados para trabalhadores, população numerosa e basicamente pobre. Mais ágeis, com linguagem acessível, com reportagens ilustradas por charges e fotografias, para atender a um público de letramento precário. Essas mudanças no jornalismo mundial chegaram ao Brasil e estiveram presentes no A Noite.
– Irineu Marinho entendia os principais dilemas da formação brasileira e como seria importante liberalizar a República. Por isso, ficou preso quatro meses na Ilha das Cobras. Ele estava profundamente ligado às lutas na cidade do Rio, numa perspectiva de democratização do acesso à informação e de popularização do debate – avalia a autora.
Maria Alice também destaca a valorização da figura do repórter. Enquanto trabalhava na Gazeta de Notícias, Irineu Marinho criou a Associação dos Repórteres, tentativa de institucionalizar a profissão e torná-la uma marca da imprensa moderna. Até então, o jornalismo era exercido por literatos ou políticos.
Aos 15 anos Irineu já era assistente de revisor no Diário de Notícias e, aos 34, tornou-se o empresário por trás de A Noite. Ao longo do tempo em que o jornal existiu sob sua direção, entre 1911 e 1925, obteve sucesso e aprovação por parte da população. Apesar de não atuar como repórter de rua, Irineu fazia a coluna Ecos e Novidades, com comentários políticos. Maria Alice conta que sua maior dificuldade foi identificar a autoria dos textos, pois nenhum deles era assinado. Ao comparar o estilo de escrita das colunas a outros trabalhos de Irineu na Gazeta de Notícias, ela o reconheceu.
– Tenho certeza de que era de Irineu. Ele tinha um texto moderno, curto e com alguma ironia. Escrevia de maneira graciosa, e era muito interessado em cortes, como se as palavras fossem fotografias de cinema. Era muito interessante do ponto de vista da nova forma de reproduzir uma notícia, que não tinha nada mais de literária.
Em 1925, com problemas de saúde, Irineu foi se tratar na Europa, levando toda a famíla. Na viagem, recebeu a notícia de que havia perdido o comando de A Noite para os sócios. O jornalista e empresário antecipou a volta e dedicou-se por quatro meses à criação de um novo jornal: O Globo. Acabou sofrendo um infarto 20 dias após o lançamento, morrendo aos 49 anos.
A ideia do livro surgiu quando Maria Alice trabalhava como consultora do Globo Universidade e foi informada pela gerente do conhecimento do Memória Globo, Sílvia Fiuza, sobre uma documentação sobre Irineu. Eram correspondências, fotografias da família, contratos e papéis oficiais do jornal A Noite que estavam abrigados no acervo e mereciam alguma publicidade.
– Propus que fizéssemos uma história cultural do Rio de Janeiro em que a cidade, as modificações da imprensa carioca e a figura de Irineu Marinho estivessem entrelaçadas – define Maria Alice. – É a história social e intelectual do Rio de Janeiro, tendo como fio condutor a trajetória de um repórter que começou muito cedo.
Foram dois anos e três meses revirando o acervo do Memória Globo, da Biblioteca Nacional, da Fundação Casa de Rui Barbosa e do Museu da Imagem e do Som até o lançamento, no dia 29 de novembro, na Livraria da Travessa. O trabalho foi elogiado pelo presidente das Organizações Globo e neto de Irineu, Roberto Irineu Marinho. Ele diz que o livro Imprensa e cidade possibilitou o acesso à história da família.
– Maria Alice fez uma pesquisa maravilhosa. Aprendemos muito com o livro, sobre a origem da nossa família e dos nossos valores. O livro também mostra o início do jornalismo independente, do jornalismo de cidade – afirmou, ao prestigiar o lançamento.
Para a jornalista Míriam Leitão, colunista do jornal O Globo e ganhadora do Prêmio Jabuti pelo livro-reportagem Saga brasileira: a longa luta de um povo por sua moeda, a capacidade de se adaptar a novos formatos também está presente nos atuais veículos das Organizações Globo. Como exemplo, citou a criação de produtos para computadores, tablets e celulares:
– Irineu teve uma vida curta, mas muito intensa. O mais importante para o jornalismo é que ele criou vários produtos e estilos que ainda são encontrados no Globo. E é possível notar que na base de todos eles, encontra-se jornalismo.