O jornalista e produtor musical Rodrigo Faour é obcecado por música brasileira. Tem um acervo de 8 mil discos, dos quais produziu, ele próprio, 500. Aos 40 anos, o jornalista formado na PUC-Rio já escreveu cinco livros ligados ao tema, e faz parte da equipe de consultores do novo Museu da Imagem e do Som, ao lado de Ruy Castro, Hermínio Bello de Carvalho e Sérgio Cabral. Biógrafo de Cauby Peixoto e Claudette Soares, Faour lançou, semana passada, sua terceira biografia, Dolores Duran – A noite e as canções de uma mulher fascinante (Editora Record), nas livrarias da Travessa, no Leblon, e Cultura, em São Paulo, com canjas de Cauby e Angela Maria.
Faour não para: em dezembro, lançará um CD duplo em homenagem aos 100 anos de Herivelto Martins; uma caixa de Nana Caymmi (A dama da canção, com 20 CDs), e outra de Maysa, com dois; e seu programa História sexual da MPB voltará ser exibido no Canal Brasil em 2013. Este ano, já havia dirigido Ney Matogrosso no show Infernynho; produzido a série Super Divas (EMI Music), com 250 gravações raras ou inéditas de Ademilde Fonseca, Angela Maria, Aracy de Almeida, Carmélia Alves, Cláudia, Dalva de Oliveira, Eliana Pittman, Elizeth Cardoso, Leny Eversong, Maria Alcina, Maysa, Rosana Toledo e Waleska; e as caixas Elis Regina nos anos 70 e Elis Regina nos anos 80, cada uma com 12 discos, incluindo uma faixa inédita da cantora que garimpou nos arquivos da Universal Music.
– Trabalho muito, sou hiperativo, não consigo ficar parado – afirma.
O primeiro livro, Bastidores – Cauby Peixoto: 50 anos da voz e do mito (Ed. Record, 2001), ganhou os palcos em 2006 no musical Cauby! Cauby!, de Flávio Marinho, que rendeu a Diogo Vilela o Prêmio Shell de melhor ator. Mas o divisor de águas na carreira de Faour foi História sexual da MPB (Record, 2006). O livro, que narra a evolução do amor e do sexo na canção brasileira, o levou à rádio MPB FM, onde apresentou o programa Sexo MPB por três anos, de 2009 a 2011; e ao Canal Brasil, onde comandou o programa de entrevistas homônimo, ao longo de 2010.
A ideia do livro sobre Dolores Duran surgiu quando produzia uma coleção da compositora, de quem conhecia a obra, mas não a surpreendente história de vida. Autodidata, Dolores falava inglês, italiano, francês, espanhol e esperanto. Morreu aos 29 anos, de infarto, em 1959, deixando 35 composições próprias, além das canções que registrou como intérprete. O produtor ressalta o bom gosto da compositora ao escolher o repertório, o que era raro na época:
– Dolores era politizada e amiga de intelectuais. Apesar de terem sido feitas há mais de 50 anos, as músicas são atuais.
A cantora Angela Maria, 84 anos, que mora em São Paulo, prestigiou o amigo no lançamento da biografia na cidade, com direito a show ao lado de Cauby Peixoto.
Angela mantém contato com Faour há mais de dez anos, desde que ele a procurou propondo escrever sua biografia. O livro ainda não saiu, mas o produtor conta com o aval da diva:
– Adoro o Faour. É sensacional o trabalho que ele faz, de resgatar pessoas que tiveram sucesso durante muitos anos e que, quando morrem, ficam esquecidas. Graças a ele, quem não conhecia passou a conhecer os “cantores esquecidos”.
Angela se diz grata por integrar a coletânea Super Divas, que Faour organizou:
– É muito bom ser lembrada enquanto estou viva. Depois que a pessoa morre, não sente nada. As homenagens têm que ser feitas durante a vida.
Nos tempos de PUC, onde se formou em jornalismo em 1994, Faour já era um fã e grande conhecedor de música brasileira, e imitava suas divas entre amigos. A brincadeira valeu como experiência quando, recém-formado e desempregado, atuou como garçom-cantor do Teatro dos Quatro, no mesmo espaço do Shopping da Gávea em que Nelson Motta abriu o Frenetic Dancing Days, nos anos 70, revelando as Frenéticas, que deixavam as bandejas para subir ao palco no meio da noite:
– Desisti porque eu não tinha tanto talento cantando. Mas canto muito melhor do que muitos desses da nova geração – diverte-se.
Sua experiência profissional em redação foi na extinta Tribuna da Imprensa, onde ficou por quatro anos. Quando foi conversar com a editora-chefe de cultura, não sabia nem o nome do caderno em que iria trabalhar.
– Minha carreira foi salva pelo porteiro, que me apresentou à Tribuna Bis, o caderno de cultura. "Fui bem sincero com a editora: sou pesquisador musical e tenho um vasto material. Conheço pessoas do meio, e elas dizem que não posso ficar fora da imprensa". A Tribuna foi minha grande escola – conta ele, lembrando que na época a faculdade não oferecia muitas disciplinas práticas, razão que o levou a editar, com o colega de curso Jeferson Almeida, o jornal apócrifo Imprensa Marrom.
Hoje, ele conta com o reconhecimento de ídolos como Gal Costa e Maria Bethânia, que começou a ouvir aos 8 anos por influência da mãe, que era professora de música.
– É emocionante ser reconhecido por quem admiramos. Quando trabalhava na Tribuna, Bethânia já me conhecia pelo nome na segunda entrevista. É surreal ter essa proximidade.
Faour trabalhou com outro de seus ídolos, Ney Matogrosso, seu convidado especial no show Infernynho, que produziu com a cantora Marília Bessy.
– Foi maravilhoso dirigir o Ney. Acho que a ficha não caiu ainda – confessa.
Para o espetáculo, que vai sair em DVD no início de 2013, selecionou músicas sensuais e dançantes para Ney e Marília interpretarem. Com o projeto na gaveta desde 2010, Marília virou fã do produtor:
– Queríamos fazer do show um espetáculo, com cenografia, interpretação. O roteiro dele ficou impecável. Conversávamos sobre tudo. Temos gostos muito parecidos, tudo fluiu bem. Ele é muito especial. Além de um grande amigo, tem uma sensibilidade incomum.
A cantora conheceu Faour na festa que ele promoveu para lançar a coletânea de Gretchen, em 2010. Ela tinha regravado o hit Conga, conga, conga, e deu um jeito de entregar seu CD ao produtor:
– Ele ouviu o disco, e amou. Me ligou, e acabamos nos tornando amigos.
Paralelamente ao trabalho como escritor, em 2001 Faour começou a procurar gravadoras para viabilizar projetos musicais, organizando coletâneas e relançamentos. Seu primeiro disco como produtor musical foi da cantora paulista Leny Eversong, para a Som Livre.
– Ela tinha a maior voz do mundo e morreu esquecida nos anos 1980. Fez mais de 600 shows nos Estados Unidos. Propus ao João Araujo e ele topou – lembra Faour.
Especialista em Era do Rádio – lançou, em 2002, o livro Revista do Rádio, e deu consultoria a espetáculos de teatro como Emilinha e Marlene –, emociona-se ao citar artistas como Inezita Barroso e Ademilde Fonseca, que morreu ano passado, “como todo mundo gostaria de morrer, aos 91 anos, pendurando roupa na corda”. Lembra que, numa das festas do Troféu Sexo MPB, na qual foi premiada, ela comentou como avaliava a nova geração de cantoras, irônica: “Elas estão melhorando o trabalho que eu comecei”.
– A MPB ficou muito careta, engessada. Antes o público urrava nos shows, sempre tinha um momento arrebatador. Hoje tudo é muito morno, já sabemos o que vai acontecer – critica.
Embora mergulhe na música do século passado, Faour garante não ter preconceito. Mas, como bom virginiano, é exigente. Para ele, falta verdade aos cantores da nova safra:
– Para ser bom precisa ter atitude, teatralidade e ter o que dizer ao público. A funkeira Valeska, da Gaiola das Popozudas, por exemplo, me passa verdade, apesar de cantar músicas com apelo sexual.
Feliz na profissão, Faour reclama das dificuldades para produzir cultura no Brasil:
– Nesta área, trabalhamos muito e ganhamos pouco. A cultura ainda é desvalorizada no país, só se produz se tiver incentivo. O processo é muito lento. Tudo é muito sofrido – avalia o produtor, lembrando uma frase que ouviu da cantora Elza Soares numa entrevista para a Tribuna: “No Brasil é assim: mesmo com 40 anos de carreira, tenho que provar todos os dias quem eu sou”.