Marcelo Brüzzi - Da sala de aula
26/05/2008Em 20 de abril, o jornal O Globo publicou matéria com a seguinte manchete: Assim nascem os políticos. O texto mostrava, entre outros escândalos, que, de 2004 a 2006, 283 vereadores do Estado gastaram R$ 7 milhões ilegalmente. Era a primeira revelação da série de reportagem Profissão Vereador, do professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, Chico Otavio. Na universidade, ele é um dos organizadores do ciclo de debates “A Imprensa em 68”.A seguir, o jornalista conta histórias inacreditáveis que envolvem as 92 Câmaras Municipais do Estado do Rio de Janeiro.
Como surgiu a idéia de fazer a série de reportagens Profissão Vereador?
A primeira idéia se baseou na tradicional falta de interesse da mídia em geral em eleições proporcionais no Brasil. Toda eleição, de dois em dois anos, o foco é extremamente centrado na eleição majoritária, na disputa para presidente, governador, e para a prefeitura das capitais. E a gente despreza muito a eleição proporcional, os candidatos a vereador e a deputado. Esse ano, eu resolvi tentar mudar, pelo menos no O Globo. Tentei olhar com mais atenção para as Câmaras Municipais. Só no Estado do Rio de Janeiro existem cerca de mil vereadores. Isso é um mundo. Se nos basearmos na última eleição municipal, em 2004, no mínimo serão 15 mil candidatos disputando a eleição de outubro. Como que a gente pode ignorar tudo isso? Como a gente pode ignorar o que acontece nas 92 Câmaras Municipais do Estado do Rio? Como esses vereadores atuam? O que eles fazem em benefício da comunidade? Como alguns deles se favorecem dos cargos em benefício próprio? É isso que eu estou tentando investigar agora. É um trabalho complicado. Eu estou fazendo sozinho, o jornal topou, e se depender de mim eu levo até o dia da eleição.
Por que acontecem tantas irregularidades nas Câmaras Municipais? Quais são as causas dos escândalos da política?
Primeiro, a falta de interesse da população. Principalmente da sociedade organizada, de fiscalizar e cobrar. E a cobrança mais forte é na hora do voto. O voto é o maior instrumento de fiscalização que pode existir. É você perceber que o cara está fazendo um mau trabalho, que não está tendo uma conduta legal, e na hora de votar, negar o direito desse cidadão de se reeleger. Essa é a melhor fiscalização, e funciona perfeitamente. Só que infelizmente no Brasil existe um grande desinteresse geral, uma descrença na vida parlamentar, particularmente na rotina nas Câmaras Municipais. Acho que pelo menos, para os eleitores que são leitores de O Globo, a série de reportagem vai motivar um debate.
O que mais de preocupante você descobriu?
Não dá nem pra listar aqui. Mas eu vou tentar. Primeiro, uma expressiva quantidade de vereadores que responde a processos criminais, e alguns deles só não estão presos por medidas legais, por recursos, porque contam com bons advogados. Uma outra questão é: quando você entrega ao vereador o poder de se auto gerir, ele comete uma série de irregularidades, como por exemplo, proventos acima do teto legal, problemas de licitação, nepotismo, gastos da Câmara Municipal acima dos limites legais, problemas administrativos, penais e criminais envolvendo, infelizmente, os vereadores do Estado do Rio.
Como você é recebido nas Câmaras Municipais que você visita para fazer reportagens? Já sofreu alguma ameaça de vereadores?
Graças a Deus, até aqui não. Mas eu só estou começando. Eu tenho procurado ir nas sessões legislativas. A entrada é pública, e eu procuro não avisar que eu vou visitá-los, porque acho que aí o cenário seria outro. Eu procuro ir de surpresa com o fotógrafo, e eventualmente, quando eu sinto a necessidade, converso com alguém, seja ele presidente da Câmara ou algum vereador.
Como está sendo a participação dos leitores?
Eu criei um e-mail, e estou apostando muito na interatividade. Esse e-mail no primeiro momento “bombou”. Mas agora que a série deu uma paradinha, os e-mails pararam de chegar. No início, foram mais de 50 e-mails com muitas sugestões, muita reclamação, você percebe claramente que havia uma demanda reprimida, represada. Eu estou tentando me pautar por essas mensagens. É óbvio que eu não vou escrever uma matéria baseado só na mensagem. Elas servem de pauta para um trabalho de apuração.
Muitos colocam em xeque a necessidade de se ter uma Câmara Municipal. Qual a sua opinião sobre esse assunto?
As Câmaras são fundamentais para a democracia. A essência da democracia brasileira, do sistema republicano, é a divisão dos três poderes. E isso tem que se dá em todos os níveis, inclusive no nível municipal. Portanto, o papel da sociedade não é acabar com as Câmaras Municipais, e sim cobrar mais qualidade, mais ética e mais empenho dos vereadores. Mas, em tempo algum, pensar em um sistema político sem o parlamento. Cabe ao eleitor acabar com os problemas da política, vinculando seu voto a projetos que sejam de interesse da sociedade.
Qual é a sensação de estar abrindo o olho da sociedade para esses graves problemas com nossos representantes?
Jornalismo é a revelação. Eu não digo que esteja revelando só coisas tenebrosas. Eu também vou mostrar acertos, coisas positivas. Vou mostrar o trabalho das Câmaras em prol da comunidade. E tudo isso junto pra mim é uma novidade. Eu que raramente freqüento uma sessão de Câmara Municipal, estou tendo uma overdose disso. Eu acho isso super-bacana.